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FGTS - Jurisprudência controvertida

A mais recente jurisprudência trabalhista fixa que o prazo de prescrição, para cobrança de depósitos devidos ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, é de 30 anos. Nesse sentido a Súmula nº 362 do E. Tribunal Superior do Trabalho, que alterou redação anterior.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Atualizado em 31 de agosto de 2007 15:05


FGTS - Jurisprudência controvertida

Almir Pazzianotto Pinto*

A mais recente jurisprudência trabalhista fixa que o prazo de prescrição, para cobrança de depósitos devidos ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, é de 30 anos. Nesse sentido a Súmula nº 362 do E. Tribunal Superior do Trabalho (clique aqui), que alterou redação anterior.

Sintoniza-se com a orientação do TST acórdão do E. TRT da 15ª de Campinas, proferido em reclamação movida por servidor admitido pelo regime da CLT (clique aqui), contra o município que o contratara (Proc. 901/2004).

Para fazer valer o direito traduzido na Súmula, a Justiça exige que a demanda seja protocolada dentro de dois anos, contados a partir da dissolução do contrato de trabalho, por aplicação do art. 7º, XXIX, da Constituição da República (clique aqui).

Enfrentarei o assunto através da lente da lógica do racional, e no exercício da liberdade de expressão inerente ao regime democrático. Para o Judiciário Trabalhista (que, com orgulho, integrei), desde que o empregado proponha a ação trabalhista em tempo hábil, se condenação houver a eficácia da sentença retroage 30 anos, para cobrança dos depósitos do FGTS.

Como a decisão condenatória data, aparentemente, de 2006, os efeitos da sentença retrocedem a 1977, quando ainda encontrava-se em vigor a Constituição de 1967. Desde então tivemos meia dúzia de planos econômicos (destinados a combater galopante inflação) e mudanças do padrão monetário, como concordará o mais desatento leitor.

Imagine-se que alguém trabalhou durante 3 décadas para determinado empregador, e que este, por algum motivo deixou de recolher os depósitos do Fundo de Garantia. Suponha-se que, após esse tempo, o empregado requereu e obteve aposentadoria. Quase dois anos depois de aposentar-se, o cidadão acordou e veio-lhe a idéia tentar obter alguma vantagem na Justiça. Como tudo havia lhe sido pago, restou-lhe a cobrança de depósitos do FGTS que não foram feitos, ou o foram de maneira incorreta. No caso a que me refiro, o empregador era município, cujos prefeitos ou se descuidaram dos depósitos ao Fundo, ou não dispunham de meios financeiros para satisfazer os pesados encargos da folha de salários.

Se o problema se desse com férias, 13º terceiro, horas extras, adicionais, a sentença retroagiria até no máximo a 5 anos (CR, art. 7º, XXIX). Se ocorresse com contribuições previdenciárias, o prazo de cobrança, para o INSS, elevar-se-ia a 10 anos, conforme art. 46 da lei nº. 8.212, de 1991 (clique aqui), que revogou legislações em sentido contrário.

Para cobrança de tributos, o Código Tributário (clique aqui) fixa que a ação prescreve em 5 anos, contados da consolidação do débito (art. 174).

O Código Civil (clique aqui) disciplina as regras sobre prescrição de acordo com a natureza do crédito. Os prazos variam de 1 a 5 anos. Em 5 prescreve cobrança de créditos constantes de instrumento público ou particular; dos profissionais liberais, procuradores, curadores e professores por honorários; do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo (art. 206).

Na esfera do direito real, aquele que por 15 anos possuir como seu determinado imóvel, adquire-lhe a propriedade por usucapião, antes denominada prescrição aquisitiva. O prazo reduzir-se-á a 10 se o possuidor nele estiver instalado, como morador, ou realizado obras ou serviços de caráter produtivo (C.C. art. 1.238).

O direito tem por princípio não amparar aquele que negligencia na defesa dos seus interesses ou do patrimônio. Já na velha Roma dizia-se que aos preguiçosos não socorre o direito. Lecionou Pontes de Miranda (Tratado, 6/101), "Os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica. Não destroem o direito, que é; não cancelam, não apagam as pretensões; apenas, encobrindo a eficácia da pretensão, atendem à conveniência de que não perdure por demasiado tempo a exigibilidade ou a acionalidade". Concluía o jurista, em 1960, "A vida corre célere - mais ainda na era da máquina".

Registre-se que cabe ao Ministério do Trabalho exercer a fiscalização das empresas, para verificar a pontualidade e correção dos depósitos mensais, e que ao empregado é dado o direito de conhecer, a qualquer momento, a situação da conta vinculada.

Ao ultrapassar os limites do razoável a prescrição deixa de servir à paz e à estabilidade jurídica, para converter-se em fator de insegurança e litigiosidade.

A decisão do E. Regional apóia-se no art. 144 da Lei Orgânica da Previdência Social (lei nº. 3.807/60 - clique aqui). Ocorre que o dispositivo fora dirigido às instituições da previdência social e não se referia ao FGTS, instituído depois pela lei 5.107/66 (clique aqui). Reza a mencionada norma legal: "O direito de receber ou cobrar as importâncias que lhes sejam devidas, prescreverá, para as instituições de previdência social, em trinta anos". A expressão "lhes sejam devidas" refere-se às instituições de previdência social, beneficiadas, à época, pelo largo espaço trintenário, reduzido em 1990 a uma década.

O tema reveste-se de complexidade, e é da maior importância para trabalhadores e empregadores. Este artigo foi escrito com o objetivo de estimular debates entre advogados, juristas e magistrados.

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*Ex-Ministro do Trabalho e ex-presidente do TST, aposentado.





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