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BPC/LOAS e crianças com TEA: Perícia e realidade social

O texto analisa o LOAS para crianças com TEA e defende interpretação constitucional que una perícia médica e avaliação social, superando critério rígido de renda para garantir dignidade.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Atualizado às 13:36

1. Introdução

O BPC - Benefício de Prestação Continuada, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal e regulamentado pela lei 8.742/1993 (LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social), constitui relevante instrumento de proteção social às pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade. No contexto das crianças com TEA - Transtorno do Espectro Autista, a concessão do benefício demanda uma análise que ultrapassa o aspecto meramente médico, incorporando critérios sociais e constitucionais capazes de assegurar a efetividade dos direitos fundamentais.

2. Objetivo

O presente artigo tem por objetivo analisar os critérios jurídicos e sociais utilizados pela Administração Pública e pelo Poder Judiciário na concessão do BPC/LOAS às crianças com Transtorno do Espectro Autista, com enfoque na atuação da perícia médica e da avaliação social, bem como na interpretação jurisprudencial dos requisitos legais.

3. Desenvolvimento

A Constituição Federal assegura o BPC à pessoa com deficiência que comprove não possuir meios de prover a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família. A lei 12.764/12 reconhece a pessoa com TEA como pessoa com deficiência para todos os efeitos legais, sobretudo quando presentes impedimentos de longo prazo que dificultem sua participação plena e efetiva na sociedade.

No âmbito administrativo e judicial, o reconhecimento do direito ao BPC/LOAS exige a comprovação de dois requisitos essenciais: a deficiência e a situação de vulnerabilidade socioeconômica. No caso das crianças com TEA, a deficiência é aferida por meio de perícia médica, que deve considerar não apenas o diagnóstico, mas o grau de comprometimento funcional, a necessidade de terapias contínuas, o acompanhamento multidisciplinar e os impactos do transtorno no desenvolvimento infantil.

A avaliação social, por sua vez, desempenha papel central na aferição da vulnerabilidade do núcleo familiar. O estudo social possibilita a identificação de despesas permanentes com tratamentos, medicamentos e transporte para terapias, além da frequente necessidade de dedicação integral de um dos genitores aos cuidados da criança, circunstância que, muitas vezes, compromete significativamente a renda familiar.

A jurisprudência do STJ e da Turma Nacional de Uniformização consolidou o entendimento de que o critério objetivo da renda per capita familiar inferior a 1/4 do salário-mínimo não deve ser aplicado de forma absoluta. O Tema 185 da TNU reconhece que a condição de miserabilidade pode ser demonstrada por outros elementos do conjunto probatório, em observância aos princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção integral da criança e da inclusão social da pessoa com deficiência.

Dessa forma, a análise judicial do BPC/LOAS destinado às crianças com TEA deve adotar interpretação sistemática, constitucional e humanizada da legislação assistencial, considerando a realidade concreta vivenciada pela família e os custos adicionais decorrentes do transtorno.

Sob o ponto de vista prático, a atuação do advogado e dos operadores do Direito mostra-se fundamental na adequada instrução dos pedidos de BPC/LOAS destinados às crianças com TEA, especialmente na produção de prova social qualificada e na impugnação de laudos periciais excessivamente restritivos. A demonstração das despesas específicas decorrentes do transtorno, bem como da limitação da capacidade laboral dos genitores, contribui para uma análise mais justa e compatível com os princípios constitucionais que regem a assistência social.

4. Conclusão

A concessão do BPC/LOAS às crianças com Transtorno do Espectro Autista exige uma abordagem jurídica e social integrada, que valorize tanto a perícia médica quanto a avaliação social. A interpretação ampliada dos requisitos legais, conforme orientação jurisprudencial consolidada, revela-se essencial para garantir a efetividade dos direitos fundamentais, promover a dignidade da pessoa humana e assegurar a proteção integral da criança com deficiência.

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Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS).

BRASIL. Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012 (Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista).

BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO. Tema 185.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Jurisprudência consolidada sobre a flexibilização do critério econômico do BPC.

André Vinícius Rodrigues Gomes Bispo

VIP André Vinícius Rodrigues Gomes Bispo

Sou advogado previdenciarista, com atuação nas esferas administrativa e judicial. Sócio do escritório Bispo e Bispo Advocacia.

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