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Operações de reorganização societária e M&A no Brasil

Visão clara das estratégias, fundamentos e caminhos práticos para estruturar reorganizações societárias e M&A no Brasil, com foco em valor, governança e eficiência.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Atualizado às 12:33

Para quem é este artigo: empresários, executivos, sócios-investidores e gestores de private equity e venture capital que desejam entender - com profundidade e objetividade - como planejar, estruturar, negociar e concluir operações de reorganização societária, fusões e aquisições (M&A) com segurança jurídica, eficiência contábil e foco em criação de valor.

1) Introdução: por que reorganizar?

O universo das reorganizações societárias é vasto e multidisciplinar: envolve banqueiros, investidores, consultores financeiros, advogados, contadores, administradores e reguladores. É um mercado permeado por siglas e jargões do inglês (M&Aprivate equityventure capitaltakeover/hostile takeoverleveraged buyoutmanagement buyoutdrag alongtag along, entre outros) e, não raro, gera dúvidas conceituais.

De forma direta e prática, reorganização societária é o realinhamento da propriedade, operações, ativos ou estrutura de capital de uma companhia para elevar desempenho operacional, otimizar a estrutura financeira e fortalecer a percepção do mercado. O conceito, inicialmente associado a ajustes no balanço, evoluiu para abarcar alternativas que vão da melhoria interna de performance à venda, fusão ou aquisição de empresas, passando por alienação de ativos, dividendos extraordinários e recompra de ações diante de ofertas de aquisição. Em última análise, o propósito é aumentar o valor para o acionista.

Esse movimento tem base econômica simples: ativos produtivos mudam de valor para diferentes partes conforme condições competitivas, capacidade de gestão e sinergias. Quando os ativos migram para quem melhor os utiliza, a alocação de recursos torna-se mais eficiente e o valor agregado tende a crescer.

2) Companhias abertas x companhias de capital fechado: impactos jurídicos e de governança

No Brasil, a lei 6.404/1976 (lei das S.A.) distingue sociedades anônimas de capital aberto (cujos valores mobiliários são admitidos à negociação) daquelas de capital fechado. As abertas são minuciosamente supervisionadas pela CVM - Comissão de Valores Mobiliários, com foco em proteção ao investidor e integridade de mercado: exigência de informações adequadas, vigilância contra a criação de condições artificiais de negociação e repressão a práticas como o insider trading.

Já as empresas fechadas não acessam a poupança pública e se capitalizam em operações privadas. A distinção impacta diretamente a forma de reorganizar: exigências de divulgação, padrões contábeis, governança, prazos e custos variam conforme o regime societário.

3) Venture Capital x Private Equity: perfis de investimento e implicações societárias

VC - Venture Capital  e PE - Private Equity são formas distintas de participação em sociedades privadas:

  • Venture Capital: foca empresas recém-formadas com alto potencial de crescimento (time fundador diferenciado, propriedade intelectual relevante, mercado nascente). O investimento é tipicamente temporário, com plano de saída desde o início (IPO ou venda estratégica), e frequentemente envolve apoio intenso à governança e à profissionalização do negócio.
  • Private Equity: investe em empresas já operacionais que necessitam de capital e disciplina de gestão para atingir novo patamar de porte e eficiência. Em regra, assume posições minoritárias (ou de controle, conforme o caso), também com horizonte de saída predefinido.

Além disso, investidores institucionais (fundos de investimento, fundos de pensão, seguradoras, instituições financeiras) - por administrarem recursos de terceiros - condicionam seus aportes a processos robustos de governança corporativa e compliance, influenciando cláusulas contratuais e o desenho das reorganizações.

4) Objetivos típicos das reorganizações societárias

Desde a década de 1970, reorganizações intensificaram-se como instrumentos de eficiência e criação de valor. Motivações recorrentes incluem:

  1. Foco no core business: vender linhas não essenciais e reforçar o negócio principal, onde a empresa possui vantagem competitiva.
  2. Terceirização industrial: marcas fortes podem optar por manter gestão de marca e distribuição e terceirizar a manufatura, reduzindo custos e riscos operacionais.
  3. Alienação de divisões deficitárias: retirar "peso morto" do portfólio, liberar caixa e concentrar investimentos nas unidades rentáveis.
  4. Preparação para M&A/IPO: saneamento prévio de passivos tributários, trabalhistas, societários, contábeis e cíveis para maximizar valuation e acelerar o closing.
  5. Otimização de capital: simplificar estruturas, reduzir endividamento, alongar passivos, reorganizar garantias e melhorar indicadores financeiros.

5) Foco no core business: como capturar valor

Com o tempo, muitas companhias acumulam negócios paralelos que distraem gestão e capital. Negociar a venda do "Negócio A" para um player mais eficiente - e reinvestir os recursos no "Negócio B", onde há domínio operacional - tende a:

  • Elevar margens e produtividade;
  • Ampliar escala e reduzir concorrência via aquisições estratégicas;
  • Capturar sinergias (complementaridade de ativos, distribuição, tecnologia e pessoas).

Para quem compra o "Negócio A", o racional é simétrico: se possui capacidade superior de gestão e ativos complementares, também destrava valor.

6) Terceirização de atividades industriais: oportunidades e cautelas

É comum que empresas marcárias reconheçam: apesar da força de marca e de design superior, sua fábrica tornou-se cara (pacotes trabalhistas generosos, normas de segurança rígidas, custos fixos elevados). Nesses casos, a estratégia de terceirizar a manufatura e reter gestão de marca e distribuição pode:

  • Reduzir CAPEX e OPEX;
  • Aumentar flexibilidade de produção;
  • Mitigar riscos trabalhistas e regulatórios.

Cautelas jurídicas: contratos de fabricação devem endereçar qualidade, propriedade intelectual, confidencialidade, responsabilidade por recall, service levels e continuidade; muitas vezes, a operação exige acordos de serviços de transição (TSAs) para evitar disrupções.

Aqui vale uma breve definição de CAPEX e OPEX:

  • CAPEX - Capital Expenditure: Gastos de investimento em ativos que geram benefícios ao longo de vários períodos: compra de máquinas, construção/ampliação de plantas, desenvolvimento de software capitalizável, aquisições de equipamentos, melhorias que aumentam a capacidade ou a vida útil. Vai para o Ativo (Imobilizado/Intangível) e é depreciado/amortizado ao longo do tempo.
  • OPEX - Operating Expenditure: Gastos operacionais recorrentes para manter o negócio funcionando: salários, aluguéis, manutenção rotineira, energia, serviços terceirizados, marketing, assinaturas SaaS, fretes, etc. Vai para a DRE como despesa do período (impacta diretamente o resultado daquele ano).

7) Divisões com baixa rentabilidade: carve-outs e vendas parciais

Quando uma divisão contamina os resultados do grupo, aliená-la para terceiros que acreditem operar melhor pode limpar o portfólio e financiar expansão das unidades saudáveis. Operações de carve-out (separação contábil, operacional e jurídica do perímetro a ser vendido) pedem:

  • Segregação de ativos e passivos específicos;
  • Acordos de compartilhamento de serviços temporários;
  • Reorganização societária intragrupo para acomodar o perímetro e viabilizar a transação.

8) Reorganizações preparatórias para M&A/IPO: saneamento e readiness

Empresas em crescimento tendem a acumular "esqueletos no armário" (pendências tributárias, contábeis, societárias, trabalhistas e cíveis). Antes da abertura de capital ou venda parcial/total, é recomendável:

  • Vendor due diligence (auditoria vendedora) para mapear riscos;
  • Ajustes societários: contratos/estatutos, atas e registros;
  • Compliance e LGPD: políticas, mapeamento de dados, bases legais, contratos;
  • Contabilidade: demonstrações auditadas, quality of earnings, capital de giro alvo;
  • Tributário: revisão de estruturas, créditos e contingências;
  • Trabalhista: revisão de passivos, rotinas e benefícios.

Esse preparo reduz descontos de risco, evita renegociação de preço e acelera closing.

9) Combinação de negócios (CPC 15 / IFRS): conceito, mensuração e reflexos

Com a lei 11.638/07 e a lei 11.941/08, o Brasil incorporou o IFRS. O pronunciamento técnico CPC 15 introduz o conceito de combinação de negócios: operação ou evento em que um adquirente obtém controle de um ou mais negócios, independentemente da forma jurídica. A definição inclui fusões entre partes independentes (true mergers ou merger of equals).

Aquisição de negócio x aquisição de ativo: há combinação de negócios quando se adquire atividade organizada (cliente, pessoas, processos, sistemas, contratos, estabelecimento). Se a operação envolve apenas um ativo (e.g., compra de 10.000 veículos usados), é aquisição de ativo, não de negócio.

Quem é o adquirente? Mesmo em fusões, o CPC 15 demanda identificar o adquirente, pois isso determina a contabilização (alocação do preço, reconhecimento de goodwill, mensuração de ativos/passivos).

Valor justo e PPA: na combinação de negócios, o adquirente deve identificar e mensurar a valor justo todos os ativos tangíveis e intangíveis e passivos da adquirida (inclusive intangíveis como marca, relacionamento com clientes, software; e passivos contingentes). Em seguida, realiza-se a PPA - Purchase Price Allocation:

  • Goodwill (ágio por rentabilidade futura): diferença positiva entre a contraprestação (incluindo participações de não controladores e eventual participação prévia do adquirente) e o valor justo dos ativos líquidos da adquirida.
  • Compra vantajosa (bargain purchase): diferença negativa, reconhecida como ganho.

Reflexos tributários: o tratamento fiscal do ágio - com raízes no decreto-lei 1.598/77 e evoluções posteriores - é sensível e demanda estruturas robustas, documentação idônea e análise caso a caso. A coordenação contábil-tributária é crucial para evitar glosas e litígios.

10) Estruturas de operação: share deal x asset deal e cláusulas essenciais

Share deal (compra de ações/quotas):

  • Transferência de participação societária e, com ela, ativos, passivos e contratos da companhia;
  • Exige due diligence ampla e cláusulas de indenização sólidas;
  • Mais simples do ponto de vista de continuidade operacional.

Asset deal (compra de ativos):

  • Permite selecionar ativos e passivos desejados;
  • Pode demandar cessões/novação de contratos, licenças e transfers;
  • Adequado para carve-outs ou compras de linhas específicas.

Cláusulas críticas de negociação e closing:

  • Condições precedentes e aprovações regulatórias/corporativas;
  • Declarações e garantias (R&Ws) e indenizações (escopo, limites, prazos, franquias, caps);
  • Escrowholdbacks e sandbagging;
  • Earn-outs e ajustes de preço (capital de giro, dívida líquida);
  • Cláusulas de MAC - Material Adverse Change;
  • Non-compete e non-solicit;
  • Tag along (proteção de minoritários) e drag along (viabiliza venda conjunta), inclusive em acordos de sócios/acionistas;
  • Change of control em contratos críticos (cliente/fornecedor/financiamento).

11) Governança e compliance: requisitos de investidores e melhores práticas

Investidores institucionais e compradores estratégicos buscam:

  • Transparência e disclosure alinhado a melhores práticas (e exigências da CVM, se aplicável);
  • Políticas de integridade (anticorrupção, concorrência, LGPD, ESG), canais de denúncia e auditoria interna;
  • Conselhos atuantes, com independentes, e comitês (Auditoria, Riscos, Pessoas);
  • Planejamento de saída e métricas de criação de valor (ROIC, margem, conversão de caixa).

12) Due diligence e readiness: roteiro prático

  1. Societário: contratos/estatutos, atas, livros societários, opções e stock awards.
  2. Contratual: mapa de contratos chave, cláusulas de change of control, cessões/novação, garantias.
  3. Tributário: conformidade, créditos, contencioso, riscos de planejamentos passados.
  4. Trabalhista e previdenciário: passivos, rotina, benefícios e eventuais acordos coletivos.
  5. Regulatório e licenças: autorizações, inspeções e compliance setorial.
  6. Propriedade intelectual e dados: marcas, patentes, software, cessões; LGPD (bases legais, privacy by design).
  7. Ambiental (se aplicável): licenças, passivos, remediações.
  8. Financeiro/contábil: demonstrações auditadas, quality of earnings, capital de giro alvo, endividamento e covenants.
  9. Tecnologia e segurança: inventário de sistemas, contratos de TI, continuidade e cibersegurança.
  10. Operação: cadeia de suprimentos, logística, indicadores e SLAs.

Dica prática: uma Vendor Due Diligence bem-feita antecipa pontos sensíveis, reduz descontos e evita surpresas na fase de negociação.

13) Integração pós-closing (PMI): onde o valor se materializa

O valor não nasce no closing; ele se consolida na Integração Pós-Fusão/Aquisição:

  • Plano de 100/180 dias com metas claras de sinergias (receita, custo e capital);
  • Integração de processos, sistemas, governança e cultura;
  • Retenção de talentos críticos e incentivos alinhados ao novo desenho;
  • Monitoramento de indicadores e comunicação transparente com clientes e fornecedores.

14) Perguntas frequentes (FAQ)

1) Toda compra de estabelecimento é combinação de negócios?

Não necessariamente. Se o conjunto adquirido constitui um negócio (atividade organizada com insumos, processos e capacidade de geração de outputs), tende a ser combinação; se são ativos isolados, trata-se de aquisição de ativo.

2) Quem é o "adquirente" em uma fusão de iguais?

Mesmo em fusões entre partes independentes, o CPC 15 requer atribuir o papel de adquirente a um dos participantes, o que impacta a contabilização (alocação do preço, goodwill etc.).

3) Ágio (goodwill) sempre é amortizado fiscalmente?

O reconhecimento contábil do goodwill não garante automaticamente benefícios fiscais. O tratamento tributário depende de regras específicas, documentação e estruturação adequada; recomenda-se análise caso a caso.

4) Share deal ou asset deal: qual é melhor?

Depende de objetivos, riscos e setor. Share deal preserva continuidade e contratos; asset deal permite selecionar o que se compra. A escolha deve considerar tributação, licenças, passivos e operacionalização.

5) Como proteger minoritários e viabilizar saídas?

Cláusulas de tag along protegem o minoritário em eventos de liquidez; drag along permite venda conjunta. A calibragem de gatilhos, preços e quóruns é central na negociação.

15) Conclusão: reorganizar para competir melhor

Reorganizações societárias e operações de M&A são instrumentos para ajustar estratégia, capital, ativos e governança - não um fim em si. Ao dominar os conceitos de combinação de negócios (CPC 15), mensuração a valor justo, acordos societários e estruturas contratuais, empresários e sócios-investidores tomam decisões mais informadas, reduzem riscos e aceleram a criação de valor.

Marcel André Rodrigues

VIP Marcel André Rodrigues

Como advogado com mais de 15 anos de experiência, atuo no ramo do Direito Empresarial, com foco em Direito Tributário, Societário e Contratual, tanto na esfera consultiva quanto contenciosa.

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