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Golpe do boleto falso e a responsabilidade das instituições financeiras

A falha na segurança bancária, o dever de proteção de dados e a reparação ao consumidor.

terça-feira, 30 de dezembro de 2025

Atualizado às 13:59

1. Introdução

A crescente digitalização das operações financeiras trouxe benefícios inegáveis ao mercado de consumo, mas também ampliou significativamente o campo de atuação das fraudes bancárias. Entre elas, destaca-se o golpe do boleto falso, modalidade que se aproveita da confiança do consumidor e da fragilidade dos sistemas de segurança para induzi-lo ao pagamento indevido.

Nesse contexto, a discussão jurídica não se limita à ocorrência da fraude em si, mas se concentra na responsabilidade das instituições financeiras, especialmente quando o golpe somente se concretiza em razão do acesso indevido a dados sigilosos da relação contratual mantida com o consumidor.

2. O golpe do boleto falso como falha na prestação do serviço

O golpe do boleto falso caracteriza-se pela emissão de documento aparentemente legítimo, confeccionado com base em dados reais da contratação ou de negociações em curso entre consumidor e instituição financeira. A similaridade entre o boleto verdadeiro e o fraudado demonstra que o fraudador teve acesso a informações protegidas e sigilosas, o que evidencia falha no dever de segurança.

Tal situação configura defeito na prestação do serviço, nos termos do art. 14 do CDC, pois o fornecedor deixa de oferecer a segurança que legitimamente se espera de um serviço bancário. Não se trata de evento imprevisível ou inevitável, mas de risco inerente à própria atividade econômica desenvolvida pelas instituições financeiras.

3. Responsabilidade objetiva e fortuito interno

A responsabilidade civil das instituições financeiras, nesses casos, é objetiva, prescindindo da demonstração de culpa. O golpe do boleto falso insere-se no conceito de fortuito interno, pois decorre do risco do empreendimento, não sendo capaz de romper o nexo causal entre a falha do serviço e o dano sofrido pelo consumidor.

A tentativa de imputar a responsabilidade exclusivamente à vítima ou a terceiros, sem a comprovação de conduta negligente do consumidor, afronta os princípios da vulnerabilidade, da boa-fé objetiva e da confiança, que norteiam as relações de consumo. Exigir que o consumidor identifique fraudes sofisticadas, construídas a partir de dados legítimos da relação contratual, representa inversão indevida do ônus da atividade econômica.

4. Violação ao dever de proteção de dados pessoais e a lei 13.709/18 (LGPD)

O acesso indevido a informações sensíveis do consumidor revela, ainda, violação ao dever de proteção de dados pessoais. As instituições financeiras detêm elevado grau de responsabilidade quanto à guarda, ao tratamento e à segurança das informações que lhes são confiadas.

A ausência de mecanismos eficazes de prevenção, monitoramento e resposta a incidentes de segurança caracteriza infração aos princípios da segurança e da prevenção, impondo o dever de reparar os danos decorrentes do vazamento ou uso indevido de dados pessoais. Nesse cenário, a fraude não pode ser tratada como fato isolado, mas como consequência direta de falha estrutural do sistema.

5. Restituição dos valores pagos indevidamente

Comprovado o pagamento de boleto fraudulento e o nexo causal com a falha do serviço bancário, impõe-se a restituição dos valores suportados pelo consumidor. A devolução, em regra, ocorre de forma simples, quando não demonstrada a má-fé do fornecedor.

Todavia, sob uma leitura mais protetiva do sistema consumerista, é possível sustentar a restituição em dobro nos casos em que a cobrança indevida decorre de falha grave de segurança, uma vez que o risco do empreendimento não pode ser transferido ao consumidor, sobretudo quando este agiu de boa-fé.

6. Restituição dos valores pagos indevidamente

Comprovado o pagamento de boleto fraudulento e o nexo causal com a falha do serviço bancário, impõe-se a restituição dos valores suportados pelo consumidor. A devolução, em regra, ocorre de forma simples, quando não demonstrada a má-fé do fornecedor.

Todavia, sob uma leitura mais protetiva do sistema consumerista, é possível sustentar a restituição em dobro nos casos em que a cobrança indevida decorre de falha grave de segurança, uma vez que o risco do empreendimento não pode ser transferido ao consumidor, sobretudo quando este agiu de boa-fé.

7. Conclusão

O golpe do boleto falso evidencia a necessidade de rigor na responsabilização das instituições financeiras, que detêm o controle dos sistemas, dos dados e dos meios de pagamento. A fraude, quando viabilizada por falhas de segurança, integra o risco da atividade bancária e não pode ser atribuída ao consumidor.

A aplicação da responsabilidade objetiva, a restituição dos valores pagos indevidamente e a indenização por danos morais constituem instrumentos essenciais para a efetiva proteção do consumidor e para o fortalecimento da confiança nas relações consumeristas. O enfrentamento dessas fraudes exige não apenas resposta judicial adequada, mas também a adoção de políticas preventivas eficazes por parte das instituições financeiras.

Andréia de Freitas Targa Guimaraes

VIP Andréia de Freitas Targa Guimaraes

Advogada- Graduada em Direito Financeiro e Tributário pela UERJ, Graduada em D. Família e Sucessões pela PUC/RJ, Especialista em Direito do Consumidor Bancário.

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