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O PL das stablecoins e a correção de rota no processo legislativo

Substitutivo ao PL das stablecoins corrige vícios, limita a lei à emissão, preserva a competência do BCB e se harmoniza com a lei 14.478/22, criando base jurídica viável e previsível.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Atualizado às 09:29

Há meses posicionei-me no sentido de que o PL 4.308/24, "das stablecoins", apresentado pelo deputado Federal Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), apesar de representar um avanço relevante e necessário na construção de um marco regulatório para essa modalidade de ativo virtual, demandava aprimoramentos técnicos, especialmente no que diz respeito à precisão conceitual, à preservação da competência regulatória do Banco Central do Brasil, conferida pelo decreto 11.563/23, e à necessidade de promover alterações na lei 14.478/22, em vez de criar uma legislação autônoma.

Recentemente, foi apresentado e, posteriormente, aprovado, substitutivo pelo deputado Federal Lucas Ramos (PSB/PE), relator do PL perante a Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação da Câmara dos Deputados, propondo um novo marco legal para os "ativos virtuais referenciados em moeda fiduciária", consolidando a nomenclatura trazida pelas resoluções 519, 520 e 521 do Banco Central para se referir às stablecoins.

Enquanto o texto original do PL 4.308/24 buscava disciplinar esse tipo de ativo virtual de forma ampla, o substitutivo aprovado na CCTI promove uma mudança estrutural de abordagem. Abandona-se, assim, a tentativa de formular regras operacionais, prudenciais e tecnológicas em nível legal e passa-se a disciplinar exclusivamente as operações de emissão de ativos virtuais referenciados em moeda fiduciária por entidades localizadas no país, sendo competência do BCB  as condições de exercício dessa atividade.

Essa escolha não é meramente de técnica legislativa, mas condição de viabilidade jurídica (e lógica) do texto. Ao limitar a lei à definição do perímetro legal da emissão e remeter ao Banco Central do Brasil a disciplina operacional, prudencial e tecnológica, o substitutivo corrige o vício estrutural do projeto original e se harmoniza com a lei 14.478/22 e com a competência regulatória do BCB.

A opção legislativa é clara e tecnicamente acertada. O substitutivo abandona a pretensão de regular todo o ecossistema das stablecoins e concentra-se na emissão desse tipo de ativo, isto é, no momento em que uma entidade sediada no Brasil assume, perante o mercado, a responsabilidade pela criação de um ativo virtual com promessa de paridade em relação a uma moeda fiduciária.

Em que pese o fato de que, atualmente, a esmagadora maioria das operações realizadas no Brasil envolva stablecoins pareadas ao dólar norte-americano, isso não afasta a necessidade de se estabelecer um marco jurídico claro para a emissão doméstica desse tipo de ativo virtual.

Embora existam iniciativas nacionais de emissão de stablecoins com paridade com o real, ainda de aplicação limitada e uso restrito, é inegável que a construção de um ambiente regulatório minimamente previsível é condição necessária para que projetos mais robustos e funcionalmente relevantes possam, no futuro, surgir e se consolidar. A ausência de um diploma legal que delimite, com precisão, o regime jurídico da emissão tende a desestimular iniciativas sérias, perpetuando a dependência estrutural de ativos emitidos no exterior.

Além disso, ao ancorar expressamente a regulamentação infralegal no Banco Central do Brasil, o substitutivo reforça um modelo regulatório baseado na fixação de balizas legais gerais, sendo o detalhamento técnico realizado por autoridade especializada, permitindo, dessa forma, que a disciplina acompanhe o dinamismo da evolução dos modelos de negócios inerentes ao mercado sem que haja a necessidade de constante intervenção legislativa.

Nesse contexto, o substitutivo deve ser compreendido também como um produto do próprio processo legislativo em curso. Ao deslocar o debate para um texto mais institucionalmente viável, em bases compatíveis com o arranjo regulatório brasileiro, o Congresso preserva o tema na agenda regulatória e cria espaço para amadurecimento técnico ao longo da tramitação, inclusive no plenário e no Senado.

Pedro J. T. C. Torres

VIP Pedro J. T. C. Torres

Mestre em Blockchain e Ativos Virtuais. Sócio do Sydow e Torres Advogados Associados.

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