Expor crianças online: A condenação de influenciadora e os deveres do ECA no digital
Condenação de influenciadora por expor filha ilustra a urgência de aplicar o ECA ao mundo digital, responsabilizando pais, plataformas e Estado por violações à dignidade e intimidade de menores.
quinta-feira, 18 de dezembro de 2025
Atualizado às 11:53
Introdução
Recentemente, a TJ/SP condenou uma influenciadora digital por expor sua filha bebê em vídeo postado nas redes sociais, entendimento de que a conduta violou a intimidade, dignidade e o direito à proteção integral previstos no ECA. Mesmo diante de alegações pessoais ou conflitos familiares, a divulgação de imagens e situações de vulnerabilidade não pode se tornar palco público: a lei exige sigilo e proteção especial. Esse caso ressalta uma importante demanda contemporânea: a necessidade de aplicar os princípios do ECA - originalmente formulado para o ambiente físico - também ao universo digital, reconhecendo que crianças e adolescentes transitam, aprendem e se relacionam online.
Diante disso, torna-se imperativo refletir sobre os deveres atribuídos não apenas aos responsáveis e à família, mas também às plataformas, escolas e ao Estado, para prevenir e coibir violações de direitos fundamentais em ambiente digital. Este artigo analisa a condenação, sua relevância jurídica e os reflexos práticos do ECA para proteção de menores na internet.
2. O caso: exposição indevida de criança nas redes sociais
Em novembro de 2025, o TJ/SP condenou uma influenciadora por publicar nas redes sociais vídeo em que a filha, ainda bebê, aparecia tomando banho com o pai, com o intuito de acusá-lo de abuso. A divulgação buscava mobilizar seguidores para expressarem opinião pública, com intuito de mídia social. A corte entendeu que, mesmo admitindo-se a suspeita de abuso, a conduta extrapola os limites legais de tutela da intimidade e dignidade da criança, violando o dever de proteção especial imposto pelo ECA - mesmo com motivações declaradas de denúncia.
A pena foi fixada em nove meses e 22 dias de reclusão em regime aberto, substituída por prestação de serviços à comunidade, o que evidencia a gravidade atribuída ao ato e o reconhecimento da vulnerabilidade da criança, independentemente de seu consentimento ou idade.
Esse precedente recente expõe duas lições centrais: (i) a internet não é espaço livre de responsabilidade; (ii) os direitos da criança e do adolescente permanecem invioláveis no ambiente digital, exigindo proteção plena.
3. O ECA e a proteção da criança/adolescente no ambiente digital
O ECA (lei 8.069/1990), em seu art. 4°, consagra o princípio da proteção integral, estabelecendo corresponsabilidade de família, sociedade e Estado na garantia dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes - inclusive dignidade, honra, intimidade e imagem. A norma não foi concebida com a internet em mente, mas seus princípios têm aplicação direta ao contexto digital.
Com a crescente digitalização da vida social, personalidades, influenciadores, usuários comuns e plataformas passaram a circular conteúdos que envolvem menores. A conduta de expor crianças a situações constrangedoras, vexatórias ou de risco é tão lesiva quanto a violência física ou moral tradicional. A decisão do TJ/SP demonstra que o ordenamento jurídico trata esse tipo de ato com a mesma gravidade: a divulgação indevida de imagens e fatos íntimos constitui ofensa aos direitos da personalidade e sujeita o autor à sanção penal e civil.
Assim, mesmo sem uma norma específica para cada modalidade de exposição digital, o ECA continua vigente e aplicável - e os tribunais têm interpretado sua lógica protetiva como apta a alcançar infrações cometidas no ciberespaço.
4. Responsabilidades dos agentes envolvidos
4.1. Família / Responsáveis
Dever de cuidado especial: orientar o uso da internet, proteger dados e imagem das crianças, evitar exposição de menor sem necessidade.
- Prioridade absoluta da proteção: em situações de suspeita de abuso ou conflito, o meio adequado é acionar autoridades competentes, não recorrer à exposição pública como forma de acusação - preservando sigilo, dignidade e o direito de defesa.
4.2. Plataformas digitais e provedores
Embora o ECA não preveja diretamente deveres para provedores, o contexto exige que redes sociais e plataformas adotem políticas de moderação eficazes, removam conteúdos nocivos envolvendo menores, permitam denúncia e cooperação com as autoridades competentes - sob pena de responsabilidade civil por omissão.
4.3. Estado, Poder Judiciário e Ministério Público
- O Judiciário exerce papel essencial na concretização do princípio da proteção integral, interpretando o ECA de forma expansiva e adaptada aos desafios digitais.
- O Ministério Público deve atuar na defesa dos direitos infantojuvenis, inclusive em casos de exposição indevida ou negligência digital, promovendo tutela coletiva quando necessário.
- Órgãos estatais devem incentivar políticas públicas de educação digital e de proteção da infância no ambiente online.
5. Impactos práticos e advertências para famílias e profissionais do direito
O precedente reforça que:
- Expor crianças nas redes sem cuidado e sem contexto apropriado pode configurar crime - mesmo com suposta intenção de denúncia.
- A responsabilidade não se limita à pessoa que publica, mas atinge todos os envolvidos na produção e divulgação: influenciadores, responsáveis legais, plataformas.
- O tratamento jurídico acompanha a lógica de proteção contínua: o ambiente digital não é exceção à tutela dos direitos infantojuvenis.
Para advogados, gestores de conteúdo digital e famílias, a lição é clara: a internet exige sensibilidade jurídica e ética, sob pena de responsabilização penal e civil.
6. Conclusão
A condenação da influenciadora por expor sua filha nas redes sociais não é apenas um caso isolado - é um marco jurisprudencial que reafirma a vigência do ECA no ciberespaço e a necessidade de adaptação da proteção infantojuvenil aos novos meios de convivência. A dignidade, intimidade e o direito à imagem das crianças são invioláveis, seja em ambiente físico ou digital.
Cabe à sociedade, às famílias, às plataformas e ao Estado assegurar que o alcance das redes sociais não se transforme em ambiente de violação de direitos, mas em espaço de convívio responsável e seguro para as novas gerações.
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Referências
BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Tribunal de Justiça de São Paulo - Comunicação Social. Justiça condena influenciadora por exposição indevida de filha em rede social. 30 nov. 2025. Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Noticias/Noticia?codigoNoticia=112940&utm_source=chatgpt.com
"Influencer publica vídeo íntimo da filha para incriminar pai." Reportagem. 30 nov. 2025. Disponível em: https://atarde.com.br/brasil/influencer-publica-video-intimo-da-filha-para-incriminar-pai-1370587?utm_source=chatgpt.com
https://www.metropoles.com/sao-paulo/condena-influenciadora-exposicao-filha?utm_source=chatgpt.com


