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O que fazer diante do risco de perder seu imóvel pela lei 9.514/97

O que fazer e não fazer diante do risco de perder seu imóvel pela lei 9.514/97.

terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Atualizado às 10:45

A realidade abrupta da alienação fiduciária e seus atos expropriatórios

A alienação fiduciária de imóveis instituída pela lei 9.514/97, é um dos instrumentos mais agressivos, céleres e desequilibrados do ordenamento jurídico brasileiro - e um dos mais agressivo do mundo - em favor dos credores fiduciários e instituições financeiras. Trata-se de um procedimento extrajudicial, ou seja, que dispensa a intervenção do Poder Judiciário em suas fases iniciais, permitindo que o credor retome o imóvel financiado de forma abrupta, muitas vezes desleal e frequentemente predatória, sem que o devedor fiduciante ou mutuário tenha plena consciência de seus direitos ou das graves consequências de sua inércia.

Na realidade, através da malsinada alienação fiduciária, o próprio credor fiduciário e bancos é quem cobra, executa e expropria a parte, sem passar pelo crivo e intervenção de ninguém, funcionando como um verdadeiro "Poder Judiciário" privado, pelo qual o próprio inicia, persegue e define a questão.

A minha experiência de três décadas defendendo devedores fiduciantes, consumidores bancários e mutuários - sem margem para dúvidas, permite-me afirmar que a lei 9.514/97 foi erigida para proteger o credor, não o devedor. Na lei de hipoteca Norte americana pela qual a alienação fiduciária brasileira se inspirou, os direitos dos devedores americanos são amplamente respeitados e com uma variedade de chances de pagamento até o último momento, pois lá se prioriza a preservação máxima da moradia ao devedor e jamais a retomada e confisco do imóvel como ocorre aqui. 

Na alienação fiduciária brasileira, o procedimento é rápido - do atraso da primeira parcela até a perda definitiva do imóvel podem se passar apenas quatro a seis meses, eficiente para o credor e extremamente desfavorável ao devedor desassistido tecnicamente. Por isso, a orientação estratégica, a documentação adequada e a defesa técnica especializada não são luxos ou preciosismos jurídicos, mas necessidades absolutas de sobrevivência patrimonial.

Este artigo tem por objetivo orientar devedores fiduciantes, mutuários e executados sobre o que fazer e o que não fazer em cada fase crítica do procedimento expropriatório, apresentando os melhores caminhos extrajudiciais e judiciais para prevenir danos, reduzir prejuízos e defender o patrimônio familiar contra a execução extrajudicial abrupta, desleal, predatória e abusiva que caracteriza a alienação fiduciária Brasileira.

Parte I: Compreendendo o inimigo - A estrutura da execução extrajudicial

A natureza predatória do procedimento da lei 9.514/97

A alienação fiduciária é um negócio jurídico no qual o devedor transfere ao credor a propriedade resolúvel do imóvel como garantia do pagamento da dívida. Enquanto o devedor paga regularmente, ele mantém a posse direta do imóvel. Somente será dono quando pagar a última parcela do financiamento. No entanto, ao inadimplir, o credor pode iniciar um procedimento extrajudicial que, se não for adequadamente combatido, resultará na consolidação da propriedade em nome do credor em tempo recorde e na posterior venda do imóvel em leilão público a terceiros - arrematantes.

O caráter predatório desse procedimento manifesta-se em diversos aspectos:

Primeiro, a velocidade extrema do procedimento impede que devedores desavisados ou desassistidos tecnicamente tenham tempo hábil para compreender a gravidade da situação e buscar defesa adequada.

Segundo, a ausência de controle judicial prévio nas fases iniciais permite que credores cometam abusos e irregularidades que só serão identificados quando o devedor buscar assessoria jurídica especializada, muitas vezes tardiamente.

Terceiro, a assimetria informacional entre credor (instituição financeira com departamento jurídico estruturado) e devedor (pessoa física ou pequeno empresário em dificuldades financeiras) cria um desequilíbrio de forças que favorece práticas abusivas.

As setes fases críticas do procedimento expropriatório da lei 9.514/97

O procedimento expropriatório da alienação fiduciária desenvolve-se em cinco fases distintas, cada uma com prazos, exigências e oportunidades de defesa específicas. Compreender essas fases é fundamental para agir estrategicamente.

Fase 1: Inadimplência e cobranças administrativas obrigatórias. Esta é a fase pré-cartorial, que se inicia com o atraso da primeira parcela e deve incluir um período de carência de quinze dias corridos (art. 26, caput, da lei 9.514/97) seguido de cobranças administrativas prévias pelo credor. Embora a lei não estabeleça prazo específico para essas cobranças, os princípios da boa-fé objetiva (art. 422 do CC), da função social do contrato (art. 421 do CC) e as normas do CDC impõem ao credor o dever de realizar tentativas adequadas e documentadas de cobrança amigável antes de iniciar o procedimento expropriatório. A jurisprudência e a doutrina recomendam um período de trinta a sessenta dias de cobranças por múltiplos canais (ligações telefônicas, e-mails, mensagens eletrônicas, correspondências). Esta é a fase mais negligenciada pelos credores e, paradoxalmente, a que oferece os melhores fundamentos para defesa judicial.

Fase 2: Intimação do devedor fiduciante. Após o término do prazo de carência e das cobranças administrativas (quando realizadas), o credor envia o caso ao cartório de registro de imóveis competente, que procede à intimação do devedor para purgar a mora no prazo de quinze dias corridos. A intimação pode ser pessoal (preferencial), eletrônica (se houver cadastro prévio e consentimento do devedor) ou por edital (quando o devedor não for localizado após tentativas reais e documentadas). Esta fase é crítica porque a intimação viciada (prematura, por edital sem tentativas adequadas, com valores incorretos ou sem demonstrativo detalhado) pode fundamentar a anulação de todo o procedimento.

Fase 3: Purgação da mora. O devedor intimado tem quinze dias corridos para pagar integralmente as parcelas vencidas e não pagas, acrescidas dos encargos contratuais (juros, multa, correção monetária) e das despesas comprovadas de cobrança. Se o pagamento for realizado dentro desse prazo, o procedimento expropriatório é extinto e o contrato volta à normalidade. Se o pagamento não for realizado, ocorre automaticamente a consolidação da propriedade em nome do credor. Esta é a última oportunidade extrajudicial de o devedor evitar a perda do imóvel, mas também é o momento em que muitos devedores pagam valores manifestamente incorretos ou abusivos por desconhecimento de seus direitos.

Fase 4: Consolidação da propriedade. Não havendo o pagamento no prazo de purgação da mora, a propriedade do imóvel consolida-se automaticamente em nome do credor. Para imóveis não residenciais (comerciais, industriais, rurais, terrenos), a consolidação é imediata. Para imóveis residenciais (aqueles que servem de moradia ao devedor e sua família), a lei 14.711/23 concedeu um prazo adicional de trinta dias antes da consolidação, visando dar mais tempo ao devedor para buscar soluções. A consolidação é registrada na matrícula do imóvel no cartório de registro de imóveis, transferindo formalmente a propriedade do devedor para o credor.

Fase 5: Leilões extrajudiciais. Após a consolidação, o credor deve promover a venda do imóvel em leilão público extrajudicial. O primeiro leilão deve ser realizado no prazo de até sessenta dias após a consolidação, com lance mínimo correspondente ao valor da dívida atualizada. Se o primeiro leilão não resultar em arrematação, o credor deve promover um segundo leilão no prazo de quinze dias, com lance mínimo correspondente ao valor da avaliação do imóvel. Se o imóvel for arrematado, o valor é utilizado para pagar a dívida e as despesas do procedimento, sendo o eventual saldo remanescente entregue ao devedor. Se o segundo leilão também for frustrado, as consequências podem ser trágicas se nada for feito para resguardar os direitos e patrimônio do fiduciante. O credor e bancos confiscam o imóvel e a dívida persiste.

Fase 6: Da imissão ou reintegração de posse. Após a arrematação do imóvel ou após a frustração do segundo leilão - quando o credor confisca o imóvel o devedor será citado, intimado ou notificado a desocupar voluntariamente o imóvel no prazo de sessenta dias, de acordo com a lei 9.514/97. Se a desocupação voluntária não ocorrer, o credor ou arrematante poderá ajuizar ação judicial de reintegração ou imissão de posse a fim de obter ordem judicial à desocupação forçada do imóvel, com custas processuais e honorários advocatícios a cargo do devedor.

Fase 7: Após a expropriação e desocupação forçada do imóvel, o devedor fiduciante ainda viverá o dilema se receberá ou não o sobejo - que é a diferença restante entre o valor da dívida executada e o da arrematação. E o pior, além de geralmente não receber nada diante da recusa injustificada do banco credor, ainda poderá ficar devendo e ser executado pelo remanescente do saldo devedor.

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Orlando Anzoategui Junior

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