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Contornos e impactos do novo regime de tributação mínima para altas rendas - inclusive sobre lucros e dividendos

A lei 15.270/25 reconfigura o imposto de renda da pessoa física no Brasil, com alívio tributário para rendas baixas e médias, e cria um regime de tributação mínima para altas rendas, incluindo lucros e dividendos.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Atualizado às 15:48

A lei 15.270/25 promove uma profunda reconfiguração do imposto sobre a renda da pessoa física no Brasil, ao combinar alívio tributário para rendas baixas e médias com a instituição de um regime de tributação mínima para altas rendas, inclusive sobre lucros e dividendos, e ao alterar a disciplina das distribuições internas e internacionais de resultados societários.

Introdução e contexto normativo

A lei 15.270, de 26/11/25, altera substancialmente as leis 9.250/1995 e 9.249/1995, com dupla finalidade: (i) reduzir o imposto sobre a renda devido nas bases de cálculo mensal e anual do IRPF; e (ii) instituir um mecanismo de tributação mínima para pessoas físicas que auferem altas rendas. A norma insere dispositivos estruturantes na legislação ordinária do imposto, como os novos arts. 3º-A, 6º-A, 11-A, 16-A e 16-B da lei 9.250/1995, e redesenha o art. 10 da lei 9.249/1995 quanto à tributação de lucros e dividendos, inclusive remetidos ao exterior.

Do ponto de vista temporal, a lei entra em vigor na data de sua publicação, mas produz efeitos a partir de 1/1/26, com o novo regime de tributação mínima aplicável a partir do exercício de 2027 (ano-calendário de 2026), o que confere prazo de adaptação aos contribuintes e ao próprio Fisco.

Redução do imposto mensal (art. 3º-A)

A primeira inovação central é a criação de uma tabela de redução do imposto mensal para rendimentos tributáveis sujeitos ao ajuste, aplicável a partir de janeiro de 2026. O art. 3º-A da lei 9.250/1995 estabelece um redutor do IRPF devido na apuração mensal, de forma a zerar o imposto para rendimentos até R$ 5.000,00, com redução decrescente e linear para rendimentos entre R$ 5.000,01 e R$ 7.350,00, deixando sem benefício aqueles com rendimentos mensais superiores a R$ 7.350,00.

O valor da redução é limitado ao próprio imposto apurado com base na tabela progressiva mensal e no art. 4º da lei 9.250/1995, evitando que o redutor gere crédito ou restituição em si. A mesma lógica de redução aplica-se ao imposto incidente de forma exclusiva na fonte sobre o décimo terceiro salário, de modo a alinhar o tratamento desse rendimento anualizado à política de alívio tributário para as faixas inferiores.

Tributação mensal de altas rendas em lucros e dividendos (art. 6º-A)

A lei inaugura um capítulo específico sobre "Tributação Mensal de Altas Rendas" e introduz o art. 6º-A na lei 9.250/1995, tratando da incidência de IRPF na fonte sobre lucros e dividendos pagos por pessoas jurídicas a pessoas físicas residentes. A partir de janeiro de 2026, o pagamento, creditamento, emprego ou entrega de lucros e dividendos por uma mesma pessoa jurídica a uma mesma pessoa física, em montante superior a R$ 50.000,00 no mês, sujeita-se à retenção de IRPF à alíquota de 10% sobre o total pago naquele mês, vedadas quaisquer deduções da base de cálculo.

O dispositivo determina que, havendo mais de um pagamento no mês por uma mesma pessoa jurídica à mesma pessoa física, o imposto deve ser recalculado de forma a considerar o somatório dos valores, o que impede a fragmentação artificial de pagamentos para escapar do limite mensal. Ficam excluídos dessa tributação os lucros e dividendos relativos a resultados apurados até o ano-calendário de 2025, cuja distribuição tenha sido aprovada até 31/12/25 e que sejam exigíveis nos termos da legislação civil ou empresarial, desde que pagos segundo os termos originais do ato de aprovação, estabelecendo um regime de transição para lucros "antigos".

Redução do imposto anual (art. 11-A) e ajuste de limites

No plano anual, a lei 15.270/25 cria o art. 11-A na lei 9.250/1995, prevendo redução do imposto apurado no ajuste anual, a partir do exercício de 2027, sobre os rendimentos tributáveis sujeitos a esse ajuste. A nova tabela de redução anual zera o imposto devido para rendimentos tributáveis até R$ 60.000,00 anuais e concede redução decrescente e linear entre R$ 60.000,01 e R$ 88.200,00, sem benefício para rendimentos acima desse teto.

Tal como na sistemática mensal, o valor da redução anual fica limitado ao imposto calculado pela tabela progressiva anual vigente, evitando que a redução gere saldo credor. Além disso, o art. 10 da lei 9.250/1995 tem seu inciso X atualizado para fixar em R$ 17.640,00 o limite de dedução, a partir do ano-calendário de 2026, em substituição ao limite anterior de R$ 16.754,34 aplicável até 2025, o que revela uma atualização pontual de valores correlatos na legislação.

Tributação mínima anual de altas rendas (art. 16-A)

O núcleo mais inovador da lei está no novo Capítulo III-A da lei 9.250/1995, que institui a "Tributação Anual de Altas Rendas" por meio do art. 16-A. A partir do exercício de 2027, fica sujeita à tributação mínima do IRPF a pessoa física cuja soma de todos os rendimentos recebidos no ano-calendário seja superior a R$ 600.000,00, independentemente de sua natureza, ressalvadas as exclusões expressamente previstas.

A base de cálculo da tributação mínima é extremamente ampla: considera o resultado da atividade rural e todos os rendimentos recebidos no ano, inclusive os tributados exclusivamente na fonte e os isentos ou sujeitos à alíquota zero ou reduzida, deduzindo-se, porém, alguns itens taxativamente enumerados, como: (i) determinados ganhos de capital; (ii) rendimentos recebidos acumuladamente já tributados exclusivamente na fonte, quando não optado o ajuste; (iii) doações em adiantamento de legítima ou herança; (iv) rendimentos de poupança; (v) remunerações de uma série de títulos e valores mobiliários com regime incentivado (LCI, LIG, CRI, LCD, debêntures de infraestrutura e fundos correlatos); (vi) remuneração de títulos do agronegócio (CDA, WA, CDCA, LCA, CRA e CPR financeira); (vii) parcela isenta da atividade rural; (viii) indenizações por acidente de trabalho e danos materiais ou morais; (ix) rendimentos isentos dos incisos XIV e XXI do art. 6º da lei 7.713/1988; (x) rendimentos de títulos isentos ou com alíquota zero, exceto ações e participações societárias; e (xi) lucros e dividendos relativos a resultados de até 2025, aprovados até 31/12/25 e pagos entre 2026 e 2028 conforme o ato de aprovação.

A alíquota da tributação mínima é definida em função do montante desses rendimentos: para valores superiores a R$ 600.000,00 e inferiores a R$ 1.200.000,00, a alíquota cresce linearmente de 0% a 10% segundo a fórmula "Alíquota % = (REND / 60.000) - 10", atingindo 10% para rendimentos iguais ou superiores a R$ 1.200.000,00. O imposto devido a título de tributação mínima é obtido pela multiplicação da alíquota pela base de cálculo, com dedução do IRPF devido na declaração de ajuste anual, do IRRF exclusivo sobre rendimentos incluídos na base, do imposto apurado nos termos da lei 14.754/23 (tributação de aplicações no exterior), do IRPF pago definitivamente sobre tais rendimentos e do redutor previsto no art. 16-B. Caso o resultado seja negativo, o valor da tributação mínima é fixado em zero, e do montante positivo obtido ainda se deduz o IR na fonte antecipado nos termos do art. 6º-A, integrando-se o saldo ao imposto a pagar ou restituir da declaração anual.

Redutor para evitar sobretributação econômica (art. 16-B)

Para evitar que a combinação da tributação na pessoa jurídica e da tributação mínima na pessoa física produza carga superior à soma das alíquotas nominais de IRPJ e CSLL, a lei cria o art. 16-B. O dispositivo prevê a concessão de um redutor da tributação mínima do IRPF calculado sobre lucros e dividendos pagos a pessoas físicas sujeitas à tributação mínima, sempre que a soma da alíquota efetiva de tributação dos lucros da pessoa jurídica com a alíquota efetiva da tributação mínima aplicável à pessoa física superar determinados limites.

Esses limites são fixados em 34% para a maioria das pessoas jurídicas, 40% para seguradoras, empresas de capitalização e instituições financeiras elencadas na LC 105/01, e 45% para outras instituições financeiras específicas, reproduzindo a ideia de uma carga combinada "teto" sobre lucros. O redutor corresponde ao produto entre o montante dos lucros e dividendos pagos e a diferença entre a soma das alíquotas efetivas (PJ + PF) e o percentual de referência aplicável (34%, 40% ou 45%). A concessão depende da apresentação de demonstrações financeiras elaboradas de acordo com a legislação societária e normas contábeis, podendo o cálculo ser feito com base em demonstrações consolidadas, e há, para empresas fora do lucro real, a possibilidade de cálculo simplificado do lucro contábil, com dedução de um rol limitado de despesas operacionais.

Tributação de lucros e dividendos no exterior e coordenação com a lei 9.249/1995

No campo da tributação internacional, a lei 15.270/25 altera o art. 10 da lei 9.249/1995, mantendo a regra geral de isenção de IR na fonte e na pessoa do beneficiário residente no País para lucros e dividendos calculados com base em resultados apurados desde janeiro de 1996, pagos por pessoas jurídicas sob lucro real, presumido ou arbitrado, mas "observado o disposto nos arts. 6º-A e 16-A" da lei 9.250/1995. Isso significa que, embora persista a não inclusão desses valores na base de IRPJ/IRPF em sentido tradicional, tais lucros e dividendos passam a poder sofrer: (i) retenção na fonte de 10% quando distribuídos a pessoas físicas acima de R$ 50.000,00 mensais; e (ii) incidência pela via da tributação mínima anual de altas rendas.

Em relação aos lucros remetidos ao exterior, a nova redação do § 4º do art. 10 da lei 9.249/1995 estabelece IR na fonte de 10% sobre lucros ou dividendos pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a beneficiários não residentes, com exclusão de lucros "antigos" (resultados até 2025 aprovados até 31/12/25 e pagos nos termos aprovados) e de remessas a governos estrangeiros com reciprocidade, fundos soberanos e entidades de previdência no exterior. Para evitar sobretributação econômica no cenário internacional, o art. 10-A da lei 9.249/1995 cria um crédito em favor do beneficiário no exterior, quando a soma da alíquota efetiva de tributação dos lucros na pessoa jurídica brasileira e da alíquota de 10% na fonte superar a soma das alíquotas nominais de IRPJ e CSLL, com cálculo baseado na diferença entre essas cargas, em lógica análoga à do redutor do art. 16-B.

Compensação federativa e conexão com a CBS

A lei prevê mecanismos explícitos de compensação federativa, reconhecendo que a redução do imposto devido pelas pessoas físicas acarretará impacto sobre os Fundos de Participação dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. O art. 4º determina que esses entes serão compensados pelo aumento de receitas dos Fundos de Participação decorrente tanto da nova tributação na fonte sobre lucros e dividendos remetidos ao exterior quanto da tributação mínima de altas rendas, prevendo compensação suplementar trimestral pela União caso o aumento das receitas não seja suficiente para neutralizar a perda estimada.

O art. 5º, por sua vez, atrela o excedente de arrecadação da União (após compensar a redução do imposto devido e os entes subnacionais) à função de fonte de compensação para o cálculo da alíquota de referência da CBS - Contribuição Social sobre Bens e Serviços, conforme os arts. 352 a 359 da LC 214/25 e o art. 18, parágrafo único, da EC 132/23. Com isso, a lei 15.270/25 é inserida explicitamente na lógica da reforma tributária do consumo, utilizando a arrecadação adicional do imposto de renda como instrumento para redução e calibragem das alíquotas da CBS.

Considerações finais

Do ponto de vista sistemático, a lei  15.270/25 rompe com a histórica isenção plena de lucros e dividendos na pessoa física ao introduzir tanto uma tributação na fonte em patamar moderado (10% acima de R$ 50.000,00/mês por pessoa jurídica) quanto uma tributação mínima global que alcança rendas de diversas naturezas quando superado o patamar anual de R$ 600.000,00. Simultaneamente, promove um alívio significativo nas faixas de renda baixa e média, por meio de redutores mensais e anuais que, na prática, expandem a faixa de isenção e suavizam a progressividade inicial do IRPF, além de articular a nova arrecadação com a reforma da tributação indireta via CBS.

Em termos de dogmática tributária, a tributação mínima de altas rendas representa uma aproximação a modelos internacionais de "global minimum tax" na esfera da pessoa física, com base de cálculo ampliada, inclusão de rendas isentas e coordenadas de forma complexa com a tributação societária, por meio de redutores que visam limitar a carga total sobre lucros corporativos distribuídos. 

Essa arquitetura normativa abre amplo espaço para debates acadêmicos sobre capacidade contributiva, neutralidade entre formas de investimento, interação entre IR da pessoa física e da pessoa jurídica e efeitos distributivos da reforma, reestruturação societária, criação de holding em qualquer de suas formas, servidores públicos que possuem quotas de capital em sociedades empresárias ou ações,  bem como para contenciosos que testarão, no plano jurisprudencial, a compatibilidade do novo regime com princípios constitucionais e com a técnica de tributação da renda adotada pelo ordenamento brasileiro.

A crescente difusão, nas redes sociais, de teses tributárias destituídas de fundamento técnico - muitas vezes apresentadas como soluções "inovadoras" para elisão fiscal - expõe o contribuinte a riscos severos de autuação e responsabilização pessoal. Essas construções frágeis, por ignorarem a coerência normativa e jurisprudencial do sistema tributário, podem ensejar não apenas a desconsideração de planejamentos societários, mas também a imputação de conduta dolosa ou simulada. 

Soma-se a isso o equívoco de confiar exclusivamente nas manifestações parciais da Receita Federal do Brasil, como aquelas constantes do "Perguntas e Respostas" sobre a tributação de altas rendas, que, embora revelem a interpretação administrativa da autarquia, não possuem força normativa nem equivalem à segurança jurídica de um parecer vinculante. Assim, a adoção irrefletida dessas teses ou dessas orientações parciais ameaça a integridade patrimonial e a credibilidade fiscal do contribuinte, podendo converter um suposto ganho tributário em prejuízo irreversível.

Leonardo Siade Manzan

Leonardo Siade Manzan

É advogado tributarista, contador especializado em auditoria, análise econômico- financeira e contabilidade fiscal. Professor em cursos de graduação e pós-graduação em direito tributário e financeiro há mais de 20 anos.

Elísio de Azevedo Freitas

Elísio de Azevedo Freitas

Advogado Especialista em TCU. Procurador - Procuradoria-Geral do Distrito Federal. Doutorando em Direito Constitucional pelo IDP. Mestre em Economia e em Administração Pública pelo IDP. MBA em Regulação pela FGV.

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