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Second Life e a Interação com a Propriedade Intelectual

Marcio Junqueira Leite e Natália Bovenzo Alves

"O mundo em 3D, totalmente desenvolvido por seus usuários". Esta é a definição mais sintética do Second Life, um dos maiores fenômenos atuais da internet. Considerado uma "vida paralela", o programa é um verdadeiro universo digital em que pessoas comuns e empresas convivem como se estivessem em um ambiente real, realizando projetos, divulgando produtos e serviços, e criando, inclusive, operações financeiras.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Atualizado em 23 de outubro de 2007 13:51


Second Life e a Interação com a Propriedade Intelectual

Márcio Junqueira Leite*

Natália Bovenzo Alves**

"O mundo em 3D, totalmente desenvolvido por seus usuários"1. Esta é a definição mais sintética do Second Life, um dos maiores fenômenos atuais da internet. Considerado uma "vida paralela", o programa é um verdadeiro universo digital em que pessoas comuns e empresas convivem como se estivessem em um ambiente real, realizando projetos, divulgando produtos e serviços, e criando, inclusive, operações financeiras.

O Second Life é um espaço tridimensional no qual os usuários têm, em princípio, a oportunidade de se expressar sob qualquer maneira e forma, o que não seria possível no mundo real. Simulando todos os aspectos da vida social, o Second Life pode ser encarado como um jogo, um mero simulador, um comércio virtual ou uma rede social. O que mais destaca o programa é que, diferentemente de jogos, que são inteiramente desenvolvidos por empresas e possuem objetivos claros e específicos, o Second Life foi criado e se expande de acordo com as idéias de seus próprios usuários, não possuindo nenhum rumo fixo a ser seguido.

Desde sua criação, no ano de 2003, o programa atingiu mais de seis milhões de usuários, tornando-se presente em diversos países, inclusive no Brasil. Por ser um ambiente onde é possível fantasiar os planos, até então impossíveis de serem atingidos na vida real, atraiu os mais variados tipos de público. Essa atuação chamou a atenção de grandes empresas, pois, de acordo com as últimas estatísticas fornecidas pelos detentores do Second Life, os negócios virtuais desenvolvidos no site teriam ultrapassado a soma de três bilhões de dólares norte-americanos.

Assim, buscando maior aproximação com o público e visando o posicionamento de suas marcas, as empresas passaram a operar no Second Life estabelecendo-se em suas chamadas "ilhas" (ou "comunidades"). De forma pioneira, bancos introduziram "Wellcome Centers", onde funcionários virtuais apresentam a história da instituição, esclarecem dúvidas e vendem produtos, tais como cartões de crédito (nesse caso, o usuário é automaticamente transferido para o site do próprio banco).

Além disso, empresas aéreas realizam vôos virtuais e comercializam passagens; editoras criaram versões digitalizadas de revistas; grupos musicais veiculam clipes e divulgam seus CDs; companhias automobilísticas realizam diversos test-drive e expõem seus carros. Existem, inclusive, agências de publicidade que criam anúncios e marketing especificamente para propagação no Second Life.

Por ser um ambiente totalmente virtual, a questão que se coloca é se o Second Life estaria alheio a qualquer norma jurídica, ou se, por outro lado, seria necessária uma legislação específica para regular as atividades desenvolvidas dentro daquele ambiente.

Trata-se de discussão que remonta ao início da internet, quando se chegou a defender que o "ambiente virtual" necessitaria de uma legislação própria. Tanto assim que, até hoje, existem em tramitação no Congresso Nacional projetos de lei como o SF PLS n°. 00076/2000 (clique aqui) de autoria do Senador Renan Calheiros, que "Define e tipifica os delitos informáticos, e dá outras providências".

Não obstante a ausência de regulamentação específica, em virtude dos diversos problemas surgidos na internet ou a partir de atividades nela realizadas, a jurisprudência pacificou o entendimento de que, em geral, a internet é apenas mais um meio para a prática de atividades pessoais ou empresariais2.

Dessa forma, uma fraude cometida pela internet não deixa de ser reprimível em razão do ambiente em que realizada; uma ofensa à honra é passível se ser questionada tal qual se estivesse impressa em papel; e, um crime de estelionato, por exemplo, praticado através de um computador, sofrerá a mesma punição daquele cometido pessoalmente. Destaquem-se, nesse aspecto, as diversas ações ajuizadas contra detentores de "comunidades" no site de relacionamentos Orkut, de caráter ofensivo ou que conduzem atividades ilícitas3.

Porém, diferentemente dessas outras situações, onde relações reais ocorrem através do ambiente virtual, no Second Life podem existir situações estritamente virtuais, conduzidas por "avatares" (imagem virtual adotada pelos usuários do programa), cujos efeitos, em princípio, diriam respeito apenas ao ambiente do Second Life.

Mesmo diante dessa peculiaridade, o Second Life não é desprovido de regulamentação jurídica. Isso porque muitas das operações financeiras nele celebradas são trazidas para a realidade, as propagandas veiculadas são verdadeiras e as criações intelectuais desenvolvidas têm influência no mundo real, de modo que são passíveis de proteção.

Dentre os direitos que merecem especial atenção no Second Life, destacam-se a imagem, as criações intelectuais e, em especial, as marcas. Protegidas na forma da Lei nº. 9.279/96 - Lei da Propriedade Industrial (clique aqui), as marcas são resguardadas em todo o território nacional, de maneira que seu titular detém todos os direitos que lhe são conferidos para seu uso exclusivo, podendo impedir que terceiros utilizem expressões idênticas ou semelhantes, inclusive no espaço virtual.

Já o direito de proteção à imagem está previsto nos incisos V e X do artigo 5º da Constituição Federal (clique aqui), bem como no Código Civil (clique aqui), sendo assegurada, além da cessação de seu uso indevido, indenização por danos morais e materiais decorrentes de sua violação. Dessa forma, qualquer infração à imagem de pessoas reais, ocorrida no ambiente do Second Life, está sujeita ao controle jurisdicional e à imposição de sanções legais.

Com efeito, próprio Second Life possui uma proteção à imagem virtual ("avatar") dos seus usuários. Conforme palestra proferida por Emiliano Castro, diretor de marketing do Second Life Brasil, no Seminário "O Ambiente de Negócios no Second Life" desenvolvido pela Revista INFO, em 21.6.2007, por ser considerado uma extensão do mundo real, os usuários do Second Life têm seus direitos protegidos, não sendo permitido a utilização de imagens dos "avatares" sem autorização, tampouco de trechos de conversas para publicação.

Podemos mencionar, também, as violações a criações intelectuais, como a reprodução de livros, músicas e videoclipes, o que configura contrafação a direito autoral cuja proteção está estabelecida na Lei nº. 9.610/98 ("Lei dos Direitos Autorais" -clique aqui -) , sujeitando o infrator às sanções ali contidas, além do pagamento de indenização caso comprovada a violação.

Não estão afastadas, ainda, violações de outros direitos, como o nome empresarial, ou, ainda, atos de concorrência desleal praticados por competidores naquele ambiente virtual, todos sujeitos à repreensão jurídica aos seus agentes no mundo real.

Dessa forma, ainda que presente no universo virtual, a regulação jurídica do Second Life, embora sujeita a certas dificuldades, não pode ser afastada. Por ser considerado um fenômeno que se faz cada vez mais presente na vida real, os atos praticados naquele ambiente devem seguir os preceitos legais, a fim de se evitar que a ofensa a direitos, em especial de Propriedade Intelectual, seja praticada ou reste impune.

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1 Definição extraída do Almanaque Virtual UOL in: (clique aqui)

2 "Crime de Computador": publicação de cena de sexo infanto-juvenil (E.C.A., art. 241), mediante inserção em rede BBS/Internet de computadores, atribuída a menores: tipicidade: prova pericial necessária à demonstração da autoria: HC deferido em parte. 1. O tipo cogitado - na modalidade de 'publicar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente' - ao contrário do que sucede, por exemplo, aos da Lei de Imprensa, no tocante ao processo da publicação incriminada é uma norma aberta: basta-lhe à realização do núcleo da ação punível a idoneidade técnica do veículo utilizado à difusão da imagem para número indeterminado de pessoas, que parece indiscutível na inserção de fotos obscenas em rede BBS/Internet de computador. 2. Não se trata no caso, pois, de colmatar lacuna da lei incriminadora por analogia: uma vez que se compreenda na decisão típica da conduta criminada, o meio técnico empregado para realizá-la pode até ser de invenção posterior à edição da lei penal: a invenção da pólvora não reclamou redefinição do homicídio para tornar explícito que nela se compreendia a morte dada a outrem mediante arma de fogo. 3. Se a solução da controvérsia de fato sobre a autoria da inserção incriminada pende de informações técnicas de telemática que ainda pairam acima do conhecimento do homem comum, impõe-se a realização de prova pericial." (Hábeas Corpus n°. 76.689/PB. Primeira Turma. Relator Ministro Sepúlveda Pertence. Julgamento em 22 de setembro de 1998).

3 AGRAVO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. INTERNET. ORKUT. COMUNIDADE DE RELACIONAMENTO. RETIRADA DO LINK DO AR POR CONTER CONTEÚDO AGRESSIVO À DIGNIDADE DA PESSOA. OBRIGAÇÃO DE FAZER SUJEITA A PENA DIÁRIA PELO DESCUMPRIMENTO. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS DE CONCESSÃO DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. AGRAVO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº. 70015660707, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 31.8.2006). Outras decisões podem ser encontradas no site (clique aqui).

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*Advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados

**Assistente da Área Contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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