MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. O Tema 935/STF permite contribuição assistencial dos servidores?

O Tema 935/STF permite contribuição assistencial dos servidores?

O autor defende a viabilidade da contribuição assistencial nos sindicatos de servidores públicos, com base na nova interpretação do Tema 935 do STF.

terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Atualizado às 10:44

No Tema 935, o STF passou a admitir a cobrança contribuição assistencial de todos os membros da categoria, inclusive não associados ao sindicato, garantido o direito de oposição. Como a decisão foi tomada em recurso de sindicato de trabalhadores da iniciativa privada e faz referência a "negociação coletiva" e "normas coletivas", próprias do direito laboral, questiona-se a viabilidade de sua instituição no serviço público. Nossa conclusão é de que sim, os sindicatos de servidores podem instituir que a contribuição teve sua abrangência restringida apenas aos associados pela jurisprudência (SV 40 do STF); e (d) assistencial, tradicionalmente cobrada quando da conquista de um acordo ou norma coletiva.

A contribuição assistencial parte do art. 513, "e", da CLT, que dá aos sindicatos a prerrogativa de impor contribuições aos integrantes das categorias representadas. A jurisprudência entendia ser exigível apenas dos associados (TST, precedente normativo 119). Essa realidade foi alterada no novo julgamento do Tema 935, nas sessões de 11/9/23 e 25/11/25 do STF.

O Tema 935, originalmente, dizia ser "inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados".1 Todavia, em 11/9/23, o STF passou a admitir a cobrança dos não filiados, desde facultado o direito de oposição ("é constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição").2 Em 25/11/25, houve o acréscimo das determinações de que: "i) fique vedada a cobrança retroativa da contribuição assistencial em relação ao período em que o STF mantinha o entendimento pela sua inconstitucionalidade; ii) seja assegurada a impossibilidade de interferência de terceiros no livre exercício do direito de oposição; e iii) o valor da contribuição assistencial observe critérios de razoabilidade e seja compatível com a capacidade econômica da categoria."3

O primeiro ponto a superar é a aplicabilidade do art. 513 da CLT. Embora a CLT, no art. 7º, afirme serem inaplicáveis aos servidores suas disposições, não há dúvida da plena aplicabilidade das normas celetistas sobre organização sindical aos sindicatos de servidores. As normas preexistentes foram recepcionadas pela CR/1988, quando não conflitantes, e devem ser reinterpretado à luz da nova Constituição, que permitiu a sindicalização dos servidores civis. A jurisprudência do STF segue essa linha, ao exigir dos sindicatos de servidores respeito à unicidade sindical (ARE 1.106.944) e registro perante o Ministério do Trabalho (súmula 677), e ao lhes permitir arrecadar a antiga contribuição sindical (AgRgAI 456.634). Esta última era tida como decorrência direta da unicidade sindical (ADIn 1.076-MC). "Facultada a formação de sindicatos de servidores públicos, não cabe excluí-los do regime da contribuição legal compulsória dos membros da categoria", afirmou-se.4

O segundo ponto é a alega inexistência de negociação coletiva no serviço público. A Convenção 151 da OIT ainda não foi regulamentada e, em 1992, o STF deu por inconstitucional esse direito, previsto para os servidores federais na lei 8.112/1990 (ADIn 492). Alegou que era incompatível com o caráter unilateral da relação estatutária, imposta pelo Estado aos servidores.

Porém, a falta de regulamentação da negociação, não tem impedido que ocorram negociações coletivas no serviço público brasileiro.5 União, Estados e municípios têm hoje organismos institucionais de negociação com os servidores, representados por seus sindicatos.6 O Governo Federal relata ter firmado desde 2002 nada menos que "52 Termos de Acordo, válidos até o final de 2026 (...) proporcionando reajustes a todas as servidoras e servidores civis".7

As mudanças de três décadas revelam "não restar mais espaço para a manutenção do precedente de 1992, devendo ser superado o precedente formado no julgamento da ADIn 492/DF".8 Ademais, o próprio STF validou a EC 19/1998, que pôs fim ao regime jurídico único no serviço público. Passa a ser possível existirem estatutários e celetistas - e mesmo apenas celetistas - numa mesma esfera da Administração.9

Evidentemente, a negociação dos sindicatos de servidores não é idêntica à da iniciativa privada. No lugar dos "acordos coletivos" ou "sentenças normativas", os sindicatos de servidores obtêm "protocolos" ou "termos" em que os governos se comprometem a editar os atos normativos, legais ou infralegais, necessários à concretização dos direitos e benefícios negociados, quando não, diretamente, levam à sua edição. Isso, porém, não desqualifica a negociação e a conquista coletiva dela decorrente. Os sindicatos de servidores efetivamente realizam negociações de caráter coletivo e nela obtêm vantagens para toda a categoria, resultando em legislativos ou atos normativos infralegais.

Trata-se, aliás, de possibilidade aberta pelo reconhecimento, no STF, do exercício imediato do direito de greve pelos servidores (MIs 670, 708 e 712). Ali, o Supremo "provocou uma transformação paradigmática no sistema de relações coletivas de trabalho no serviço público, sinalizando na direção do reconhecimento pleno dos direitos coletivos dos servidores públicos, compreendendo aí a plena liberdade sindical, a deflagração de conflitos coletivos e a negociação coletiva".10 O próprio Poder Judiciário entende que o prévio esgotamento da via negocial ou a vigência de um acordo prévio constituem parâmetros de aferição da legalidade da greve de servidores públicos.11

O terceiro ponto é o da isonomia. Foi em respeito a ela que o STF reviu seu posicionamento sobre a assistencial. O ministro Roberto Barroso lembrou que, "o sindicato representa, necessariamente, toda a categoria profissional. Por isso (...) os benefícios obtidos se estendem a todos os empregados integrantes da correspondente base sindical, sejam eles filiados ao sindicato ou não". Daí a necessidade de que toda a categoria contribua, até para inibir "a figura do 'carona', aquele que obtém a vantagem, mas não paga por ela" e o decorrente "enriquecimento ilícito de sua parte". Concluiu que, sem a contribuição do não sócio "todo o custeio fica a cargo de quem é filiado", numa "desequiparação injusta entre empregados da mesma categoria".12 A mesma lógica se aplica aos sindicatos de servidores públicos, cuja atuação também beneficia toda a categoria, e a contribuição de todos é essencial para seu financiamento. Tanto quanto o trabalhador da iniciativa privada, não se justifica que o servidor público aproveite o resultado da atuação sindical e nada pague por ela. Haverá igual enriquecimento ilícito e igual desequiparação injusta.

A isonomia também se aplica entre as entidades sindicais. Sindicatos de servidores também eram titulares da contribuição sindical compulsória. A supressão de sua obrigatoriedade os afetou tanto quanto afetou os demais sindicatos. Para fins de organização e defesa dos direitos da classe, sindicatos de servidores públicos estão na mesma situação que os da iniciativa privada. O argumento isonômico, já se disse, orientou o leading case na matéria, a ADIn 962-MC, tendo o ministro Ilmar Galvão, Relator, acentuado que "o tratamento não pode discrepar, em atenção ao próprio princípio da liberdade de associação, daquele conferido aos órgãos representativos dos trabalhadores que, na técnica constitucional, estão vinculados ao setor privado".13

No serviço público, a instituição da contribuição assistencial deverá observar as especificidades das negociações ali travadas. Não haverá acordo coletivo ou sentença normativa. Nem por isso, a contribuição deixará de ser subordinada à obtenção de direitos ou vantagens por meio de negociação coletiva ou campanha salarial conduzida pelo sindicato. A obtenção de aumentos ou reajustes, a instituição de novas gratificações ou a ampliação das já existentes, e até mesmo o acordo judicial decorrente de certa ação coletiva, que tragam benefícios concretos para toda a categoria, são exemplos de conquistas que podem ensejar a cobrança da contribuição assistencial dos servidores.

Deverão ser cumpridas, também, as condições gerais fixadas nos julgamentos dos primeiros embargos declaratórios no ARE 1.018.459, em 11/9/23 (a garantia do direito de oposição dos não associados) e dos segundos embargos declaratórios, em 25/11/25 (vedação à cobrança retroativa ao período em que o STF entendia inconstitucional, vedação à interferência de terceiros no livre exercício do direito de oposição e razoabilidade e a compatibilidade do valor da contribuição com a capacidade econômica da categoria).

Com a devida observância desses requisitos, entende-se viável a instituição, por sindicato de servidores públicos, da contribuição assistencial, na linha do Tema 935 do STF.

___________

1 STF, Tribunal Pleno, ARE 1.018.459-PR, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 10/03/2017.

2 STF, Tribunal Pleno, EDcl no ARE 1.018.459-PR, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 30/10/2023.

3 STF, Tribunal Pleno, EDcl no EDcl no ARE 1.018.459-PR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Sessão Virtual de 14/11/2025 a 25/11/2025. Quando redigido o presente, o acórdão não havia sido publicado, mas o teor dos votos estava disponível no campo Sessão Virtual, em https://digital.stf.jus.br/decisoes-monocraticas/api/public/votos/336991/conteudo.pdf.

4 STF, Tribunal Pleno, ADI 962, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, j. 11.11.1993.

5 "A presença das entidades representativas no âmago da Administração, o acompanhamento, por elas, da definição das políticas remuneratórias a serem implementadas e, inclusive, a assinatura, a propósito delas, de termos de compromisso ou instrumentos afins para com Poder Público, demonstram a prática, ainda que informal, de negociações envolvendo os servidores estatutários" (SILVA, Clarissa Sampaio. O Direito de greve dos Servidores Públicos: entre a omissão legislativa e a regulação judicial, Revista da AGU, Brasília-DF, v. 14, n. 03, jul./set. 2015, p. 59-88).

6 , V.g., a Mesa Nacional Permanente de Negociação (MNPN) no Executivo Federal e o Sistema de Negociação Permanente (SINEP) da Prefeitura de Fortaleza-CE

7 Cf. Cartilha da MNPN, disponível em www.gov.br/servidor/pt-br/acesso-a-informacao/relacoes-de-trabalho/documentos/cartilha-mnnp.pdf, acesso em 02.12.2025. Para um exemplo ainda mais recente, veja-se o "Acordo Celebrado entre o Município de Salvador e a APLB-Sindicat dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia", de em 18/07/2025, pondo fim à greve dos professores municipais, disponível em https://aplbsindicato.org.br/forca-e-unidade-categoria-assina-acordo-com-prefeitura-de-salvador-e-encerra-greve-historica/, acesso em 02.12.2025.

8 Cf. CAVALCANTI, Alessandra Damian. A negociação coletiva no serviço público como corolário do direito de sindicalização e do direito de greve. 2020. 191 f. Dissertação de Mestrado, IDP, Brasília: 2017, disponível em https://repositorio.idp.edu.br, acesso em 02.12.2025.

9 STF, Tribunal Pleno, ADI 2135, Rel. Min. CARMEN LÚCIA, Rel. p/ ac. Min. GILMAR MENDES, DJE 03/06/2025.

10 PAES, Arnaldo Boson. Negociação Coletiva no Serviço Público. Revista do TRT da 10ª Região, Brasília, v. 15/18, 2006-2009, p.87-88.

11 STJ, 1ª Seção, Pet. 7883, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, 29/04/2010. STJ, 1ª Seção, MC 15665, Rel. Min. OG FERNANDES, 19/06/2009.

12 STF, Tribunal Pleno, EDcl no EDcl no ARE 1.018.459-PR, cit.

13 STF, Tribunal Pleno, ADI-MC 962, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, DJ 11.02.1994.

Pedro Pita Machado

VIP Pedro Pita Machado

Advogado especializado em Direito dos Servidores Públicos. Sócio da Pita Machado Advogados (RS, SC e DF). Pós-graduado em Processo Civil e Direito Constitucional. Membro efetivo do IAB, ABJD e ADJC.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca