Por que o STF precisa julgar já a injustiça que pune o aposentado inválido por doença grave
O texto analisa o Tema 1.300 no STF, denunciando desigualdade previdenciária e defendendo a equiparação constitucional da aposentadoria por invalidez.
segunda-feira, 15 de dezembro de 2025
Atualizado às 09:43
O Brasil aguarda, com expectativa crescente, que o STF conclua o julgamento do Tema 1.300, que trata sobre o cálculo do valor da aposentadoria por invalidez. Não se trata de um debate técnico isolado, mas de uma pergunta direta à consciência constitucional do país: é admissível que dois cidadãos igualmente inválidos recebam tratamentos completamente distintos apenas em razão da origem do infortúnio?
Desde a reforma da previdência (EC 103/19), quem perde a capacidade laboral em decorrência de doença grave - alzheimer, câncer, ELA, esclerose múltipla, sequelas permanentes de Covid - recebe apenas 60% da média salarial. Já quem sofre um acidente de trabalho, mesmo que menos grave, tem assegurados 100% dessa média. Criou-se uma assimetria que não encontra respaldo na CF, e o STF, como guardião do sistema, é chamado a restabelecer a coerência e a justiça.
A indignação é generalizada porque o problema toca diretamente o núcleo da dignidade humana. Quem fica inválido não volta ao mercado de trabalho, não reconstrói renda nem retoma autonomia. Sua vida passa a depender integralmente do benefício previdenciário e, justamente nesse momento, é punido pelo modelo instituído pela reforma. Se o próprio ministro Flávio Dino, em plenário, exemplificou a irracionalidade do sistema, é porque o tema ultrapassou o campo jurídico e ingressou no senso comum: não faz sentido proteger mais quem pode voltar a trabalhar e menos quem jamais poderá.
O exemplo hipotético que vem sendo discutido expõe o absurdo: João, com 20 anos de contribuição, e José, recém-contratado como vigilante, são atingidos pelos mesmos disparos durante um assalto. Ambos ficam paraplégicos e jamais voltarão a trabalhar. Mas o Estado trata as lesões de modo desigual: João, cuja incapacidade não decorre de acidente de trabalho, recebe 60%, enquanto José recebe 100%. O agressor produziu a mesma lesão, mas a proteção estatal se divide artificialmente, criando uma desigualdade que não nasce da CF, e sim de um recorte arbitrário da legislação infraconstitucional. É impossível justificar isso à luz da isonomia.
Não bastasse, a lógica previdenciária foi invertida. O benefício temporário (auxílio-doença) paga 91% da média, enquanto o benefício permanente (aposentadoria por incapacidade) paga 60%. A situação menos grave recebe mais proteção do que a mais grave - um contrassenso estrutural em qualquer sistema de seguridade social. O STF tem reiterado, em diversos precedentes, que tratamentos desiguais só se justificam se houver fundamento racional, proporcional e constitucional. Aqui, não há nenhum. As ADIns 2.110 e 2.111, julgadas recentemente, reforçaram que segurados em condições equivalentes devem receber níveis equivalentes de proteção, exatamente o que está em discussão no Tema 1.300.
Cada mês de atraso perpetua injustiças. Pessoas inválidas, doentes e totalmente dependentes do benefício continuam vivendo com menos do que o mínimo necessário. São brasileiros invisíveis que jamais deveriam carregar sozinhos o peso de uma escolha legislativa equivocada. A sociedade espera - e confia - que a mais alta Corte do país reafirme que a Previdência Social existe para proteger quem não pode mais se proteger; que a CF não autoriza excluir, rebaixar ou punir quem adoeceu antes de completar uma carreira contributiva plena.
O Tema 1.300 não é uma disputa contábil. É um debate sobre humanidade, sobre que país queremos ser e como tratamos aqueles que enfrentam o maior grau de vulnerabilidade que um trabalhador pode conhecer: a invalidez definitiva. O STF tem a oportunidade de reconstruir a coerência do sistema e reafirmar seu papel como guardião da dignidade humana. A equiparação entre incapacidade por doença e incapacidade por acidente não é um privilégio; é um imperativo constitucional.
O Brasil aguarda um desfecho justo. Os segurados aguardam uma resposta que lhes devolva dignidade. E a história espera que a Corte reafirme, mais uma vez, que ninguém pode ser punido por adoecer.


