Sessões virtuais: Um alerta
As sessões virtuais vem se tornando regra nos Tribunais e nas Cortes Superiores. Porém, a utilização desmedida desta forma de julgamento vem se afastando da colegialidade.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2025
Atualizado às 12:05
Vivemos um momento em que tudo se virtualizou. A proximidade também é ausência. As sessões de julgamento se tornaram virtuais em números impressionantes, com pautas de julgamento que ultrapassam a razoabilidade em quantidade. Convivemos com fantasmas de nós mesmos acompanhando julgamentos colegiados através de um painel na tela de computador em que atualizamos para ver um placar, sem interação (ao menos, para os que estão do outro lado do espelho). De vez em quando enviamos um vídeo ou uma questão de fato. É como lançar um dado no abismo. Não escutamos quase nunca o eco. A busca da celeridade cobrou um preço. E ele é alto.
Primeiro, as sessões virtuais surgiram com procedimentos advindos das resoluções de cada tribunal (algumas ainda em aplicação); depois vieram as reformas em regimentos internos e por fim (até agora), uma regulamentação via CNJ que, assumiu para si a função de disciplinar atos processuais respaldado (na visão de alguns) pelo próprio CPC. O fato é que as sessões virtuais vão permanecer e até funcionam para dar vazão a uma inquestionável avalanche de recursos e ações originárias nos tribunais.
Porém, mesmo após a regulamentação do CNJ, com o nobre propósito uniformizador, ainda se colhem exemplos de tribunais que abusam nas suas regulamentações (e espécies congêneres) para realizarem sessões virtuais totalmente secretas. Alguns, como o TJ/SP, quando provocado chega a afirmar que as sessões virtuais são permanentes, contínuas e que a sua realização não depende sequer de prévia publicação de pauta de julgamento com a menção da data de seu início ou fim. Em outros casos, não se disponibiliza ao início da sessão virtual o voto do relator e nem a posição dos demais em tempo real. Por evidente, esse tipo de "sessão" não pode ser considerado absolutamente como ato processual. Não é público, não é transparente e não obedece a legislação processual civil. É nulo.
Com a regulamentação publicada pelo CNJ, além de padronizar a forma de julgamento virtual (que, na minha visão, deveria advir exclusivamente da lei processual federal), sana um erro de nulidade absoluta cometida até então por quase a totalidade dos tribunais (e, há pouco tempo, até mesmo pelo STJ), pelo fato de simplesmente a "sessão" inexistir à vista da parte. Simplesmente se designava um conjunto de dias uteis em que se dizia iniciar um julgamento colegiado, porém sem qualquer possibilidade de participação das partes, ainda que fosse para ter acesso ao direcionamento e aos votos proferidos pelos julgadores. Não se dava publicidade nem ao voto do relator e nem dos demais julgadores. Ao término da semana de julgamento era publicado já o acórdão e a certidão de julgamento. Apenas isso. Ou seja, consubstanciava-se em um ato totalmente secreto e, por óbvio, inconstitucional, que passa ao largo do que se entende por julgamento colegiado (a forma existe, porém sua existência é uma fantasia)
Com o acerto, nesta parte, pela regulamentação do CNJ (esperando que todos os tribunais adotem), a preocupação ganha outros contornos e precisamos refletir urgentemente. A colegialidade está ameaçada pelas sessões virtuais que limitam sustentações orais por vídeo e que almejam julgar um número expresso de demandas por vez. Explico. É comum vermos pautas de sessões virtuais com muitos processos pautados (parte da função da sessão virtual é atender a uma celeridade. Mas devemos impor limites) No STJ, por exemplo, uma rápida pesquisa nas sessões virtuais realizadas revelam pautas para cada turma julgadora que, não raramente, possuem entre 1.500 a 2.000 processos para serem julgados em uma só sessão virtual semanal. Nos últimos dias, a 3ª e 4ª turma, por exemplo, lançaram mais de 1.500 processos em uma única sessão virtual.
Na última semana de sessão de julgamento do ano de 2025, a 2ª turma do STJ, por exemplo tem, numa única pauta de julgamento virtual semanal, a quantidade de 2.783 processos. O desenho dessa sessão pode ser assim esboçado por média: considerando que a turma é composta de 5 julgadores, em média, cada julgador figura como relator de 556 processos. Cada um, portanto, tem que proferir voto, durante uma semana de julgamento virtual em outros 2.227 processos. Para atingir essa finalidade, considerando os cinco dias úteis de uma semana de julgamento, é necessário que cada um analise e profira voto em 445 processos por dia útil trabalhado. Considerando que esse julgador trabalhe uma média de 8 horas de trabalho por dia de forma ininterrupta - apenas analisando e lançando votos no sistema - em uma hora tem que ter analisado e proferido voto em 55 casos. Ou seja, para exaurir a pauta, deve analisar e proferir voto em pouco mais de 1 minuto para cada caso. Sem contar ainda o tempo despendido para a atenção das sustentações orais que se impõem - de forma equivocada - sejam feitas por vídeo ou áudio. É bom então que a sustentação seja feita no máximo em 15 segundos, pois o tempo, como visto é escasso em pautas quilométricas.
O fato de hoje, a recomendação do CNJ impor que, mesmo diante de um pedido de sustentação oral, o feito não seja pautado para uma sessão presencial ou telepresencial, e que dependa de acatamento do julgador é mais uma redução do conceito de julgamentos colegiados.
É bom lembrar que o julgamento colegiado assim é, não apenas em virtude da deliberação tomada pelos julgadores constantes em uma certidão pela somatória de votos. É colegiado, pois tomado em ambiente que permite a coparticipação de todos os sujeitos do processo. Não apenas julgadores. É um processo decisório que representa, na prática a realização de um estado democrático de direito. A decisão colegiada é coparticipativa não apenas porque resultado de decisão formal de julgadores, mas porque é feita levando em consideração a atividade desempenhada, naquela sessão de julgamento, de todos que colaboram para que então surja um acórdão sobre o caso. É a decisão mais coparticipativa na relação processual, como forma de prestigiar e aperfeiçoar a atividade jurisdicional.
Evidentemente que é de conhecimento notório o volume assustador de processos. Porém, a realidade brasileira, com todas as suas mazelas, não permite enxergar, em um cenário próximo uma mudança significativa. É inútil, a meu ver, comparações com países europeus ou sistema norte americano. Mazelas sociais, econômicas e políticas muito explicam a proeminência da atividade judicial no Brasil (e isso não significa se conformar). Porém, esse volume imenso de processos não confere ao Judiciário a utilização de barreiras para reduzir a participação de todos os sujeitos em sessão de julgamento como tem se visto. A sessão virtual com esse volume de julgamentos em uma única sessão e com a imposição de que, naqueles casos em que caiba sustentação oral, seja ela enviada em vídeo, de modo a ser "anexada" juntamente com outros dois mil casos para julgamento em uma semana, conforme esboçado acima, alija parte dos sujeitos do processo. Estamos nos afastando do sistema que foi criado para julgamento em tribunais e abertamente insistindo em permanecermos como "ilhas". O advogado atrás de uma tela, atualizando a página para verificar se há voto novo ou gravando um vídeo na esperança de ter tempo para ser assistido; o julgador com tempo máximo de pouco mais de um minuto para julgar os casos; o jurisdicionado sem nada entender a não ser concluir pelo distanciamento da justiça. A proximidade está se confundindo com distanciamento.
É importante, por fim, dizer que não se condena o uso das sessões virtuais. Elas podem e devem acontecer como forma de dar celeridade a um volume tão grande de casos, desde que, claro, observada a devida publicidade que a resolução do CNJ conferiu (ainda que, repito, considerar mais adequado que a regulamentação advenha de uma lei processual). Porém, é necessário permitir que, quando a parte queira realizar uma sustentação oral (naqueles casos em que a lei assim faculta), se retome a prática de pauta presencial ou telepresencial. Da mesma forma, é necessário um cuidado maior na quantidade de feitos que são lançados em sessão virtual. É necessário "fazer conta" para que não nos vejamos uma situação que esbarre na descrença.
A descaracterização do regime de julgamento dos tribunais já dava sinais. Primeiro, o abuso do uso das decisões monocráticas de mérito (o que dizer da atecnia de poder proferir decisões monocráticas nos casos de "jurisprudência dominantes"?!). Agora, em um passo ainda mais audacioso, as sessões virtuais se transformaram em um mundo de faz de conta, máquinas que produzem acórdão sem colegialidade. Não é mentira, mas também não é factível. A forma vem, ou seja, temos um acórdão ao final! Mas não temos colegialidade. Não temos acórdão coparticipativo. Não há tempo para termos. Um importante sujeito processual (aquele que a Constituição afirma ser indispensável à justiça) fica apenas olhando aquele abismo. Não adianta gritar pois nem o eco responde. O que teria atrás do espelho?
Nunca foi tão urgente refletirmos sobre celeridade e duração razoável do processo.


