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Quando o risco basta: STJ admite crime ambiental mesmo sem dano

Preservar o devido processo legal, sem esvaziar a efetividade da tutela ambiental, será o ponto de equilíbrio a ser alcançado.

terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Atualizado às 12:50

A recente decisão do STJ (REsp 2.205.709/MG - Tema repetitivo 1.377), com trânsito em julgado em 26/11/25, introduz uma mudança expressiva na responsabilização penal por poluição ambiental no país.

Firmou-se o entendimento de que o crime previsto no art. 54 da lei 9.605/1998 (lei de crimes ambientais) é de natureza formal - ou seja, basta que a conduta seja potencialmente lesiva à saúde humana para que o tipo penal esteja configurado, dispensando a realização de perícia e a prova de dano concreto.

O caso que deu origem ao tema é bastante revelador.

Tratava-se de uma casa de eventos que operava com emissão de ruídos acima dos limites legalmente permitidos, conforme reiteradas reclamações da vizinhança. A atividade, embora de natureza comercial e regularmente instalada, passou a interferir diretamente no cotidiano local: noites interrompidas, desconforto contínuo e a percepção de que o excesso de som representava risco crescente à saúde dos moradores.

Ao examinar a controvérsia, o STJ afirmou que a proteção penal não pode esperar que o dano se materialize para só então intervir. A Corte ressaltou que a finalidade do Direito Penal Ambiental é precisamente impedir que situações de risco evoluam para resultados irreversíveis, especialmente quando se trata de bens jurídicos difusos e intrinsecamente fragilizados, como o meio ambiente e a qualidade de vida.

A decisão não afasta a necessidade de prova: é essencial demonstrar, por qualquer meio de prova idôneo, que a conduta ultrapassou parâmetros técnicos estabelecidos - como, no caso, os níveis de decibéis tolerados pelas normas urbanas. Afasta, sim, a necessidade de realização de perícia, de comprovação da sua efetiva ocorrência.

Contudo, passa a ser irrelevante comprovar que alguém adoeceu ou que houve laudo pericial atestando prejuízo físico.

O risco - quando juridicamente mensurável - torna-se suficiente para a responsabilização criminal. Sob a ótica prática, os impactos são imediatos.

Estabelecimentos que lidam com atividades potencialmente poluentes - casas noturnas, indústrias, grandes empreendimentos e serviços que interferem nas condições ambientais - devem reforçar seus programas de conformidade e monitoramento contínuo. A prevenção, antes tratada como recomendação administrativa, converte-se agora em imperativo penal.

No campo jurídico, porém, surgem desafios. A dispensa da perícia requer do julgador sensibilidade técnica e rigor argumentativo na análise das provas disponíveis, evitando que meras suposições se transformem em acusações criminais.

Preservar o devido processo legal, sem esvaziar a efetividade da tutela ambiental, será o ponto de equilíbrio a ser alcançado.

Ainda assim, a orientação do STJ traduz com fidelidade o mandamento constitucional de defesa do meio ambiente como direito de todos e dever do Estado.

Ao retirar o Direito Penal Ambiental da postura reativa e aproximá-lo da prevenção em sentido pleno, a Corte reafirma que poluir - seja com resíduos tóxicos ou com ruído abusivo - não é apenas incômodo: é conduta que ameaça a vida em sociedade.

A partir desse precedente, o Estado brasileiro envia uma mensagem inequívoca:

Em matéria ambiental, não se punirá mais apenas o dano já feito. Punir-se-á o risco injustificado que o antecede.

Um novo olhar para empresas e cidadãos:

A mensagem institucional transmitida é cristalina: a convivência urbana deve ser equilibrada e sustentável. O Direito deixa claro que incômodos que colocam a saúde humana em risco não são meros incômodos - são fatos juridicamente relevantes e, agora, com repercussão penal imediata.

Negócios que adotarem postura preventiva poderão não só mitigar riscos, como valorizar a conformidade ambiental como diferencial competitivo - o que se revela especialmente relevante em um cenário regulatório cada vez mais exigente.

Orientação jurídica técnica como fator decisivo:

Diante da mudança jurisprudencial, a atuação de profissionais especializados em Direito Administrativo e Ambiental torna-se essencial para:

  • Revisão de licenças, planos acústicos, emissões e padrões de conformidade;
  • Defesa em procedimentos administrativos e ações penais ambientais;
  • Estruturação de programas preventivos e de governança ambiental;
  • Mitigação de riscos legais com impacto econômico e reputacional.

Advocacia ambiental estratégica não é mais acessório: é instrumento de preservação de direitos, continuidade de negócios e segurança jurídica em ambiente regulatório em evolução.

Marcia Heloisa Pereira da Silva Buccolo

VIP Marcia Heloisa Pereira da Silva Buccolo

Advogada no escritório Edgard Leite Advogados Associados. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade de Salamanca, Espanha e em Direito Público pela PUC-SP.

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