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Hospedagem por plataformas digitais: Breve panorama jurisprudencial

Eduardo de Carvalho Becerra e Maria Clara Ustulim de Souza

O uso de plataformas de hospedagem por condôminos gera debate jurídico; STJ e projeto de CC apontam restrições à locação atípica.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Atualizado em 12 de dezembro de 2025 14:30

Nos últimos anos, o avanço das plataformas digitais de hospedagem, como Airbnb, Booking e aplicativos congêneres, trouxe à tona um debate sobre o direito de propriedade: até que ponto o proprietário de um imóvel em condomínio pode explorar economicamente sua unidade sem violar o interesse coletivo dos demais condôminos? Essa complexa questão, que admite análises sob diferentes prismas (econômico, político, jurídico), ganhou contornos um pouco mais definidos com o julgamento do REsp 1.819.075/RS, relator ministro Luis Felipe Salomão, 4ª T., j. 20/4/21, ainda não se encontra pacificada.

O acórdão mencionado do STJ, não julgado pela sistemática dos recursos repetitivos, trouxe o entendimento de que a locação fracionada e reiterada de unidades residenciais por meio de plataformas digitais, caracterizada por alta rotatividade de ocupantes, não se enquadra na figura da locação por temporada, e sim como uma modalidade atípica de hospedagem. Sob essa óptica, revela-se, segundo o julgado, incompatível com a destinação exclusivamente residencial do condomínio e a mera especificação da destinação residencial em convenção condominial seria suficiente para impedir o uso do Airbnb, ressalvada a possibilidade de deliberação em assembleia em sentido contrário para autorizar a hospedagem atípica. 

Em decisões mais recentes, observa-se que o STJ, aparentemente, tem mantido uma compreensão mais restritiva sobre o tema (STJ, AgInt no AREsp 2.676.938/SP, relatora Nancy Andrighi, 3ª T., j. 12/5/25; e STJ, AgInt no AREsp 2.487.300/SP, relator Marco Buzzi, 4ª T., j. 29/4/24), entendendo que há descumprimento da destinação residencial do condomínio em caso de uso da unidade condominial para fins de hospedagem atípica. Embora indicativos da formação de uma jurisprudência sobre o tema, nenhum desses julgados se trata de um precedente vinculante.

Já o TJ/SP não parece ser coeso em suas deliberações, sobressaindo-se duas teses, que defendem a (i) necessidade de normas específicas proibitivas, prévia e claramente expostas, para que se possa impedir o condômino de locar seu imóvel pelas plataformas digitais (TJ/SP, AC 1019801-31.2022.8.26.0577, relator Michel Chakur Farah, 28ª Câm. de Dir. Priv., j. 24/6/24 e TJ/SP, AI 2050742-29.2022.8.26.0000, relatora desembargadora Maria Lúcia Pizzotti, 30ª Câm. de Dir. Priv., j. 25/3/22); e (ii) a vedação implícita, como defendido pelo supramencionado precedente do STJ, bastando a menção genérica de destinação exclusivamente residencial do condomínio (TJ/SP, AI 2235365-29.2025.8.26.0000, relatora desembargadora Celina Dietrich Trigueiros, 27ª Câm. de Dir. Priv., j. 28/10/25). 

Essa variedade de compreensões acerca do tema pela jurisprudência paulista explicita que o regime jurídico atual, apoiado apenas em categorias tradicionais, não oferece instrumentos efetivos para lidar com inovações da contemporaneidade. É nesse ponto que o projeto de reforma do CC assume relevância: em sua redação mais recente, parece positivar os entendimentos do STJ, para que haja a vedação implícita ao uso da hospedagem atípica se não houver previsão expressa da possibilidade de seu uso (PL 4/25, art. 1.336. §1º). Esse entendimento, embora restritivo, seria ainda menos radical que algumas experiências internacionais. Na Espanha, por exemplo, após anos de crescimento não regulado das locações de curtíssimo prazo, diversas cidades adotaram medidas radicais, como a proibição total sobre novos registros. Pode-se citar outros casos, como o de Nova York, onde são proibidos, desde 2023, aluguéis de apartamentos inteiros por menos de 30 dias, a não ser que o proprietário resida no local e esteja presente durante a estadia; e o de Paris, em que existem regulamentações rigorosas, estabelecendo, desde 2021, que apenas a residência principal de um proprietário pode ser alugada como acomodação turística, por até 120 dias por ano.

Independentemente do entendimento que prevalecerá, a previsibilidade e estabilidade são cruciais nas relações condominiais. Entendimentos esparsos que autorizem limitações amplas e implícitas ao uso da propriedade e outros, por outro lado, que exijam a vedação expressa ao uso dessa modalidade de hospedagem, produzem um ambiente de incerteza. De todo modo, à luz do entendimento mais restritivo adotado pelo STJ e do projeto de CC nesse mesmo sentido, recomenda-se cautela a novos interessados em ingressar nesse segmento como proprietários investidores. O mais seguro, no momento, parece ser investir em condomínios que foram criados já com essa finalidade, com uma prévia estruturação que permite a destinação econômica, evitando, assim, potenciais conflitos e perdas financeiras.

Eduardo de Carvalho Becerra

Eduardo de Carvalho Becerra

Mestre em Direito Processual pela USP e advogado em Yarshell Advogados.

Maria Clara Ustulim de Souza

Maria Clara Ustulim de Souza

Estudante da Faculdade de Direito da USP e estagiária em Yarshell Advogados.

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