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Conformação convencional da onerosidade excessiva

Este ensaio tem como objetivo investigar os limites de cláusulas de gestão de risco que busquem restringir ou afastar os efeitos da onerosidade excessiva.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Atualizado às 10:26

Resumo

Este ensaio tem como objetivo investigar os limites legais de cláusulas de gestão de risco que busquem restringir ou afastar os efeitos da onerosidade excessiva, previstos aos arts. 478 a 480 do CC. Assim, para alcançar o objetivo proposto, serão - em um primeiro momento - traçadas considerações acerca dos efeitos da aplicação do instituto da onerosidade excessiva nos contratos de execução continuada ou diferida. Em seguida, se estudará como se operam as cláusulas de gestão de riscos contratuais. Já na terceira parte, serão abordadas as três correntes doutrinárias acerca da possibilidade de conformação convencional da onerosidade excessiva. Na quarta parte, serão apontados os motivos para defesa da "linha intermediária" entre as três correntes doutrinárias estudadas no capítulo anterior. Em conclusão, os conceitos trabalhados serão brevemente revisitados, oferecendo-se, ao final, renovada defesa em favor da "linha intermediária".

Palavras-chave: Contratos. Alocação de riscos. Gestão Positiva. Conformação Convencional. Onerosidade Excessiva. Limites à Autonomia Privada. Ordem Pública.

1. Introdução

De origem milenar e desconhecida, o contrato configura instituto jurídico que, ao criar obrigações entre as partes, confere segurança às relações entre os humanos, permitindo a circulação de riquezas. Ainda que utilizado há milhares de anos por diversas sociedades do mundo e em diferentes modalidades, com o aumento populacional e a Revolução Industrial iniciada no século XXI, aumentou-se a variedade e complexidade das operações contratuais que fazem o mundo "girar".

Assim, nesta complexa sociedade contemporânea, no intuito de garantir o cumprimento das obrigações estipuladas pelas partes, o contrato deverá ser entendido como um "mecanismo de gestão de riscos econômicos que atingem sua execução", haja vista que possui como finalidade "repartir os riscos de determinada atividade econômica entre os contratantes, de modo a fixar as respectivas responsabilidades e, assim, efetivar os interesses das partes in concreto".

É por essa característica fundamental de regulação dos riscos inerentes à atividade negocial que um dos princípios basilares do contrato é o pacta sunt servanda, que determina o respeito às disposições contratadas, sob pena de incidência das penalidades legais previstas em lei e no contrato. Afinal, como se diz, o "contrato faz lei entre as partes".

Por outro lado, as disposições contratuais não são indiferentes às ocorrências do mundo exterior, que podem - por motivos alheios às condutas das partes - impedir ou dificultar o adimplemento de prestações em um contrato de execução continuada ou diferida, frustrando seu adequado cumprimento.

Como exemplos recentes de motivos inimputáveis às partes contratantes que tiveram o condão de afetar o cumprimento de contratos de execução continuada ou diferida, não se pode deixar de mencionar a pandemia causada pela covid-19, a guerra iniciada pela Rússia na Ucrânia e o caos econômico provocado pelo "tarifaço" imposto ao Brasil pelo presidente dos Estados Unidos.  

Todos esses extraordinários eventos possuíram o condão de afetar a alocação de riscos originalmente imaginada pelas partes, causando possível desequilíbrio contratual que, a depender de uma série de fatores, poderão ensejar a aplicação dos instrumentos revisionais ou resolutórios previstos no CC.

2. Algumas notas quanto à revisão e resolução dos contratos

Assim, no evento de ocorrência de situações que conflagrem algum desequilíbrio contratual superveniente, seja por excessiva onerosidade ou desequilíbrio das prestações, as partes poderão requerer a revisão ou resolução contratual, com base nos arts. 317 e 478 a 480 do CC.

Este primeiro artigo, que positiva a teoria da imprevisão, ainda que tenha pretensos efeitos semelhantes aos da onerosidade excessiva (leia-se: a intervenção do Poder Judiciário nos contratos para correção de desequilíbrio contratual), exige (somente) a ocorrência de fato imprevisível nos contratos de execução continuada ou diferida que cause o desequilíbrio das prestações.

Por outro lado, como aponta o art. 478 do CC, que é o foco deste artigo, o contrato também poderá ser resolvido em razão da ocorrência de onerosidade excessiva, assim positivada no aludido artigo: "Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato".

Pelo disposto no enunciado de lei acima, seria possível concluir pela existência de três requisitos para aplicação da teoria da onerosidade excessiva: (i) a existência de contrato de execução continuada ou diferida; (ii) a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra parte e (iii) a ocorrência de evento imprevisível e extraordinário, não imputável a qualquer das partes.

É importante destacar, contudo, que a doutrina majoritária costuma desconsiderar o requisito de comprovação da extrema vantagem para caracterização da onerosidade excessiva, que deve ser entendida mais como um elemento acidental da alteração de circunstâncias (rectius: perda de mutualidade entre as prestações), do que uma verificação de vantagem acerbada à outra parte, conforme se verifica do enunciado 365, da Jornada de Direito Civil.

Assim, concorda-se com a definição do professor Flávio Tartuce no sentido de que a onerosidade excessiva pode ser caracterizada como um "evento extraordinário e imprevisível que dificulte extremamente o adimplemento do contrato, gerando a extinção do negócio de execução diferida ou continuada", definição essa, é válido apontar, que também está suscitável a debate.

Contudo, antes de se avançar, cabe destacar que, segundo a doutrina majoritária, o fato/evento extraordinário e imprevisível não seria aquele apenas que que dilapida a equação econômica do contrato, mas sobretudo aquele que está fora dos riscos normais do contrato, motivo pelo qual deve ser compreendido "não só pelo evento/fato, mas também por seus efeitos" conforme precisa definição do enunciado 175 da IV Jornada de Direito Civil.

Por esse motivo, por exemplo, o STJ já entendeu que a inflação não pode ser considerada uma álea extraordinária no Brasil, um país com conhecido histórico de abalos inflacionários, entendendo (ainda que com menção inadequada à teoria da imprevisão) pela inaplicabilidade dos arts. 478 a 490 do CC:

"Alegada violação dos arts. 478, 479 e 480 do novo Código Civil Não se mostra razoável o entendimento de que a inflação possa ser tomada, no Brasil, como álea extraordinária, de modo a possibilitar algum desequilíbrio na equação econômica do contrato, como há muito afirma a jurisprudência do STJ. 6. Não há como imputar as aludidas perdas a fatores imprevisíveis, já que decorrentes de má previsão das autoras, o que constitui álea ordinária não suportável pela Administração e não autorizadora da Teoria da Imprevisão.

Outro ponto relevante a ser esclarecido é que a ocorrência de eventos imprevisíveis e extraordinários não levará à automática consequência de desequilíbrio econômico e financeiro dos contratos, sendo imprescindível verificar no caso concreto grau de desequilíbrio/agravamento das prestações. Confira-se, nesse sentido, as colocações de Luciano de Souza Godoy:

Será relevante, portanto, voltar-se às características próprias de cada atividade exercida. Mais do que isso, é também crucial que se proceda ao cauteloso exame das cláusulas contratuais a fim de se identificar a atribuição de responsabilidades pactuada pelas partes. (...) A alocação dos riscos das atividades exercidas pelos contratantes tal como pactuada no contrato, e a hipótese de atribuição expressa de responsabilidade por prejuízos de caso fortuito ou de força maior, devem ser analisados. A depender do resultado deste exame, poderão ser afastadas, de plano, potenciais demandas que associem os efeitos da pandemia ou da guerra à impossibilidade de execução do contrato. O mesmo exame casuístico deve ser realizado ao se evocar a teoria da imprevisão e a onerosidade excessiva como fundamento à suspensão, revisão, ou rescisão dos contratos, seja nos contratos entre particulares ou naqueles em que a Administração Pública é parte.

Assim, embora a regra nuclear do sistema seja a liberdade de contratar, fruto da autonomia privada e a manutenção das condições pactuadas, a legislação brasileira, no caso, de evento extraordinário e imprevisível, autoriza a aplicação da teoria de onerosidade excessiva, com base no arts. 478 a 480 do CC para promover a resolução ou revisão contratual, no intuito de restabelecer o equilíbrio entre as partes na relação contratual.

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Felipe Banwell Ayres

VIP Felipe Banwell Ayres

Advogado. Mestrando em Direito Civil Contemporâneo e Prática Jurídica pela PUC-RIO.

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