Retrospectiva 2025: Decisões do Poder Judiciário sobre arbitragem
O presente artigo apresenta um panorama de algumas decisões judiciais envolvendo o instituto da arbitragem, proferidas em 2025.
segunda-feira, 29 de dezembro de 2025
Atualizado às 12:45
O presente artigo apresenta um panorama das principais decisões judiciais envolvendo o instituto da arbitragem, proferidas em 2025.
STJ firma entendimento de que o prazo decadencial para anulação de sentença arbitral é contado a partir da decisão do pedido de esclarecimento
Em 23/4/25, a 3ª turma do STJ, no julgamento do REsp 2.179.459-GO, afirmou o entendimento já pacificado no art. 33, § 1º da lei de arbitragem (lei 9.307/1996). Qual seja, que o prazo decadencial de 90 dias para eventual anulação da sentença arbitral é interrompido pelo pedido de esclarecimentos e reinicia-se a partir da notificação da decisão do árbitro sobre aquele.
No julgado em questão, as partes discutiam a validade de sentença arbitral sob a alegação de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Na ocasião, o recorrente sustentava a ocorrência de decadência, argumento que chegou a ser acolhido em decisão interlocutória de primeiro grau, mas que foi posteriormente afastado pelo TJ/GO em sede de embargos de declaração.
Ao analisar o recurso, a relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que o pedido de esclarecimentos interrompe o prazo para a ação anulatória independentemente do seu acolhimento ou rejeição. A decisão ressaltou que, uma vez que a lei prevê a possibilidade de integração da sentença, o termo inicial do prazo decadencial deve ser, obrigatoriamente, a data da ciência da decisão que apreciou os esclarecimentos, garantindo-se assim a segurança jurídica e o direito de a parte impugnar o provimento jurisdicional em sua forma definitiva1.
STJ decide que a inclusão de cláusula arbitral em estatutos sociais de associações civis não está submetida às regras que dispõem sobre contrato de adesão
Em 14.05.2025, no julgamento do REsp 2.166.582-SC, a 3ª turma do STJ firmou o entendimento de que a inclusão de cláusula arbitral no estatuto social de associação civil não deve observar os requisitos do art. 4º, § 2º, da LArb para ter eficácia, por não se tratar o estatuto de um contrato de adesão.
No caso, as partes discutiam a validade de sentença arbitral, proferida por Tribunal Arbitral cuja jurisdição foi determinada a partir de cláusula compromissória estatutária que não seguiu os requisitos do art. 4º, § 2º da LArb, como defendia o recorrente. Discutiu-se, também, se a análise da eficácia da convenção de arbitragem caberia ao juízo estatal ou arbitral.
A relatora ministra Nancy Andrighi, afastou o argumento da parte recorrente de invalidade da cláusula compromissória estatutária por ausência expressa de consentimento. A ministra destacou que a votação da cláusula em assembleia geral é resultado de deliberação coletiva e não imposição unilateral, o que descaracteriza o contrato de adesão. Por fim, ressaltou que, não estando submetida aos requisitos do art. 4º, § 2º da LArb, cabe ao próprio Tribunal Arbitral analisar a validade da cláusula compromissória2.
Tribunais entendem que a existência de cláusula compromissória não impede o ajuizamento de execução de título extrajudicial, desde que certo, líquido e exigível
A 3ª turma do STJ determinou no REsp 2.167.089-RJ, julgado em 20/8/25, que a ação de execução de título executivo extrajudicial certo, líquido e exigível, não é suspensa apenas pela existência de cláusula compromissória arbitral.
No caso, as partes conflitavam sobre a necessidade de sobrestamento processual da ação de execução de duplicatas inadimplidas, vinculadas a um contrato de fornecimento de produtos alimentícios que continha convenção arbitral. Em paralelo, os litigantes mantinham procedimento arbitral acerca de outro contrato.
Em segunda instância, foi determinada a suspensão do processo judicial até o pronunciamento do juízo arbitral. Entretanto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, reformou o entendimento ao esclarecer que a suspensão da ação executiva não é automática. Segundo a decisão, a existência da cláusula compromissória ou de procedimento arbitral diverso não justifica, por si só, a paralisação do feito, sendo indispensável a comprovação da instauração prévia de arbitragem específica sobre o título e o respectivo requerimento formal ao juízo da execução.
Isso porque, a jurisdição estatal é a única dotada de coercibilidade, não sendo razoável exigir que o credor seja obrigado a iniciar um processo arbitral, tão somente para obter um novo título do qual, no seu entender, já é detentor. A ministra destacou que, se houver dúvida sobre o título ou as obrigações, a crise de certeza deve ser dirimida pela via arbitral, mas, ocorrendo o inadimplemento, o credor pode dirigir-se, desde logo, à via judicial executiva.
Seguindo linha interpretativa complementar, a 15ª Câmara Cível do TJ/MG determinou a suspensão de processo de execução até que fosse proferida sentença arbitral definitiva. No caso em questão, a impugnação da parte executada recaiu sobre aspectos contratuais técnicos, como margens de flexibilidade e critérios de faturamento de energia, que envolviam diretamente o conteúdo obrigacional e a própria constituição do crédito3.
Diferentemente da hipótese em que se discute apenas ritos processuais, o TJ/MG decidiu que, quando a defesa ataca o mérito do contrato e a higidez do título executivo, a competência para o exame das alegações é exclusiva do juízo arbitral. Assim, o sobrestamento da execução estatal impõe-se por questão de lógica e para evitar atos expropriatórios sobre um crédito cuja certeza e liquidez ainda demandam interpretação do tribunal arbitral4.
STJ entende desnecessária a divulgação de contratos de financiamento de litígio quando a identidade dos financiadores não se relacionar a controvérsia
Em 20/10/25, o STJ, ao julgar o REsp 2.171.569-SP, entendeu que a exibição de contratos de financiamento de litígios é irrelevante, quando a divulgação da identidade dos financiadores não for necessária para o deslinde da controvérsia.
Tratava-se de ação de reparação de danos por abuso de poder de controle, na qual os recorrentes buscavam a identificação dos financiadores sob o argumento de que não se tratava de mero custeio de despesas, mas de uma cessão de direitos que exigiria a identificação dos cessionários finais para fins de eventual responsabilização futura.
O relator, ministro Humberto Martins, destacou que o financiamento de litígios por terceiros é admitido no ordenamento jurídico brasileiro e que a documentação juntada pelo recorrido era suficiente para caracterizar a natureza do financiamento. A decisão ressaltou que a identidade dos financiadores não interfere na legitimidade ativa do acionista minoritário, especialmente quando este presta a caução exigida pela LSA - lei das sociedades anônimas para evitar ações temerárias.
O Tribunal concluiu que o ônus de provar eventual abuso no direito de ação ou ocultação de cessão indevida caberia aos próprios recorrentes, sendo a informação sobre a identidade dos financiadores uma medida desnecessária ao objeto central da lide. A decisão reforça a proteção de informações sensíveis que não possuem impacto direto na legitimidade das partes ou no mérito da reparação de danos pretendida5.
TJ/SP decide acerca do dever de revelação dos árbitros e eventual anulação da sentença arbitral
O dever de revelação dos árbitros, tema que figura em relevantes discussões no cenário arbitral, também foi objeto de decisões pelo TJ/SP neste ano.
O TJ/SP, em fevereiro deste ano, por meio de acórdão de relatoria do desembargador Alfredo Attié, decidiu pela anulação de sentença arbitral em razão da quebra do dever de revelação por parte de um dos árbitros. A decisão reforçou a necessidade de os árbitros revelarem fatos relacionados às partes ou seus advogados, sejam eles de conhecimento público ou não, sempre que puderem gerar dúvida objetiva sobre a imparcialidade e independência do julgador.
Na oportunidade, o relator pontuou que o coárbitro afirmou inicialmente não possuir relações com os advogados envolvidos, mas, no curso do procedimento, revelou ter atuado com o patrono de uma das partes em outro Tribunal Arbitral, ao indicá-lo para presidir o colegiado. O TJ entendeu que a conduta configurou quebra da boa-fé objetiva e do dever de transparência, retirando da parte o direito de exercer seus próprios juízos de conveniência e oportunidade na aceitação do árbitro6.
Nesse mesmo sentido, em sentença proferida em novembro de 2025, o juiz Eduardo Palma Pellegrinelli, da 2ª Vara Empresarial de São Paulo, reconheceu a nulidade de outra sentença arbitral por omissão grave. Na hipótese, dois coárbitros omitiram que haviam apontado o advogado de uma das partes para presidir um outro Tribunal Arbitral, em procedimento concomitante e análogo.
Assim, o magistrado entendeu que a indicação mútua criava uma relação próxima e menos formal, passível de gerar desconfiança ou séria dúvida quanto a imparcialidade dos árbitros, tornando a omissão capaz de respaldar a anulação da sentença arbitral.
Juízo estabeleceu que o prazo decadencial de 90 dias para ajuizar a ação anulatória (art. 33, § 1º, da lei de arbitragem) com vistas a suscitar eventual imparcialidade se iniciaria a partir da ciência do vício violado, e não da notificação da sentença arbitral. No caso, devido ao sigilo dos procedimentos arbitrais, o autor só pôde tomar ciência da omissão em 1/8/23, data em que o TJ/SP julgou publicamente um caso análogo envolvendo os mesmos árbitros. Assim, entendeu-se que o prazo não poderia correr contra quem estava impossibilitado de conhecer a violação ao seu direito, prestigiando-se a boa-fé e a integridade do sistema arbitral7.
Em janeiro de 2025, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP decidiu pela validade da sentença arbitral, em ação anulatória, também proposta sob o fundamento de imparcialidade. Assim como nos casos citados anteriormente, a parte apelante alegava haver uma relação íntima entre um dos árbitros e o advogado da outra parte.
Ao analisar o pleito, o Tribunal entendeu que as evidências trazidas não comprovavam intimidade, mas apenas a manutenção de uma relação profissional episódica e acadêmica, insuficiente para configurar as hipóteses de impedimento ou suspeição previstas no art. 14 da lei de arbitragem e no art. 145 do CPC/15
A decisão fundamentou-se no fato de que o árbitro e o advogado haviam trabalhado no mesmo escritório há mais de 20 anos, por um período curto em que o causídico era estagiário e não possuía subordinação direta ao árbitro. O colegiado considerou que o longo lapso temporal decorrido e a ausência de contato frequente desde então descaracterizavam qualquer dúvida justificada sobre a imparcialidade. Além disso, o fato de ambos integrarem o corpo docente da mesma universidade foi considerado irrelevante, visto que atuavam em departamentos diversos, sem indícios de cooperação estreita ou envolvimento pessoal8.
TJ/SP afirma que o indeferimento de oitiva de testemunhas não configura, por si só, cerceamento de defesa apto a anular sentença arbitral
Em agosto de 2025, outro tema de relevância foi objeto de julgamento: a possibilidade, ou não, de anulação de sentença arbitral por indeferimento de oitiva de testemunhas.
No caso, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP negou provimento a um recurso que buscava anular a sentença arbitral sob a alegação de violação ao princípio do contraditório. O apelante sustentava que o indeferimento da oitiva de determinadas testemunhas teria prejudicado sua defesa e ofendido o livre convencimento da árbitra.
Ao analisar o caso, o Tribunal constatou que a pretensão da parte consistia, em realidade, em uma tentativa de obter a revisão do mérito da sentença arbitral proferida pelo Poder Judiciário em razão de seu inconformismo com o resultado, o que é vedado pelo ordenamento jurídico.
Em sede de recurso, o apelante alegou violação do princípio do contraditório, por indeferimento de testemunha e suposta ofensa ao livre convencimento da árbitra. No caso, tal indeferimento deu-se pelo fato de que as testemunhas apresentavam processos contra a parte contrária e o tema do testemunho já havia sido objeto de outras provas constantes nos autos do procedimento.
A relatora, desembargadora Grava Brazil, reforçou que, embora as testemunhas pudessem ter sido ouvidas como informantes, a mera reiteração de questões já pontuadas em outros documentos pouco ou nada teria sido útil na solução da demanda, não configurando, portanto, cerceamento de defesa. Assim, reafirmou que o Poder Judiciário não atua como instância revisora do acerto ou erro da decisão arbitral, mantendo a validade do julgado por não vislumbrar nenhuma das hipóteses de nulidade previstas no art. 32 da lei de arbitragem9.
TJ/SP entende que decisão proferida por presidente de Câmara Arbitral pode ter legalidade controlada pelo Poder Judiciário
Em novembro de 2025, os desembargadores da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP, em julgamento envolvendo a Vale S.A., entenderam que decisões proferidas por presidentes de Câmaras Arbitrais apresentam natureza administrativa. Segundo o acórdão, como tal atuação não envolve atos jurisdicionais cuja competência é exclusiva dos árbitros nomeados pelas partes, o Poder Judiciário pode e deve exercer o controle de legalidade sobre esses atos, sob pena de violar o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição e deixar a parte em um "limbo jurídico sem saída".
O referido acórdão entendeu haver ilegalidade na decisão proferida pelo presidente da Câmara de Arbitragem do Mercado, que nomeou todos os árbitros do procedimento e afastou a coárbitra indicada pela Vale. O Tribunal verificou que o requisito de "ausência de consenso" entre os litisconsortes ativos (acionistas) não estava configurado, visto que estes peticionavam de forma conjunta e homogênea, possuindo convergência de interesses.
A intervenção judicial foi considerada necessária para garantir a correta aplicação do Regulamento e proteger o direito fundamental da parte de nomear seu próprio árbitro, prerrogativa garantida pelo art. 13 da lei de arbitragem. Em vista disso, o recurso apresentado pela Vale foi provido, para anular a decisão administrativa e restabelecer a indicação de sua coárbitra10.
1 STJ Resp. 2.179.459-GO, 3ª Turma, Relatora Min. Nancy Andrighi, julgado em: 23/4/25.
2 STJ REsp 2.166.582-SC. 3ª Turma, Relatora Min. Nancy Andrighi, julgado em: 13/5/25.
3 STJ REsp 2.167.089-RJ. 3ª Turma, Relatora Min. Nancy Andrighi, julgado em: 20/8/25.
4 TJMG Agravo de Instrumento 1.0000.25.174942-0/002. 15ª Câmara Cível, Relatora Desa. Ivone Guilarducci, julgado em: 6/11/25.
5 STJ REsp 2.171.569-SP. Relator Min. Humberto Martins, julgado em: 28/10/25.
6 TJSP Apelação Cível 0024255-13.2023.8.26.0100. 27ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Alfredo Attié, julgado em: 4/2/25.
7 TJSP Sentença 1146362-42.2023.8.26.0100. 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem, Juiz Eduardo Palma Pellegrinelli, julgado em: 18/11/25.
8 TJSP Agravo de Instrumento 2362888-58.2024.8.26.0000. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Relator Des. Fortes Barbosa, julgado em: 28/01/25.
9 TJSP Apelação Cível 1004091-44.2022.8.26.0100. 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Relator Des. Grava Brazil, julgado em: 18/8/25.
10 TJSP Apelação Cível 1129029-43.2024.8.26.0100. 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Relator Des. Sérgio Shimura, julgado em: 18/11/25.
Felipe Moraes
Sócio de Azevedo Sette Advogados. Professor de Arbitragem e de Direito Societário no Ibmec. Doutorando em Direito pela USP. Mestre pela PUC-MG. Conselheiro do CBAr Comitê Brasileiro de Arbitragem. Integrante de listas de árbitros de câmaras arbitrais brasileiras. Atua como advogado e como árbitro.
Stephannye de Pinho Arcanjo
Advogada no Azevedo Sette Advogados, na área de Arbitragem. Co-editora do Blog New Gen do CAM-CCBC. Membro da Comissão de Arbitragem da OAB/MG e da Comissão Organizadora da Competição Brasileira de Arbitragem da CAMARB.
Eduarda Martins
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e estagiária no Azevedo Sette Advogados, na área de Arbitragem. Integrante do Grupo de Estudos em Arbitragem e Contratos Internacionais - GACI UFMG.
Ana Luiza de Azevedo Veríssimo
Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e estagiária no Azevedo Sette Advogados, na área de Arbitragem. Integrante da Equipe de Arbitragem da PUC-MG (EArb PUC-MG).




