Locação de imóveis após a reforma tributária: Na pessoa física ou jurídica?
A reforma tributária alterou a tributação dos aluguéis. O artigo analisa os impactos do IBS e da CBS e demonstra por que, na maioria dos cenários, a pessoa jurídica permanece mais eficiente e segura.
terça-feira, 30 de dezembro de 2025
Atualizado às 13:57
A reforma tributária trouxe para o centro do debate um tema que, até então, era relativamente estável no Brasil: a tributação da locação de imóveis. Durante décadas, o aluguel foi tratado como uma renda essencialmente patrimonial, tributada quase exclusivamente pelo Imposto de Renda, sem incidência de tributos sobre o consumo. Esse cenário muda de forma significativa com a LC 214.
Mais do que discutir aumento ou redução de carga tributária, o novo sistema exige uma análise técnica sobre a forma correta de organizar a exploração imobiliária, especialmente diante do fortalecimento dos mecanismos de fiscalização e cruzamento de dados. Nesse contexto, a pergunta que naturalmente surge é: após a reforma tributária, ainda vale a pena alugar imóveis pela pessoa jurídica?
A resposta, do ponto de vista técnico e estratégico, é afirmativa. Em muitos cenários, a locação pela pessoa jurídica não apenas continua sendo vantajosa, como passa a ser a alternativa mais segura e racional.
A lógica atual da locação na pessoa física
Hoje, a pessoa física que recebe aluguéis é tributada exclusivamente pelo Imposto de Renda, com aplicação da tabela progressiva. Na prática, rendas de locação acima da faixa de isenção acabam rapidamente alcançando a alíquota máxima de 27,5%, com uma dedução fixa mensal relativamente pequena.
Isso significa que, já no modelo atual, locações de médio e alto valor sofrem uma carga tributária expressiva. Um aluguel de R$ 10 mil mensais, por exemplo, gera uma tributação anual superior a R$ 22 mil apenas em Imposto de Renda. Valores maiores tornam essa carga ainda mais sensível.
Mesmo antes da reforma, portanto, a locação na pessoa física já se mostrava onerosa, sendo tolerada por muitos proprietários apenas pela informalidade histórica e pela dificuldade de fiscalização.
A locação na pessoa jurídica antes da Reforma
Na pessoa jurídica, especialmente no regime do lucro presumido, a locação sempre apresentou uma vantagem econômica relevante. A base de cálculo reduzida, a ausência de ISS e a composição entre IRPJ, CSLL, PIS e Cofins permitiam uma carga efetiva significativamente menor.
Em aluguéis de até R$ 10 mil mensais, a carga efetiva girava em torno de 8,93%. Em valores mais elevados, mesmo com a aplicação da base de cálculo de 32% e o adicional de IRPJ, a alíquota efetiva permanecia inferior àquela suportada pela pessoa física.
Esse diferencial sempre justificou, do ponto de vista econômico, a utilização de sociedades operacionais para centralizar a locação de imóveis.
O que muda com a reforma tributária
A LC 214 introduz o IVA dual, composto pelo IBS e pela CBS, e redefine a locação como uma operação de bens e serviços. Esse é o ponto de inflexão do sistema.
A partir da reforma, além dos tributos sobre a renda, passa a incidir IBS e CBS sobre a locação, tanto na pessoa física quanto na pessoa jurídica. Em contrapartida, a própria lei reconhece a natureza peculiar da locação e concede um redutor de 70% sobre a alíquota padrão do IVA.
Como a alíquota definitiva do IVA ainda não foi fixada, adota-se, para fins técnicos, uma premissa conservadora de 26,5%. Aplicado o redutor legal, a carga de IBS e CBS sobre a locação ficaria em torno de 7,95%.
Ainda assim, o impacto prático é muito diferente entre pessoa física e pessoa jurídica.
O impacto na pessoa física
Na pessoa física, a Reforma cria critérios objetivos para a incidência do IVA. A cobrança passa a ocorrer quando coexistem determinadas condições, como a superação do valor anual de R$ 240 mil em aluguéis e a titularidade de mais de três imóveis, ou mesmo quando um único imóvel gera renda relevante acima dos percentuais definidos na lei.
Nessas hipóteses, o contribuinte passa a suportar não apenas o Imposto de Renda de 27,5%, mas também o IBS e a CBS. Mesmo com redutores, a carga efetiva total pode ultrapassar 30% sobre o valor bruto recebido.
Além disso, a pessoa física passa a enfrentar uma exigência operacional inédita: a necessidade de escrituração para apuração de créditos e débitos do IVA. Na prática, isso significa que o contribuinte que sempre administrou seus imóveis de forma simples será obrigado a lidar com uma complexidade típica da atividade empresarial.
O impacto na pessoa jurídica
Na pessoa jurídica, o IBS e a CBS passam a substituir gradualmente o PIS e a Cofins, dentro de um regime de transição. Embora isso represente um aumento aparente da carga, a tendência é de compensação entre tributos que deixam de existir e aqueles que passam a incidir.
Mesmo em cenários conservadores, considerando a convivência temporária entre IVA e contribuições atuais, a carga efetiva da pessoa jurídica permanece inferior àquela suportada pela pessoa física em faixas equivalentes de renda.
Além disso, a pessoa jurídica já opera naturalmente com escrituração contábil, controle fiscal e apuração sistemática de tributos, o que elimina o impacto operacional que a Reforma impõe à pessoa física.
O papel do Cadastro Imobiliário Brasileiro
Se a Reforma Tributária altera a tributação, o Cadastro Imobiliário Brasileiro altera a realidade da fiscalização.
Com a criação de um cadastro nacional de imóveis, associado a valores padronizados e à integração com bases federais, estaduais e municipais, a locação passa a ser facilmente rastreável. Cruzamentos entre titularidade do imóvel, declaração de residência, uso em CNPJ, contratos, movimentações financeiras e registros públicos tornam a omissão de receitas uma estratégia cada vez mais arriscada.
Nesse novo ambiente, a informalidade deixa de ser uma escolha pragmática e passa a ser um risco fiscal relevante. A pergunta deixa de ser se a fiscalização vai alcançar o contribuinte e passa a ser quando.
Planejamento patrimonial como resposta técnica
Diante desse cenário, insistir na locação informal ou na manutenção desorganizada de imóveis na pessoa física não é mais uma decisão neutra. É uma exposição consciente a risco fiscal, tributário e patrimonial.
A utilização da pessoa jurídica, integrada a um planejamento patrimonial bem estruturado, deixa de ser uma estratégia de economia tributária isolada e passa a ser uma ferramenta de adequação à nova ordem tributária. Ela permite previsibilidade, controle, eficiência fiscal e, sobretudo, segurança jurídica.
A Reforma Tributária não elimina as vantagens da locação pela pessoa jurídica. Ao contrário, ao tornar a pessoa física mais onerada e mais fiscalizada, reforça a necessidade de estruturas empresariais e patrimoniais coerentes com a realidade atual.
Conclusão
A locação de imóveis após a reforma tributária exige mudança de mentalidade. Não se trata apenas de pagar menos imposto, mas de organizar corretamente a atividade imobiliária dentro de um sistema mais transparente, integrado e fiscalizado.
Nesse contexto, a pessoa jurídica permanece como a alternativa mais eficiente, segura e sustentável para a exploração de imóveis, especialmente quando inserida em um planejamento patrimonial adequado. O novo sistema não pune quem se organiza, ele pune quem insiste em ignorar a realidade que já se impôs.


