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A redução do risco jurídico do crédito como forma de diminuição das taxas de juros no país

Antonio Carlos M. Guzman, Ricardo Simões Russo e Renato José Cury

De forma a promover um crescimento econômico estável, o governo federal vem há tempos estudando alternativas visando a redução das taxas de juros praticadas no mercado, com o intuito de aumentar a concessão de crédito no País.

quinta-feira, 6 de maio de 2004

Atualizado em 5 de maio de 2004 15:26

 

A redução do risco jurídico do crédito como forma de diminuição das taxas de juros no país

 

O exemplo do leasing

 

Antonio Carlos M. Guzman

 

Ricardo Simões Russo

 

Renato José Cury*

 

De forma a promover um crescimento econômico estável, o governo federal vem há tempos estudando alternativas visando a redução das taxas de juros praticadas no mercado, com o intuito de aumentar a concessão de crédito no País.

 

Para tanto, dentre as alternativas analisadas pelo governo, vale destacar (a) a criação de um cadastro positivo de informações (central de risco), de forma a melhorar a análise por instituições financeiras dos potenciais candidatos a crédito; (b) o incremento das operações de crédito eletrônicas; (c) a redução do chamado risco jurídico do crédito, dentre outras.

 

No tocante específico ao chamado risco jurídico do crédito, um bom exemplo de como a redução de referido risco amplia a oferta de crédito no mercado foi o cancelamento, em agosto do ano passado, da Súmula 263 do Superior Tribunal de Justiça1, a qual previa a descaracterização do contrato de arrendamento mercantil (leasing) quando da cobrança antecipada do valor residual. Uma vez cancelada referida súmula, o volume de novos negócios no setor de leasing vem apresentando ótimo crescimento, segundo dados recentes de mercado2.

 

Não obstante, a redução do risco jurídico em operações de crédito não pode apenas estar sujeita a decisões do Judiciário acerca dos termos e condições aplicáveis a determinadas operações de crédito. Referida redução, ao nosso ver, envolveria também uma análise de eventuais indefinições ou problemas que afetam os atuais mecanismos de crédito, visando o seu aperfeiçoamento e uma melhoria das perspectivas de referidos mecanismos. O presente trabalho aborda este tema, no tocante às operações de arrendamento mercantil ou leasing.

 

I. - Vantagens das Operações de Leasing

 

Aspectos Principais

 

Praticado no Brasil há mais de três décadas, o leasing é, atualmente, uma ótima modalidade de crédito, sendo amplamente utilizada em operações de financiamento de bens e equipamentos (veículos, aeronaves, equipamentos de informática, máquinas e equipamentos industriais, etc)3.

 

Em conformidade com a legislação aplicável vigente, o leasing é uma operação financeira, através da qual a sociedade arrendadora adquire um bem por solicitação de seu cliente (arrendatário), e arrenda referido bem ao cliente por prazo determinado, mediante o pagamento de contraprestação. Findo o prazo, o cliente terá a opção de adquirir o bem, renovar o prazo contratual ou devolver o bem à instituição arrendadora.

 

Sob o ponto de vista do arrendatário, o leasing é vantajoso uma vez que permite, por exemplo, que uma empresa modernize seu ativo e amplie a sua capacidade produtiva, mediante a aquisição de um bem ou equipamento moderno e de elevado valor sem que precise realizar investimento próprio, com a possibilidade de quitar as prestações devidas com o lucro operacional obtido.

 

No caso do arrendador, vale notar que este permanece com a propriedade do bem arrendado até o prazo final da operação, quando então, caso o arrendatário exerça a opção de compra, a propriedade é transferida. Durante a operação, tão somente o direito de uso e gozo do bem são cedidos, temporariamente, ao arrendatário, mediante o pagamento de certa retribuição.

 

Modalidades de Leasing

 

Quando da celebração do contrato de leasing, as partes, observados os seus interesses e os termos e condições que desejam à operação, podem escolher dentre duas modalidades de leasing previstas na legislação vigente: leasing operacional ou leasing financeiro.

 

Apesar de deter alguma similaridade com a locação, o leasing operacional não se confunde com esta, uma vez que possui tipicidade própria. Dentre suas principais características vale citar: (a) o valor presente devido pelo arrendatário não pode ultrapassar 90% do custo do bem; (b) é vedada a previsão de pagamento de resíduo do valor do bem durante o prazo contratual (o que, a princípio, significa que as prestações devidas terão valor menor em comparação com outras operações de crédito, bem como com o leasing financeiro); (c) ao término do contrato, se o arrendatário quiser ficar com o bem, poderá comprá-lo pelo valor de mercado; e (d) o prazo mínimo da operação é de 90 dias.

 

No leasing financeiro, os pagamentos devidos pelo arrendatário devem ser suficientes para que a arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual e, ainda, obtenha retorno sobre os recursos investidos. As despesas de manutenção e demais serviços relacionados ao contrato são de responsabilidade da arrendatária (no operacional, as partes podem determinar a responsabilidade neste tocante), e o valor da opção de compra pode ser livremente pactuado pelas partes. O prazo mínimo da operação pode ser de 2 ou 3 anos, dependendo do prazo de vida útil do bem objeto do contrato.

 

Aspectos Processuais

 

Observadas as suas características em comparação a outras formas de financiamento, o leasing traz vantagens sob o ponto de vista processual, uma vez que todas e quaisquer controvérsias quanto ao bem arrendado restringir-se-ão à sua posse direta (física), excluindo-se, de pronto, eventuais disputas acerca de sua propriedade.

 

De fato, tão logo observado o descumprimento de obrigações líquidas e positivas, tais como o pagamento das contraprestações devidas, no tempo, lugar e forma estabelecidos contratualmente, restará caracterizada de pleno direito a mora ex re, que conferirá, ao arrendador, dentre outros, o direito de resolver imediatamente o contrato de arrendamento mercantil e requerer judicialmente a reintegração liminar da posse do bem. Neste caso, e uma vez reintegrado na posse do bem, a nosso ver seria possível ao arrendador aliená-lo a terceiros, independentemente de autorização ou sentença judicial.

 

Aspectos Fiscais

 

As operações de leasing são também muito atrativas, quando comparadas a outras modalidades convencionais de crédito, em vista de seus aspectos fiscais. Em termos gerais, o leasing proporciona ao arrendatário uma considerável economia fiscal de seu lucro tributável, uma vez que as contraprestações pagas ao arrendador são passíveis de dedução da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL.

 

Ademais, cumpre-nos destacar ainda as seguintes vantagens fiscais aplicáveis às operações de leasing: (a) não encontram-se sujeitas à incidência do IOF - Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários; (b) estão sujeitas à alíquota zero da CPMF - Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, os desembolsos realizados pelo arrendador na aquisição do bem ou do equipamento; (c) dependendo do bem ou do equipamento a ser arrendado, existe a possibilidade de o arrendador depreciá-los de forma acelerada, revertendo-se os benefícios daí decorrentes ao próprio arrendatário; (d) em que pesem as discussões doutrinárias e jurisprudenciais atuais que giram em torno das operações de leasing no tocante à incidência do ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Telecomunicação, a nosso ver, é possível afastar, em juízo, a incidência desse imposto sobre as operações que envolvam a circulação de bens objeto do arrendamento mercantil; e (e) muito embora a Lei Complementar nº 116 de 2003 tenha incluído as operações de leasing em seu rol de serviços sujeitos ao ISS - Imposto sobre Serviços, a nosso ver, é ainda possível afastar referida exação sobre o valor das contraprestações a serem pagas pelo arrendatário, em vista de entendimento já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal - STF no que diz respeito à questão da locação de bens móveis, uma vez que as operações de leasing equiparam-se a estas últimas em sua essência e, conseqüentemente, refletem mera obrigação de dar e não de fazer.

 

II. - Sugestões às Atuais Regras Aplicáveis ao Leasing

 

Não obstante a importância e o volume de operações de leasing observadas atualmente no País, nota-se ainda a ausência de norma que trate exclusiva e especificamente desta modalidade de crédito. Atualmente, os termos e condições aplicáveis às operações de leasing encontram-se estabelecidos, basicamente, por uma lei tributária - Lei nº 6099, de 12.9.1974 (conforme alterada pela Lei nº 7132, de 26.10.1983) - e por normas emitidas pelo Banco Central do Brasil - e.g., Resolução nº 2309, de 28.8.1996 - que tratam das condições financeiras da operação e dos termos que devem estar previstos no contrato de leasing.

 

Assim sendo, ao nosso ver, a aprovação de uma norma que trate do leasing de forma exclusiva, tipificando a operação, descrevendo seus termos e condições principais, listando as cláusulas contratuais básicas, e ainda aproveitando algumas disposições das regras atualmente aplicáveis, reduziria eventuais riscos da operação, impulsionando ainda mais o arrendamento mercantil no País.

 

Ademais, alguns outros aspectos podem ser analisados e incluídos em referida norma (ou ao menos aproveitados nas regras atualmente existentes), como por exemplo: (a) melhor conceituação do valor residual garantido; (b) flexibilização das condições aplicáveis à operação; (c) melhor definição do valor da opção de compra do bem arrendado (principalmente com relação às operações de leasing operacional); (d) melhor caracterização do inadimplemento do arrendatário, para fins de uma ágil reintegração de posse do bem arrendado; (e) previsão do pagamento de depósito em garantia ou reserva de manutenção pelo arrendatário (conforme já previstos em operações de leasing internacional); (f) criação de vantagens fiscais adicionais ao arrendador e ao arrendatário, dentre outros.

 

III. - Conclusão

 

Atualmente, existem no País diversas modalidades de crédito, visando o financiamento de bens e equipamentos em geral, dentre as quais destaca-se o arrendamento mercantil ou leasing. No entanto, o custo do investimento no Brasil ainda é considerado elevado, o que é demonstrado pelas taxa de juros e pelo spread bancário verificados no presente momento.

 

O aperfeiçoamento das normas aplicáveis à referidas modalidades de crédito, com o intuito de diminuir os riscos inerentes ao crédito, possibilita uma maior clareza no tocante aos direitos e obrigações das partes envolvidas em operações creditícias e, ao nosso ver, permitirá uma redução nas taxas de juros praticadas no mercado, criando condições para o crescimento econômico do País.

 

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1No tocante ao cancelamento da Súmula 263, vide Anexo ao BI nº 1.776 - "Cancelamento da Sumula 263 do Superior Tribunal de Justiça: A Questão do Pagamento do Valor Residual Garantido no Leasing".

2Conforme dados de mercado, na comparação do mês de setembro de 2003 com junho do mesmo ano, os desembolsos no setor de leasing aumentaram 76,63% (ademais, vale notar que até o mês de setembro do ano passado, o volume de negócios na área de leasing girou em torno de R$ 3,6 bilhões).

3Por exemplo, em 2002, as operações de leasing, principalmente no setor de máquinas e equipamentos industriais apresentaram elevado crescimento, conforme balanço referente ao citado ano elaborado pela Associação Brasileira das Empresas de Leasing - ABEL.

 

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*Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados


* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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