Imunidade do ITBI e a inadmissibilidade de exigências subjetivas
A imunidade de ITBI na integralização de capital é objetiva e incondicionada, e não admite exigências subjetivas como propósito negocial ou demonstração de atividade econômica.
terça-feira, 16 de dezembro de 2025
Atualizado às 13:12
1. Introdução
A imunidade do ITBI incidente sobre a integralização de bens ao capital social constitui mecanismo constitucional de fomento à organização patrimonial, à capitalização das pessoas jurídicas e ao fortalecimento da economia como um todo. Ao retirar do município a competência tributária nesse fato jurídico específico, o constituinte estabeleceu verdadeira política pública de estímulo à empresarialidade, independentemente da forma societária adotada ou do estágio operacional da entidade.
Ainda assim, algumas administrações tributárias municipais têm negado a imunidade com base em critérios subjetivos como a suposta ausência de propósito negocial, a inexistência de atividade comprovada ou até mesmo interpretações finalísticas do que seria a intenção do legislador. Tais exigências, além de não constarem da Constituição, representam inequívoco alargamento indevido do poder de tributar e uma ruptura com a estrutura objetiva que rege o regime das imunidades.
O presente artigo demonstra por fundamentos constitucionais, doutrinários e jurisprudenciais que tais condicionantes subjetivas são jurídica e constitucionalmente inadmissíveis. Demonstra também que a integralização de bens produz efeitos econômicos relevantes desde o momento de sua realização, sendo irrelevante discutir finalidade subjetiva, estratégia patrimonial ou estágio operacional da empresa.
2. A incondicionalidade da imunidade do ITBI no texto constitucional
A CF/88, no art. 156, §2º, inciso I, dispõe:
"Não incide o imposto de transmissão inter vivos sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica para integralização de capital, salvo se a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda, locação ou arrendamento mercantil de bens imóveis."
O dispositivo é direto e autoaplicável. Ao contrário do que sustentam algumas interpretações administrativas, a CF não condiciona a imunidade à existência de atividade operacional, à comprovação de faturamento ou à demonstração de propósito negocial. A única limitação existente é aquela explicitamente prevista: a preponderância das atividades imobiliárias, examinada com base em critérios objetivos e verificáveis, jamais subjetivos.
Atualmente, o STF analisa o Tema 1.348, que discute se a locação posterior do imóvel integralizado interfere ou não na preponderância. A mera existência desse julgamento demonstra que o debate constitucional se concentra apenas no elemento objetivo e mensurável previsto no texto constitucional, e não em avaliações sobre finalidade econômica do contribuinte ou intenção dos sócios. O STF reafirma implicitamente que não cabe ao intérprete criar condicionantes não previstas na Carta Magna.
3. Jurisprudência que confirma a objetividade da imunidade
Os tribunais superiores são categóricos ao reconhecer que a imunidade depende apenas dos critérios constitucionais.
STF - Tema 796:
"É inadmissível criar condicionantes não previstas no texto constitucional, devendo a imunidade ser aplicada conforme a literalidade do art. 156, §2º, I."
STJ - AgInt no REsp 1.908.543/SP:
"A aferição da finalidade da operação não constitui requisito para o reconhecimento da imunidade, que é objetiva e se satisfaz com a integralização."
4. Os vícios recorrentes na negativa administrativa de imunidade
4.1. Violação ao princípio da legalidade tributária
O art. 150, I da CF/88 estabelece que nenhum tributo pode ser exigido sem lei que o institua. Por simetria, nenhuma limitação à imunidade pode surgir sem previsão constitucional expressa. Quando o município cria requisitos como propósito negocial, atividade econômica ou justificativas teleológicas não previstas na Carta, ele amplia a competência tributária ao arrepio da legalidade.
4.2. Violação ao princípio da objetividade tributária
O princípio da objetividade tributária impede que o intérprete utilize critérios subjetivos para a incidência ou não de tributos. A norma tributária opera sobre fatos jurídicos e dados mensuráveis, não sobre estados psicológicos ou avaliações hipotéticas da intenção empresarial. Exigir interpretação subjetiva rompe esse princípio.
4.3. Confusão conceitual entre imunidade e elisão tributária
A doutrina da elisão permite avaliar propósito negocial em operações suspeitas. Nas imunidades constitucionais, não existe fato gerador a ser dissimulado. Misturar regimes jurídicos distintos resulta em erro conceitual.
4.4. Inadequação hermenêutica ao tentar reconstruir a intenção do legislador
Interpretar a imunidade segundo uma suposta "intenção do legislador" abre espaço para subjetivismos que a Constituição não autoriza. A Administração deve aplicar o texto, não reconstruir finalidades políticas não expressas.
5. A integralização como ato econômico de fortalecimento patrimonial
A integralização de um imóvel ao patrimônio de uma pessoa jurídica produz efeitos econômicos relevantes desde o primeiro momento, ainda que a empresa esteja em fase pré operacional ou seja utilizada predominantemente para fins patrimoniais. Um desses efeitos é o fortalecimento do patrimônio líquido empresarial. Ao aumentar o patrimônio líquido, a integralização contribui para maior capacidade de solvência, estabilidade financeira e potencial de expansão da empresa.
Além disso, amplia o acesso ao crédito, pois instituições financeiras se baseiam no patrimônio líquido e nos ativos registrados para concessão de financiamentos. A integralização também melhora a capacidade negocial, dando maior credibilidade perante o mercado e investidores. Outro efeito relevante é a preparação para operações futuras, como reorganizações societárias, aquisição de ativos, abertura de filiais e constituição de garantias reais.
6. Conclusão
A imunidade do ITBI prevista na CF/88 é objetiva, incondicionada e possui limites exclusivamente estabelecidos pelo constituinte. Exigir demonstração de propósito negocial, atividade econômica ou finalidade empresarial representa violação à legalidade, à objetividade tributária e à própria natureza das imunidades como limitações constitucionais ao poder de tributar.
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