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Processo de execução: Por que esperar para se defender é o maior erro do executado

Na execução civil, esperar para se defender pode custar mais do que o patrimônio: pode custar a própria possibilidade de discutir o processo.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2025

Atualizado em 26 de dezembro de 2025 13:46

A execução civil ainda é tratada, por muitos, como uma fase meramente operacional do processo, quase automática, destinada apenas a viabilizar a satisfação de um crédito que já se presume legítimo. Essa percepção, além de equivocada, é responsável por um dos maiores erros estratégicos cometidos na defesa do executado: a crença de que é possível aguardar para reagir, como se o verdadeiro risco estivesse apenas no leilão ou na expropriação final do bem. Na prática, o prejuízo jurídico relevante se instala muito antes, de forma silenciosa, progressiva e, muitas vezes, irreversível.

Esse prejuízo não nasce propriamente no bloqueio patrimonial. O bloqueio é apenas o efeito visível de um dano que já vinha sendo construído antes, quando o executado deixou de ocupar o espaço que o processo lhe oferece para resistir tecnicamente. O verdadeiro dano surge na ausência de defesa desde o início da execução, quando ainda é possível questionar, de forma ampla e estruturada, os pressupostos que sustentam o próprio prosseguimento do procedimento executivo. É nesse momento inicial que se define o campo de atuação do juiz. Sem provocação defensiva, o magistrado deixa de ser chamado a julgar a validade, os limites e a correção da execução e passa a atuar apenas como gestor de medidas destinadas à satisfação do crédito. O processo, então, deixa de ser jurisdicional em sua essência e assume uma lógica meramente administrativa.

Para o devedor, enxergar essa etapa como um procedimento "automático" e inevitável é o primeiro e talvez o mais grave erro estratégico. Trata-se de uma rendição silenciosa, baseada na falsa premissa de que "não há mais o que fazer", quando, na verdade, é exatamente nesse momento que há mais o que fazer. A ausência de defesa inicial não apenas permite que o processo avance sem contraditório efetivo, como também autoriza que premissas não testadas passem a orientar todas as decisões subsequentes.

Essa mentalidade abre espaço para que o credor dite, sozinho, as regras do jogo. A maioria dos executados adota uma postura reativa, limitando-se a responder pontualmente aos ataques que sofre: um pedido de desbloqueio aqui, uma impugnação isolada ali, uma alegação genérica de impenhorabilidade quando o patrimônio já está comprometido. Essa atuação fragmentada costuma ser confundida com defesa, quando, na realidade, não passa de gestão tardia de danos. Defesa técnica pressupõe estratégia, visão global do processo e concentração de teses no momento adequado. Medidas reativas, desconectadas e episódicas apenas tentam conter efeitos já produzidos, sem enfrentar a estrutura da execução.

A execução possui dinâmica própria de preclusões que não admite improvisos. Certas matérias devem ser suscitadas na primeira oportunidade em que o executado é chamado a se manifestar, sob pena de perda definitiva da possibilidade de discussão. Ainda que algumas questões possam ser tecnicamente apreciadas em momento posterior, a experiência forense demonstra que a omissão inicial enfraquece substancialmente qualquer tentativa de reversão futura. O processo passa a operar com base em uma narrativa consolidada, na qual o crédito é presumido válido, o valor é tratado como correto e os meios executivos são considerados adequados.

É nesse contexto que se percebe que o dano real não é o bloqueio em si. O bloqueio é apenas a consequência lógica de um processo que avançou sem resistência técnica. O verdadeiro prejuízo nasce no exato instante em que o prazo para apresentação da defesa estruturada se esgota sem que todas as teses relevantes tenham sido levantadas. A partir daí, o processo já não está mais em disputa; ele apenas segue o roteiro traçado pelo credor, com chancela judicial reiterada pela ausência de oposição anterior.

Não se trata de uma falha pontual, mas de uma lógica estrutural. Quem não ocupa o espaço defensivo no início permite que o processo se organize contra si, tornando cada tentativa posterior de correção mais difícil, mais custosa e mais incerta.

Por isso, a execução não é uma fase passiva do processo. Ela exige atuação estratégica desde o primeiro ato, sob pena de o executado perder não apenas patrimônio, mas também a possibilidade real de discutir os próprios fundamentos da cobrança. A defesa eficaz não é aquela que tenta salvar bens quando o dano já se materializou, mas a que impede que o processo avance sustentado por premissas não questionadas. Deixar para depois não é cautela. É abdicação.

Daniela Poli Vlavianos

Daniela Poli Vlavianos

Advogada civilista com 20 anos de experiência. Pós-graduada em Execução. Atuação em execução cível e proteção patrimonial. Atualmente, integra a equipe do escritório Arman Advocacia

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