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Novas regras para crimes sexuais no Brasil - Lei 15.280/25

Análise crítica da lei 15.280/25, que endurece crimes sexuais, amplia proteção aos vulneráveis e desafia garantias penais.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Atualizado às 09:26

A violência sexual cometida contra vulneráveis representa, historicamente, um dos maiores desafios do Estado brasileiro no tocante à proteção integral de crianças, adolescentes e pessoas com deficiência. Trata-se de um fenômeno que atravessa décadas, resistindo a mudanças sociais, políticas criminais e reformas legislativas. Nesse cenário, torna-se indispensável refletir criticamente sobre a recente aprovação da lei 15.280/25, que altera de modo profundo a legislação penal, processual e protetiva, modificando penas, mecanismos de investigação e procedimentos de execução penal. Assim, a presente dissertação examina as bases anteriores, a nova legislação, quem são os sujeitos ativo e passivo, os principais avanços, possíveis riscos e desafios estruturais, culminando com uma conclusão fundamentada. É um tema de elevada complexidade jurídica e social, pois envolve segurança pública, defesa das garantias individuais, preservação de direitos fundamentais e, sobretudo, a proteção da dignidade humana.

Para compreender a magnitude da mudança normativa, é fundamental observar inicialmente qual era a legislação anterior. O CP, desde 2009, já previa o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A), punindo quem tivesse conjunção carnal ou praticasse ato libidinoso com menor de 14 anos, independentemente de consentimento, experiência sexual ou aparência física. A pena previa reclusão de 8 a 15 anos, podendo chegar a 20 se houvesse lesão corporal grave e a 30 em caso de morte. Ademais, pessoas com enfermidade ou deficiência mental que não tivessem discernimento, ou não pudessem oferecer resistência, também eram protegidas, seguindo a lógica de presunção absoluta da vulnerabilidade. A legislação classificava tais crimes como hediondos, vedando anistia, graça, indulto e tornando obrigatório regime inicial fechado. Complementarmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente tratava de medidas de proteção, responsabilização e prevenção, formando a base do sistema anterior.

Entretanto, a sociedade já percebia lacunas importantes. A reincidência em determinados crimes sexuais era elevada, o que exigia maior controle e instrumentos mais eficientes de investigação. Além disso, o avanço tecnológico ampliou o alcance do abuso sexual, principalmente na internet, tornando urgente repensar mecanismos de responsabilização digital. Havia também problemas práticos na execução penal, incluindo progressões beneficiadas mesmo em casos extremamente graves. Tais aspectos criaram pressão social e política que, finalmente, impulsionaram a aprovação da nova lei.

É nesse contexto que surge a lei 15.280/25, fruto do PL 2.810/25. A nova legislação nasce com o propósito declarado de tornar o combate a crimes sexuais mais rígido, eficiente e adaptado aos novos desafios contemporâneos. Não se trata apenas de aumentar penas, mas de criar um sistema articulado entre investigação, punição e prevenção, fortalecendo a rede de proteção aos vulneráveis.

Principais mudanças introduzidas pela lei 15.280/25

Entre as principais mudanças, destacam-se:

Aumento de penas em crimes sexuais contra vulneráveis

  • Estupro de vulnerável: Reclusão de 10 a 18 anos (antes 8-15).
  • Estupro com lesão corporal grave: Pena de 12 a 24 anos (antes 10-20).
  • Estupro com morte: Pena de 20 a 40 anos (antes 12-30).
  • Corrupção de menores: Pena elevada para reclusão de 6 a 14 anos (antes 1 a 4 anos).
  • Ter relações sexuais na presença de menor de 14 anos: Pena de 5 a 12 anos (antes 2 a 5).
  • Exploração sexual de vulnerável (submeter menor à exploração sexual): Pena de 7 a 16 anos (antes 4-10 anos).
  • Oferecer, transmitir ou vender cenas de estupro: Reclusão de 4 a 10 anos (antes 1-5).

Esse endurecimento punitivo reflete uma visão de maior rigor estatal. Há quem defenda que penas elevadas fortalecem o caráter intimidatório do Direito Penal; outros, mais prudentes, argumentam que a pena, por si, não reduz criminalidade, dependendo de uma política criminal coerente. De todo modo, o legislador optou por intensificar o grau de reprovação jurídica, buscando sinalizar que crimes sexuais contra vulneráveis serão tratados com máxima severidade.

Medidas investigativas e de controle

Além do aumento de penas, a lei também trouxe alterações importantes em matéria de investigação, execução penal e controle de condenados por crimes sexuais:

Coleta obrigatória de DNA de investigados e condenados, com inserção no Banco Nacional de Perfis Genéticos. Esse mecanismo, inspirado em modelos estrangeiros, fortalece a capacidade investigativa, inclusive permitindo solucionar crimes antigos e identificar padrões de reincidência, bem como cruzar dados de diferentes investigações.

Uso compulsório de tornozeleira eletrônica para condenados que tiverem saídas temporárias ou progressões de regime. A medida busca conter o risco de reiteração criminosa durante o cumprimento da pena, permitindo monitoramento em tempo real dos deslocamentos do condenado.

Exame criminológico obrigatório para progressão de regime e concessão de benefícios. Somente será autorizado avanço no regime prisional se o laudo indicar inexistência de risco de reincidência em crime da mesma natureza, condicionando de forma objetiva a obtenção de benefícios.

Criminalização autônoma do descumprimento de medidas protetivas, com pena de 2 a 5 anos de reclusão e multa. O objetivo é reforçar a eficácia de ordens judiciais que visam proteger vítimas em situação de vulnerabilidade, evitando que essas ordens sejam vistas como meras recomendações.

Impedimento para o agressor trabalhar em locais com circulação de crianças e adolescentes, como escolas, creches, clubes esportivos, igrejas, projetos sociais, transporte escolar e ambientes correlatos. Essa medida tem forte caráter preventivo, embora demande fiscalização rígida por parte dos órgãos competentes.

Outro elemento inovador consiste na determinação de extração de DNA tanto do investigado quanto do condenado por crimes sexuais, com posterior inserção do material no Banco Nacional de Perfis Genéticos. Essa medida fortalece a investigação policial e contribui para a elucidação de crimes antigos, funcionando como importante mecanismo de prevenção de reincidência. De igual modo, a lei estabelece a obrigatoriedade de uso de tornozeleira eletrônica quando o condenado usufruir benefícios que impliquem saída do estabelecimento prisional, de forma a permitir monitoramento contínuo e mais efetivo.

Não obstante, a nova norma cria condicionamento objetivo: o condenado apenas poderá obter progressão de regime ou autorização de saída quando exame criminológico indicar que não há indícios de que voltará a cometer crime da mesma natureza. Além disso, destaca-se a criminalização autônoma do descumprimento de medida protetiva, com pena de 2 a 5 anos e multa, reforçando a proteção jurídica às vítimas. O juiz também poderá determinar que o acusado seja impedido de trabalhar ou atuar em escolas, igrejas, projetos sociais ou qualquer espaço que envolva contato com crianças, prevenindo riscos futuros.

Responsabilidade digital das plataformas

Outro eixo central da nova lei consiste em impor às chamadas big techs e às plataformas digitais obrigações mais claras no combate à exploração sexual no ambiente virtual. A legislação prevê que provedores de conteúdo digital, plataformas de tecnologia e redes sociais:

  • Devem remover conteúdos com indícios de abuso sexual, exploração sexual, sequestro ou aliciamento de vulneráveis;
  • Devem comunicar imediatamente as autoridades competentes sobre tais conteúdos, ainda que não haja ordem judicial prévia;
  • Devem colaborar com a investigação, fornecendo dados técnicos e registros que auxiliem na identificação de autores e partícipes.

Essa inovação reconhece que o ambiente digital se tornou um dos principais focos de práticas abusivas, em especial contra crianças e adolescentes. O legislador, pela primeira vez, responsabiliza diretamente os provedores pela manutenção de ecossistemas mais seguros. É uma mudança de paradigma, aproximando o Brasil de normativas estrangeiras mais modernas, nas quais o combate à exploração sexual infantil passa necessariamente pelo controle e retirada célere de conteúdos ilícitos.

A nova lei, portanto, adapta-se ao contexto digital e busca impedir que a internet continue servindo de ambiente privilegiado para crimes de exploração. Ao exigir que as plataformas atuem de forma proativa, cria-se uma rede de cooperação entre Estado, empresas de tecnologia e sociedade civil, ainda que essa cooperação exija critérios claros para evitar excessos e censuras indevidas.

Ampliação da rede de proteção e atenção às vítimas

Quanto aos instrumentos de proteção social, a legislação promove um avanço na perspectiva de atendimento às vítimas. A atuação estatal deixa de se limitar à punição e passa a abranger:

  • Atendimento psicológico especializado às vítimas, com equipes multidisciplinares;
  • Acolhimento emergencial e assistencial, incluindo estrutura de saúde e assistência social;
  • Orientação jurídica, social e de direitos, de modo a empoderar a vítima e sua família;
  • Suporte aos familiares e cuidadores, especialmente em casos de pessoas com deficiência, reconhecendo que a família também é impactada pelo trauma;
  • Programas preventivos de educação sexual responsável, campanhas educativas e ações integradas entre escolas, conselhos tutelares, Ministério Público, Judiciário e sociedade civil organizada.

A lei reconhece que o trauma sexual ultrapassa as fronteiras do processo criminal, atingindo dimensões emocionais, psicológicas e sociais profundas. Ao ampliar a política assistencial, nota-se um esforço de humanização do atendimento, que não se limita à identificação do autor e à condenação, mas também à reconstrução da dignidade, autoestima e projeto de vida da vítima.

Sujeitos ativo e passivo do crime

No que se refere ao sujeito ativo, permanece a premissa: qualquer pessoa física pode ser autora do delito - homens, mulheres, cuidadores, desconhecidos, parentes, professores, líderes religiosos, profissionais liberais ou mesmo adolescentes, a depender da hipótese e da legislação aplicável. O sujeito ativo não é definido pela sua posição social ou função, mas pelo abuso de poder, oportunidade ou força, em contexto que viola a dignidade sexual de vulneráveis.

Já o sujeito passivo merece atenção especial. O conceito de vulnerabilidade, antes ligado essencialmente a menores de 14 anos e pessoas com deficiência mental, foi ampliado para incluir incapacidade de consentimento, limitações cognitivas e situações de manipulação emocional. Trata-se de visão mais moderna, que reconhece vulnerabilidades além da idade biológica, abrangendo pessoas com deficiência intelectual, transtornos mentais, dependência física ou emocional e outras situações em que, ainda que maiores de 18 anos, a capacidade de autodeterminação está comprometida.

Ademais, a legislação reforça o atendimento psicológico e social às vítimas e seus familiares, ampliando a rede protetiva para pessoas com deficiência, cuidadores e demais envolvidos. A vítima deixa de ser vista como mero objeto de prova e passa a ocupar posição central na política pública, com reconhecimento de sua condição de sujeito de direitos.

Avanços, benefícios e virtudes da nova lei

Nesse contexto, identificam-se alguns pontos positivos relevantes. Primeiramente, o aumento das penas tende a elevar a percepção de risco pelo agressor, reforçando a função preventiva do Direito Penal, sobretudo quando associado a maior efetividade na investigação e execução da pena. Em segundo lugar, a nova legislação fortalece instrumentos de investigação, como o banco de perfis genéticos, capazes de auxiliar na elucidação de crimes de difícil prova, especialmente em situações de violência sexual ocorrida em locais ermos ou sem testemunhas.

Em terceiro lugar, ao estender políticas de atendimento psicológico, campanhas educativas, articulação estatal e proibição de atividades em ambientes com vulneráveis, a lei amplia a proteção integral e concretiza um atendimento humanizado, reconhecendo os danos sociais do abuso sexual. O Estado deixa de atuar apenas na lógica da punição e passa a combinar repressão com prevenção, educação e suporte psicossocial.

Também é digna de nota a responsabilização das plataformas digitais e big techs, que passam a ser parte ativa no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes. Ao estabelecer deveres de retirada de conteúdo e comunicação às autoridades, a legislação contribui para esvaziar o ambiente virtual de conteúdos ilícitos, ainda que a eficácia dessa medida dependa de cooperação técnica e internacional.

Riscos, desafios e críticas necessárias

Todavia, torna-se indispensável reconhecer riscos e desafios que acompanham a nova legislação. O primeiro deles é o perigo de banalização do princípio da proporcionalidade penal, já que elevação generalizada de penas pode desconsiderar diferenças concretas entre condutas diversas. Isso pode comprometer a individualização da pena e desrespeitar princípios clássicos do Direito Penal, como o da intervenção mínima e o da necessidade.

Em segundo lugar, a coleta de DNA, embora positiva para investigação, pode suscitar preocupações quanto à privacidade, tratamento de dados genéticos, ética e potenciais abusos estatais. A existência de um vasto banco de dados de perfis genéticos exige transparência, fiscalização e regras rigorosas de uso, sob pena de se transformar em instrumento de controle excessivo e discriminação.

Em terceiro lugar, ao impor novas atribuições, o sistema judiciário, a polícia e os órgãos psicossociais podem sofrer sobrecarga, com dificuldades de implementação, falta de estrutura e de equipes especializadas, resultando em legislação eficaz apenas no papel. Sem investimento concreto em perícia, psicologia, assistência social, capacitação de servidores e modernização institucional, a lei corre o risco de ser uma promessa distante da realidade.

Como todo penalista tradicional sabe, o Direito Penal deve permanecer como última ratio - a resposta extrema do Estado, acionada apenas quando outros mecanismos de controle social e políticas públicas falharam. A prudência exige vigilância constante para que o entusiasmo punitivista não se traduza em violações de garantias fundamentais, prisões desnecessárias ou condenações injustas.

Conclusão

Em síntese, a lei 15.280/25 representa avanço significativo no combate aos crimes sexuais contra vulneráveis, fortalecendo mecanismos repressivos, investigativos e preventivos. Ela demonstra que o Estado reconhece a gravidade desses delitos e busca proteger de modo mais amplo os direitos fundamentais, especialmente daqueles que mais carecem de tutela penal. No entanto, o sucesso dessa legislação dependerá não apenas de seu texto, mas de sua aplicação concreta, da competência dos operadores do Direito, da estrutura institucional e do equilíbrio necessário para preservar as garantias individuais, evitando excessos ou violações processuais.

Diante de tudo isso, conclui-se que a referida lei, embora possua inegáveis méritos, exigirá vigilância permanente, análise crítica e atuação responsável de todos os atores jurídicos envolvidos. Somente assim será capaz de cumprir sua finalidade primordial: assegurar que vulneráveis, sobretudo crianças, adolescentes e pessoas com deficiência, vivam sob a proteção do Estado e longe das graves violações que o crime sexual impõe.

Sergio Couto Junior

VIP Sergio Couto Junior

Ex Investigador de Polícia Civil do Estado de São Paulo. Advogado Especialista Direito Publico. Atuante no Direito Criminal. Atua única e exclusivamente defendendo Acusados De Crimes Sexuais.

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