Análise prospectiva do PLP 125/22
O PLP 125/22 amplia poderes negociais da RFB (descontos, prazos, prejuízo fiscal) e desloca a transação da PGFN, fragilizando freios, estratégia de litígios e governança fiscal.
quinta-feira, 18 de dezembro de 2025
Atualizado às 11:50
Análise prospectiva do PLP 125/22 e do deslocamento da negociação tributária da PGFN para a RFB
1. Introdução
O artigo trata do PLP 125/22, denominado Código de Defesa do Contribuinte. Como bem se verá, o PLP não se limita a disciplinar procedimentos e a fortalecer deveres de informação, transparência e motivação. Em verdade, introduz mecanismos de conformidade cooperativa e de autorregularização tributária no âmbito da RFB - Receita Federal do Brasil, acompanhados de poderes negociais amplos: descontos significativos, alongamento de prazos e possibilidade de utilização de prejuízos fiscais para amortização de débitos.
O artigo pretende abordar a natureza e a extensão dos amplos poderes negociais conferidos à Secretaria Especial da RFB - Receita Federal do Brasil pelo PLP 125/22. Prerrogativas como a concessão de descontos significativos, o alongamento de prazos de parcelamento e a possibilidade de utilização de prejuízos fiscais para amortização de débitos encontram-se previstos no PLP.
Estes instrumentos negociais, até então, eram considerados típicos da fase de DAU - Dívida Ativa da União, gerida pela PGFN - Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, especialmente após a consolidação do regime de transação tributária pela lei 13.988/20.
2. A estrutura do PLP 125/22: Direitos, conformidade e contumácia
Batizado como o Código de Defesa do Contribuinte, o PLP 125/22 define direitos e deveres do contribuinte; cria a figura do contribuinte bom pagador; tipifica o devedor contumaz, dentre outras matérias.
Contudo, o projeto incorpora dois eixos normativos que extrapolam a simples dimensão defensiva:
1. Programas de conformidade e autorregularização, dentre os quais se destacam o Programa Confia e o Programa Sintonia, voltados, respectivamente, a grandes contribuintes e a contribuintes com capacidade de pagamento momentaneamente reduzida. Tais programas preveem:
- Regularização antecipada de débitos reconhecidos;
- Prazos vultosos de parcelamento;
- Não incidência ou redução significativa de multas e juros;
- Utilização de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL para amortização de saldo devedor.10
2. Tipificação e tratamento do devedor contumaz, com foco em condutas de inadimplência reiterada e injustificada acima de determinado patamar de valor. Ao devedor contumaz são cominadas medidas severas, como impedimento de fruição de benefícios fiscais, restrição de participação em licitações e até cancelamento de CNPJ.11
Assim, o Código deixa de ser apenas um estatuto de proteção para se tornar, também, um instrumento de governança da cobrança tributária: ele desenha incentivos positivos (conformidade cooperativa, autorregularização vantajosa) e negativos (repressão ao contumaz) que reorganizam o percurso dos créditos tributários dentro da Administração Pública. É precisamente nesse redesenho que reside o ponto de ruptura com a arquitetura anterior.
3. Funções típicas de RFB e PGFN: Desenho institucional prévio
Antes da proposta do PLP 125/22, a divisão de funções no âmbito da Administração Tributária Federal dava-se da seguinte forma:
À RFB - Receita Federal do Brasil competia a atividade primária de constituição do crédito tributário. Suas funções típicas incluíam a fiscalização, o lançamento (de ofício ou por declaração), a revisão administrativa e a gestão de programas de parcelamento estritamente vinculados à constituição do crédito.1-2
Em contrapartida, à PGFN - Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, enquanto órgão da Advocacia Pública, competia a fase subsequente, de gestão do contencioso e da dívida: inscrição em Dívida Ativa, cobrança judicial e extrajudicial da DAU, a celebração de transações tributárias (após a lei 13.988/20) e a defesa da União em juízo, incluindo a construção de precedentes perante os tribunais superiores.3
O entendimento era de que a RFB constitui e discute o crédito na fase administrativa, enquanto a PGFN gerencia a cobrança, decidindo se litiga até o fim ou transige, com base em critérios de recuperabilidade e risco jurídico.
Havia um desenho funcional relativamente nítido: a RFB constitui e discute o crédito na fase administrativa; a PGFN, enquanto órgão da advocacia pública, gerencia a cobrança e decide se litiga até o fim ou transige, com base em critérios de recuperabilidade e risco jurídico.13
Essa arquitetura se coaduna com a lógica constitucional da advocacia de Estado, segundo a qual a renúncia parcial de crédito, a modulação de sua exigibilidade e a celebração de acordos com impacto fiscal relevante inserem-se no âmbito próprio da representação judicial e consultiva da Fazenda Pública, tal como delineado na CF/88 e na lei orgânica da AGU.14 Em outros termos: quem lança não deve ser o mesmo que "perdoa" ou remodela, sob pena de enfraquecimento dos freios e contrapesos internos à Administração.
4. O fundamento constitucional da separação funcional
A separação funcional entre os órgãos da Administração Tributária e os órgãos da Advocacia de Estado é necessária para a integridade fiscal. A CF/88 e a lei orgânica da AGU (LC 73/93) delineiam a representação judicial e consultiva da Fazenda Pública como função essencial à Justiça, exercida pela AGU (e, em matéria fiscal, pela PGFN).
Essa arquitetura funcional se coaduna com a lógica de freios e contrapesos internos à Administração. A renúncia parcial de crédito, a modulação de sua exigibilidade e a celebração de acordos com impacto fiscal relevante inserem-se no âmbito próprio da advocacia de Estado.
A razão para essa separação é que quem lança não deve ser o mesmo que "perdoa" ou remodela o crédito tributário. Permitir a concentração de poderes negociais amplos no órgão lançador (RFB) enfraquece os controles internos e a auditoria estratégica do crédito.
5. Negociação tributária como expressão da advocacia pública
Os instrumentos de negociação tributária, como a transação e os acordos de conformidade qualificada, não se limitam a cálculos financeiros. Eles são essencialmente atos de ponderação jurídico-estratégica.
Esses instrumentos, tipicamente exercidos pela PGFN na gestão da dívida ativa, possuem características que os vinculam diretamente à essência da advocacia pública:
- Renúncia parcial: Implicam descontos em multas, juros e encargos.
- Reconfiguração do crédito: Envolvem o alongamento de prazos, substituição de garantias e reestruturação de fluxos de pagamento.
- Avaliação de risco jurídico: Pressupõem a avaliação da probabilidade de êxito em litígios existentes ou potenciais
Trata-se, portanto, de uma decisão que exige não apenas cálculo financeiro, mas ponderação jurídico-estratégica: transigir ou litigar? Em que extensão, com quais critérios, com quais precedentes e qual impacto sistêmico? A doutrina recente sobre transação tributária sublinha justamente essa dimensão estratégica e de política pública da atuação da PGFN na gestão da dívida ativa, vinculando-a à racionalização da cobrança e à eficiência da execução fiscal.15
Por essa razão, a centralização da negociação tributária na PGFN cumpre uma dupla função: (i) assegura que a decisão negocial seja tomada por quem detém a visão global do contencioso e da DAU; e (ii) preserva a unidade entre litígio e transação, evitando que acordos pontuais contradigam a estratégia de precedentes e de coerência jurisprudencial construída ao longo do tempo.16
6. O fator de risco jurídico na negociação e a expertise funcional
Quando o PLP 125/22 confere à RFB o poder de conceder, por exemplo, reduções de até 70% em multas e juros (Programa Sintonia), o projeto permite que a RFB leve a efeito aquilo que se configura como uma transação administrativa pré-inscrição. A concessão de tal benefício, embora motivada pela conformidade, pressupõe, ainda que implicitamente, uma avaliação de que o risco de não recebimento do crédito integral, caso mantido até a fase de execução fiscal (PGFN), é alto.
O problema funcional reside no fato de que essa avaliação de risco de contencioso e de custo-benefício estratégico é inerente à advocacia e à gestão de portfólio de litígios, não à fiscalização e auditoria (funções primárias da RFB). Ao deslocar essa prerrogativa, o PLP 125/22 corre o risco de fazer com que a RFB superestime os benefícios da negociação precoce ou subestime o valor estratégico de manter o litígio em curso, o que compromete a capacidade da PGFN de defender teses robustas em juízo e de construir precedentes favoráveis ao erário.
7. A configuração dos poderes negociais na RFB (PLP 125/22)
O PLP 125/22 institui, no âmbito da RFB, os Confia - Programas de Conformidade Cooperativa Fiscal e de Sintonia - Estímulo à Conformidade Tributária. Esses programas são os veículos através dos quais o projeto confere à RFB os poderes que se assemelham à transação tributária.
7.1. Programas de conformidade e autorregularização (Confia e Sintonia)
A finalidade desses programas é reduzir a litigiosidade e promover a conformidade tributária. Contudo, a materialização dos incentivos implica a concessão de benefícios fiscais implícitos e a reconfiguração de débitos que, na arquitetura anterior, só ocorreriam na fase da dívida ativa.
7.1.1. Programa Confia (Art. 24-26)
O Confia é voltado a grandes contribuintes, com adesão voluntária e foco na transparência e cooperação. O mecanismo central envolve a revelação voluntária de atos ou operações com relevância fiscal antes do início de procedimento fiscal.
O poder de remodelação de débitos no Confia é conferido pelo art. 25. Para débitos reconhecidos, a RFB pode deferir um plano de regularização que constitui confissão irrevogável e irretratável. As condições de quitação são: 30% de entrada e o restante em até 60 prestações mensais e sucessivas. Adicionalmente, não há incidência de multa de mora para a regularização realizada dentro dos prazos.
7.1.2. Programa Sintonia (Art. 32)
O Programa Sintonia abrange contribuintes com bom histórico de pagamento tributário, mas com capacidade de pagamento reduzida momentaneamente. É neste programa que se manifestam os poderes negociais mais significativos, comparáveis à transação da PGFN:
Redução de penalidades: É permitida a redução de até 70% de multas e juros moratórios.
Alongamento de prazos: É concedido prazo de até 120 meses para a quitação dos débitos, exceto contribuições sociais.
7.2. A usurpação financeira: O uso de prejuízo fiscal como renúncia de receita
O elemento que materializa de forma mais evidente a invasão de competência da advocacia de Estado é a autorização para o uso de ativos fiscais no Sintonia.
O art. 32, § 3º, do PLP 125/22 autoriza a utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL para a quitação de até 30% do saldo devedor após a redução das multas e juros.
Prejuízo fiscal (P. Fiscal) e base negativa da CSLL são ativos fiscais que representam potenciais deduções de IRPJ - Imposto de Renda Pessoa Jurídica e CSLL em exercícios futuros, condicionados à existência de lucro tributável. Ao permitir que a RFB aceite esses ativos fiscais, cuja valoração estratégica e recuperabilidade são intrinsecamente complexas e de longo prazo, como "moeda" para amortizar uma dívida presente, o projeto confere à RFB um poder de gestão de portfólio de ativos e passivos fiscais que é tipicamente da PGFN, no contexto da transação da dívida ativa.
Este ato de engenharia financeira resulta em uma renúncia implícita de receita sem o crivo estratégico da PGFN. A RFB passa a ter o poder de decidir a valoração e a conversão desses ativos fiscais de natureza duvidosa/condicional, sobrepondo-se à expertise da advocacia de Estado na gestão da incerteza e do risco de crédito.
7.3. Competência da RFB na gestão do devedor contumaz
O PLP 125/22 avança na repressão ao devedor contumaz, definindo-o por critérios de inadimplência substancial (R$ 15 milhões e mais de 100% do patrimônio conhecido) e reiterada.
O art. 16 estabelece que compete à RFB a inclusão e a retirada do devedor contumaz nos cadastros por ela administrados, bem como no cadastro informativo de créditos não quitados do setor público Federal (Cadin). O devedor contumaz fica sujeito a medidas severas, como o impedimento de fruição de benefícios fiscais e a declaração de inaptidão da inscrição no cadastro de contribuintes.
Embora a PGFN lide com a cobrança judicial do contumaz, a RFB detém o poder de definição administrativa inicial do status. Este poder de caracterização envolve análises complexas sobre a ocorrência de fraude ou má-fé (art. 12, § 5º), que são temas jurídicos sensíveis e cruciais para a defesa da União em juízo. Esta divisão de poder aumenta o risco de desalinhamento institucional, pois a PGFN, na esfera judicial, terá de defender um status e as sanções dele decorrentes, definidos unilateralmente pela RFB na esfera administrativa.
8. Mapeamento da ruptura constitucional e usurpação de atribuições
O rearranjo promovido pelo PLP 125/22 não é uma mera redistribuição de tarefas operacionais, mas uma ruptura de desenho institucional em três planos interligados.
8.1. Concentração funcional e a fragilização dos freios e contrapesos
A ruptura funcional é patente no momento em que a RFB concentra os poderes de lançamento (constituição do crédito) e, simultaneamente, de remodelação e negociação do crédito tributário (concessão de descontos e prazos estendidos). Essa fusão de competências desfaz a separação funcional essencial entre o órgão que audita/lança e o órgão que decide estrategicamente sobre a recuperação ou renúncia parcial do montante exigido.
O princípio de contenção, segundo o qual a renúncia fiscal deve ser auditada por um órgão distinto e dotado de visão estratégica de litígios (a PGFN, como advocacia de Estado), é enfraquecido. O projeto de lei, ao permitir que a RFB opere uma "transação administrativa pré-inscrição," fragiliza os freios e contrapesos internos que garantem a integridade e a coerência da política fiscal.
8.2. Usurpação da prerrogativa de gestão estratégica da dívida (abocanhamento)
A essência da atribuição da PGFN, após a lei 13.988/20, reside na gestão estratégica da dívida ativa. O PLP 125/22 ataca essa prerrogativa fundamental ao replicar, no âmbito da RFB, instrumentos negociais que historicamente caracterizam a atuação da PGFN.
Ocorre um deslocamento do centro de gravidade da negociação tributária. O locus privilegiado da solução consensual é transferido da PGFN (fase de DAU) para a RFB (fase de constituição e ajuste administrativo do crédito). A Receita passa, assim, a ditar a política de renúncia/composição na fase pré-judicial e pré-inscrição, esvaziando o papel estratégico da PGFN na gestão do passivo tributário da União.
8.3. Risco de fragmentação da política de litígios e coerência jurisprudencial
A criação de um polo robusto de negociação na RFB, desvinculado de mecanismos claros de subordinação ou coordenação com a PGFN, gera um risco institucional significativo: a fragmentação da política de litígios e transações.
Se a RFB transige ou autorregulariza um tema controverso via Sintonia ou Confia, as condições de acordo (e os descontos concedidos) podem ser interpretadas como uma desconfiança da própria União na tese jurídica que a PGFN está defendendo em juízo. Na esfera judicial, o contribuinte litigante poderá usar a existência do acordo administrativo como prova de que a União não possui convicção plena na tese, enfraquecendo a estratégia de precedentes e de coerência jurisprudencial que é dever da advocacia de Estado.
9. O deslocamento do "centro de gravidade" para a RFB
O PLP 125/22 rompe esse desenho ao replicar, no âmbito da RFB, instrumentos negociais que historicamente caracterizam a atuação da PGFN. Programas como o Sintonia e o Confia oferecem:
- Descontos expressivos em multas e juros;
- Prazos de pagamento que podem alcançar dez anos;
- Faculdade de utilização de prejuízos fiscais e base negativa de CSLL para abatimento do saldo remanescente.17
Na prática, a Receita passa a poder constituir e, simultaneamente, remodelar o crédito tributário, operando aquilo que se pode descrever como uma transação administrativa pré-inscrição. O contribuinte com capacidade de pagamento - ainda que momentaneamente afetada - não precisa mais esperar a inscrição em dívida ativa para negociar condições favoráveis de regularização; ele o faz diretamente com o órgão que o fiscaliza e autua.
O resultado é um deslocamento do centro de gravidade da negociação tributária: o locus privilegiado da conformidade negociada deixa de ser a PGFN, na fase de DAU, e se transfere para a RFB, na fase de constituição e ajuste administrativo do crédito. A PGFN passa a atuar, majoritariamente, sobre os créditos que não se enquadraram ou não aderiram a tais programas.
10. Ruptura de desenho, governança e necessidade de salvaguardas
Do exposto, resulta que o PLP 125/22 promove uma ruptura de desenho em três planos interligados:
1. Funcional - Ao concentrar na RFB poderes de concessão, remodelação e negociação do crédito tributário, que se aproximam da essência da advocacia pública, o projeto desfaz a separação entre órgão de lançamento e órgão de cobrança/negociação, fragilizando os freios e contrapesos internos.21
2. Econômico-fiscal - Ao deslocar para a fase anterior à inscrição em dívida ativa a solução dos créditos de melhor perfil, o sistema relega à PGFN um estoque de créditos estruturalmente difícil, com impacto em índices de recuperação, custos de cobrança e na base de honorários destinados à carreira.
3. Institucional - Ao criar um polo robusto de negociação na RFB, sem mecanismos claros de subordinação ou coordenação com a PGFN, corre-se o risco de fragmentar a política de litígios e transações, permitindo que acordos celebrados na esfera administrativa desautorizem, na prática, teses defendidas em juízo pelo órgão de representação judicial da União.22
11. Conclusão
O PLP 125/22, sob a aparência de um Código de Defesa do Contribuinte, opera uma transformação profunda na governança da relação tributária federal. Ao empoderar a Receita Federal com instrumentos de autorregularização e negociação comparáveis aos da transação tributária na dívida ativa, o projeto não apenas estimula a conformidade e combate o devedor contumaz: ele redesenha o percurso dos créditos tributários, deslocando o eixo da solução consensual para um momento anterior à inscrição e, por consequência, reconfigurando o papel da PGFN na cobrança e na advocacia de Estado.
A análise prospectiva desenvolvida neste artigo evidencia que esse deslocamento produz efeitos relevantes sobre a composição da dívida ativa. O que está em jogo é a preservação de uma arquitetura institucional que assegure: (i) a separação entre lançar e negociar; (ii) a unidade de estratégia entre litígio e transação; e (iii) a transparência e a isonomia na concessão de benefícios fiscais implícitos nos programas de regularização.23
As novas atribuições conferidas à Secretaria Especial da RFB - Receita Federal do Brasil no âmbito dos Programas Confia e Sintonia, notadamente os poderes de conceder reduções expressivas (até 70% de multas e juros) e de autorizar a utilização de prejuízo fiscal e base negativa da CSLL para amortização do crédito, extrapolam o desenho constitucional vigente. Tais faculdades constituem atos de renúncia parcial e remodelação de crédito tributário que, por sua natureza estratégico-jurídica, inserem-se na essência da advocacia de Estado, conforme a lógica de freios e contrapesos.
O projeto abocanha atribuições que são próprias da PGFN - Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, desfazendo a separação funcional essencial entre o órgão lançador e o órgão gestor da dívida e da política de litígios. Esta concentração de poder produz uma ruptura funcional e institucional.
Em síntese, não se nega que a criação de mecanismos de conformidade cooperativa na RFB possa contribuir para a redução de litigiosidade e para o incremento da arrecadação. O que se afirma é que tais mecanismos não podem esvaziar a centralidade da advocacia pública no desenho e na execução das políticas de renúncia e de composição tributária.
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1 BRASIL. Projeto de Lei Complementar nº 125, de 2022. Institui o Código de Defesa do Contribuinte. Brasília, DF: Congresso Nacional, 2022. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/154737. Acesso em: 16 dez. 2025.
2 BRASIL. Lei nº 13.327, de 29 de julho de 2016. Altera a remuneração de servidores públicos; dispõe sobre honorários advocatícios de sucumbência das causas em que forem parte a União, suas autarquias e fundações; e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 1º ago. 2016. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13327.htm. Acesso em: 16 dez. 2025.
3 TAVARES, Luís Romeu Araújo. A transação tributária e a racionalização da cobrança fiscal: o novo protagonismo da Advocacia Pública na gestão da dívida ativa. Fórum Administrativo - FA, Belo Horizonte, ano 25, n. 296, p. 51-70, out. 2025.
4 CÂMARA DOS DEPUTADOS. PLP 125/2022 - Ficha de tramitação. Brasília, DF, 2025. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2559194. Acesso em: 16 dez. 2025.
5 BRASIL. Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020. Dispõe sobre a transação nas hipóteses que especifica; e altera as Leis nº 13.464, de 10 de julho de 2017, e 10.522, de 19 de julho de 2002. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 15 abr. 2020. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13988.htm. Acesso em: 16 dez. 2025.
6 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Câmara aprova regras mais rígidas para devedor contumaz. Brasília, DF, 10 dez. 2025. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/1231481-camara-aprova-regras-mais-rigidas-para-devedor-contumaz/. Acesso em: 16 dez. 2025.
7 BRASIL. Lei nº 13.327, de 29 de julho de 2016, op. cit.
8 BRASIL. ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO. Parecer PRC-JM-02/2023. Brasília, DF, 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AGU/Pareceres/2023-2026/PRC-JM-02-2023.htm. Acesso em: 16 dez. 2025.
9 BRASIL. Projeto de Lei Complementar nº 125, de 2022, op. cit.
10 FECOMERCIOSP. FecomercioSP propõe critérios mais equilibrados para definir o devedor contumaz e sugere a criação do Codecon Nacional. São Paulo, 2025. Disponível em: https://fecomercio.com.br/noticia/fecomerciosp-propoe-criterios-mais-equilibrados-para-definir-o-devedor-contumaz-e-sugere-a-criacao-do-codecon-nacional. Acesso em: 16 dez. 2025.
11 MARTINELLI ADVOCACIA. Câmara aprova PL do devedor contumaz em votação final; texto segue para sanção. Curitiba, 10 dez. 2025. Disponível em: https://www.martinelli.adv.br/camara-aprova-pl-do-devedor-contumaz-em-votacao-final-texto-segue-para-sancao/. Acesso em: 16 dez. 2025.
12 BRASIL. PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL. Propor transação individual na dívida ativa da União. Brasília, DF, 2019. Disponível em: https://www.gov.br/pgfn/pt-br/servicos/orientacoes-contribuintes/acordo-de-transacao/transacao-individual. Acesso em: 16 dez. 2025.
13 SOUZA, Priscila Maria Fernandes Campos de. Transação tributária: definição, regulamentação e principais desafios. Revista da PGFN, Brasília, ano XI, n. 1, p. 111-136, 2021.
14 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988; BRASIL. Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993. Institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 11 fev. 1993. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 16 dez. 2025.
15 MENEZES, Daniel Telles de. Possibilidades jurídicas para uma transação tributária mais ousada. Revista da PGFN, Brasília, ano XI, n. 1, p. 79-110, 2021; TAVARES, Luís Romeu Araújo, op. cit.
16 FRANÇA, I. C. T. Transação tributária e negócio jurídico processual na cobrança da dívida ativa: eficiência e consensualidade no processo de execução fiscal. Lumen et Virtus, São José dos Pinhais, v. XVI, n. LIV, p. 1-18, 2025.
17 BRASIL. RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Lei nº 13.988/2020 - Transação de contencioso de pequeno valor. Brasília, DF, 25 set. 2020. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/orientacao-tributaria/pagamentos-e-parcelamentos/parcelamentos-especiais/lei-no-13-988-2020-transacao-de-contencioso-de-pequeno-valor. Acesso em: 16 dez. 2025.
18 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Câmara aprova regras mais rígidas para devedor contumaz, op. cit.
19 BRASIL. Lei nº 13.327, de 29 de julho de 2016, op. cit.
20 TAVARES, Luís Romeu Araújo, op. cit.
21 BRASIL. ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO. Parecer PRC-JM-02/2023, op. cit.
22 SOUZA, Priscila Maria Fernandes Campos de, op. cit.; FRANÇA, I. C. T., op. cit.
23 BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios (Código Tributário Nacional). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 27 out. 1966.
1 Art. 142 do CTN: estabelece que compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, descrevendo o procedimento de verificação do fato gerador, cálculo do tributo e identificação do sujeito passivo.
2Lei nº 11.457/2007 (Lei da Super-Receita)-art. 2º: atribui à Secretaria da Receita Federal do Brasil planejar, executar, acompanhar e avaliar as atividades de tributação, fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento dos tributos federais e contribuições sociais, inclusive constituir o crédito mediante lançamento e decidir processos administrativo-fiscais.
3 Lei Complementar nº 73/1993, art. 12, I e III:


