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O Judiciário na Monarquia

O Judiciário independente de Portugal aconteceu em 1808, quando a família real chegou ao Brasil. A Bahia foi escolhida para sediar o Tribunal mais antigo, mas a desvinculação de Portugal só se deu com a instalação da Casa de Suplicação no Rio de Janeiro, em maio de 1808. Muitos fatos aconteceram antes da chegada de D. João VI.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Atualizado em 23 de janeiro de 2008 11:06


O Judiciário na Monarquia

Antonio Pessoa Cardoso*

O Judiciário independente de Portugal aconteceu em 1808, quando a família real chegou ao Brasil. A Bahia foi escolhida para sediar o Tribunal mais antigo, mas a desvinculação de Portugal só se deu com a instalação da Casa de Suplicação no Rio de Janeiro, em maio de 1808. Muitos fatos aconteceram antes da chegada de D. João VI.

Praticamente começamos com o Desembargo do Paço, que era o Tribunal Supremo, de relevância na monarquia portuguesa; ganhou notoriedade no reinado de D. João II de Portugal; em 1521 tornou-se autônomo, com a publicação do regimento especial, pelas Ordenações Manuelinas; em 1533 foi regulamentado, constituído de um Presidente, Mesa do Desembargo, Repartição das Justiças e do Despacho da Mesa e Repartição das Comarcas. Cada órgão destes tinha uma atribuição.

Já nesta época os desembargadores do Paço eram acusados de lentos e corruptos nas decisões que proferiam.

Apesar do caráter eminentemente revisional, historiadores consideram o Desembargo do Paço como órgão mais administrativo do que mesmo judicial. Ninguém nega, entretanto, que o Tribunal dos Desembargadores do Paço reexaminava os processos originários da Câmara Cível ou da Casa de Suplicação. Eles possuíam poderes superiores aos dos outros tribunais, pois solucionavam, em última instância, desentendimentos complexos entre governo e justiça. Dentre outras eram atribuições do Desembargado do Paço: expedir, em nome do rei, alvarás e provisões referentes a questões judiciais, graças e mercês; expedir alvarás de fiança; despachar petições e perdões; comutar condenações ou penas; confirmar eleições de magistrados.

Filipe II de Portugal ampliou os poderes do Desembargo, quando expediu novo regimento, em 9.3.1605, autorizando-o a passar provisões, enquanto não viessem assinadas pelo rei; os conflitos de jurisdição entre a Casa do Cível e a Casa da Suplicação eram de competência do Desembargo, presidido pelo rei e em constante ampliação de seus encargos; todos os outros tribunais eram dirigidos pelos Governadores.

O Desembargo do Paço e a Casa da Suplicação, até início do século XVI, eram conhecidos também como Tribunal da Corte ou Casa da Justiça.

Por estes tempos, o rei julgava e legislava!

Em hierarquia inferior ao Desembargo do Paço contava-se com:

Relações Reinóis, composta da Casa da Suplicação, na qual integravam os Desembargadores da Mesa Grande, presidido pelo Regedor das Justiças, da Mesa dos Desembargadores Extravagantes, Mesa dos Agravistas, Mesa da Ouvidoria do Crime, Juízos e Ouvidorias; Casa da Relação do Porto, composto pelo Governador, Secretaria-Geral, Contadoria, Executória e Cofre; as Relações Ultramarinas que cuidavam dos territórios da Índia: Relação da Índia ou de Goa, 1544, e do Brasil: Relação de São Salvador da Bahia, 1609, Relação de São Sebastião do Rio de Janeiro, 1751, posteriormente, em 1808, Casa da Suplicação do Brasil, Relação de São Luis do Maranhão, 1812 e Relação de Vila do Recife, de Pernambuco, 1821.

Entre 1534/1536, com a divisão do Brasil em Capitanias Hereditárias, constituiu-se a primeira organização política e judiciária do país, tendo por base o sistema português. Como não deu certo, D. João III, criou um governo-geral, que já traziam seus ouvidores, competentes para solução das causas judiciárias e administrativas.

Na Bahia, Tomé de Souza desembarcou no dia 29.3.1549, acompanhado do Provedor da Real Fazenda, Antonio Cardoso de Barros e do ouvidor geral, Pedro Borges de Souza, desembargador da Casa da Suplicação. O ouvidor fazia correições na Bahia e em todas as capitanias, revisando as sentenças dos outros ouvidores.

O povo reclamava muito dos ouvidores e lutava pela criação de um juízo coletivo; assim surgiu o primeiro Tribunal do Brasil, Relação do Estado do Brasil, na Bahia, criado em Salvador, em 1587, e instalado em 7.3.1609, no governo de Diogo Botelho, através de Alvará expedido por D. Filipe III; o distanciamento entre a criação e instalação deveu-se a sério contratempo na viagem dos desembargadores de Lisboa para a Bahia. O navio no qual embarcaram, juntamente com o governador nomeado, Francisco Geraldes, teve de retornar, face aos ventos fortes que impediram a chegada ao Brasil.

A Casa de Suplicação do Rio de Janeiro, teve como modelo a Suplicação de Lisboa. Antes da Suplicação, Alvará de 5.6.1619, cria a Ouvidoria do Rio de Janeiro e em 7 de novembro a do Maranhão.

O Tribunal de Relação do Brasil na Bahia era formado por dez desembargadores nomeados pelo rei: um Ouvidor Geral, um chanceller, três desembargadores dos Agravos e Apelações, dois desembargadores extravagantes, um juiz dos Feitos da Coroa, Fazenda e Fisco, um procurador dos Feitos da Coroa, Fazenda e Fisco, que acumulava a função de Promotor Público, e um Provedor dos Defuntos e Resíduos. O governador tinha o poder de intervenção na Relação e se servia dela como seu órgão consultivo para assuntos políticos e administrativos.

Os desentendimentos e a invasão holandesa provocaram o fechamento da Relação do Brasil na Bahia em 1626; veio a ser restaurada em 1653, por D. João VI, diminuindo sua composição de dez para oito desembargadores.

Em agosto de 1833, o Desembargo do Paço foi extinto, passando sua atribuição para a Secretaria de Estado do Rio e dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça.

A Bahia perde o título de Relação do Brasil, mas permanece com a Relação da Bahia; é criada a Relação do Rio de Janeiro, quase um século depois, no dia 13.10.1751, por meio de Alvará assinado por D. José I. A nova Relação tinha jurisdição sobre Minas Gerais e as Capitanias do Sul do Brasil. Segue-se, em 1812, a instalação da Relação do Maranhão e em 1821, a Relação de Pernambuco.

Tornou-se mais complexa a inexistência de um Tribunal de Recursos no Brasil, depois da invasão de Portugal pelas tropas de Napoleão; assim é que D. João, através de Alvará datado de 10.5.1808, transforma a Relação do Rio de Janeiro em Casa da Suplicação.

O ato dispunha que:

"I - A Relação desta cidade se denominará Casa da Suplicação do Brasil, e será considerada como Superior Tribunal de Justiça para se findarem ali todos os pleitos em última instância, por maior que seja o seu valor, sem que das últimas sentenças proferidas em qualquer das Mesas da sobredita Casa se possa interpor outro recurso, que não seja o das Revistas, nos termos restritos do que se acha disposto nas Minhas Ordenações, Leis e mais Disposições. E terão os Ministros a mesma alçada que têm os da Casa da Suplicação de Lisboa. (...)"

Criou-se depois a Mesa do Paço e da Consciência e Ordens, por meio de Alvará datado de 22.4.1808, órgão da administração pública, com competência sobre assuntos relativos à Mesa do Desembargo do Paço, à Mesa da Consciência e Ordem e ao Conselho Ultramarino; solucionava assuntos sobre graças e mercês, súplicas, requerimentos, privilégios, legitimações, relativas ao Desembargo; questões religiosas estavam entregues à Consciência e Ordens; negócios de ultramar seriam resolvidos pelo Conselho Ultramarino; veio em seguida, em 1º de abril, o Conselho Supremo Militar de Justiça e o Tribunal da Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, em 23 de agosto. A partir daí, não se usava mais a Justiça de Portugal, porque o Rio de Janeiro já dispunha da Suplicação.

O Supremo Tribunal de Justiça foi criado por lei de 18.9.1828 e instalado em 1829, em substituição à Casa de Suplicação; julgavam recursos e conheciam atos dos ministros e membros do alto escalão do governo, assim como os conflitos de jurisdição; era composto por dezessete magistrados, originados das Casas de Relações; recebiam a denominação de Conselheiros e tratamento de Excelência; o primeiro presidente foi o Conselheiro José Albano Fragoso e era nomeado pelo Imperador.

Os desembargadores que formavam a Relação proferiam sentenças monocrática e coletivamente. A Relação era o poder da Coroa, em contraposição ao poder dos governadores das Capitanias e das Câmaras Municipais.

A Constituição Republicana (clique aqui) extingue a Relação da Bahia e cria um Tribunal de Apelação e Revista, que começou a funcionar em 1892 com a mesma estrutura; muda a denominação de seus membros de Desembargador para Conselheiro, na forma prevista na Constituição; os juizes do Tribunal só voltaram a receber o título de desembargadores com a reforma constitucional de 1915. O Tribunal da Bahia mudou de nome em 1935 para Corte de Apelação e somente em 1957 recebe a atual denominação de Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

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Desembargador do TJ/BA






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