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Incentivos a montadoras e soberania nacional

Destacou-se no noticiário do último dia 29 de maio a preferência que a política industrial do governo empresta ao setor automobilístico. O jornal O Estado de S. Paulo, destaca, a propósito, que as montadoras multinacionais, que de forma hegemônica operam nesse segmento relevante, vão receber mais da metade dos incentivos fiscais concedidos pelo governo, conforme os dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

terça-feira, 10 de junho de 2008

Atualizado às 09:51


Incentivos a montadoras e soberania nacional*

Modesto Carvalhosa**

Destacou-se no noticiário do último dia 29 de maio a preferência que a política industrial do governo empresta ao setor automobilístico. O jornal O Estado de S. Paulo, destaca, a propósito, que as montadoras multinacionais, que de forma hegemônica operam nesse segmento relevante, vão receber mais da metade dos incentivos fiscais concedidos pelo governo, conforme os dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Para essas multinacionais, dos R$ 6,1 bilhões do projeto governamental, vão ser alocados R$ 3,2 bilhões, ou seja, a metade de todos os incentivos ao setor industrial brasileiro, até 2011.

Essa notícia da concentração de incentivos num único segmento causou um grande choque na opinião pública, levando a uma reação negativa de diversos economistas e especialistas em finanças públicas, inclusive do ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Júlio Sergio Gomes de Almeida. A perplexidade funda-se, sobretudo, na invejável prosperidade das multinacionais do setor de fabricação de veículos sediadas no Brasil, cujas produção e vendas contrastam com as de suas matrizes, muitas delas com prejuízos fabulosos acumulados nos últimos anos. Basta dizer que as multinacionais automobilísticas que operam no Brasil têm remetido seus lucros de forma significativa, exatamente por constituírem exceções na difícil conjuntura do setor em outros países - europeus e notadamente nos EUA. Anotem-se, a propósito, os benefícios que têm as multinacionais automobilísticas no Brasil, por força da manutenção relativa dos preços dos combustíveis induzida pelo governo, via renúncia de impostos, num mundo em que o petróleo ultrapassou o nível recorde de US$ 130 o barril neste ano. Esse incentivo de preços quase administrados é que leva as multinacionais montadoras aqui localizadas a baterem recordes de produção. Conforme notícia ainda do Estado, até abril do corrente ano 1,1 milhão de carros já tinham sido vendidos, o que representa alta de 31% na comparação com o mesmo período de 2007.

Posta a situação desse modo, resta saber o porquê dessa preferência governamental. Trata-se de decisão política que exige ampla discussão, vale dizer, uma manifestação clara da opinião pública a esse respeito. Acontece que a sociedade brasileira não tem nenhum dado contábil sobre a situação patrimonial e financeira da imensa maioria dessas multinacionais. Isso porque, a partir dos anos 80, quase todas as montadoras aqui sediadas foram convertidas em sociedades limitadas, a despeito da enorme dimensão que ostentam e de sua posição hegemônica no setor em que operam. E essa conversão de sociedades anônimas em limitadas foi feita com o propósito de se dispensarem da publicação de seus balanços e, assim, impedir a transparência de suas relevantes atividades no País. O motivo alegado de tal distorção é o de evitar a concorrência das congêneres do setor, o que parece desarrazoado e incompatível com a total revelação dos números contábeis dessas mesmas empresas nos demais países.

A ausência absoluta de dados sobre a grandeza dos números patrimoniais e financeiros dessas montadoras limitadas afeta a própria soberania nacional, pois essas empresas, refugiadas na forma de limitadas, reportam sua situação econômica unicamente às suas matrizes e, ainda, por via de consolidação de balanço de todo o grupo em escala mundial, portanto, sem que a opinião pública no Brasil tenha a menor idéia ou alcance sobre as suas demonstrações financeiras de cada exercício social, guardadas a sete chaves. Diante dessa situação constrangedora, o presidente da República sancionou em 28 de dezembro último a Lei nº. 11.638 (clique aqui) e remeteu ao Congresso Nacional projeto de lei que, a par da uniformização internacional das contas dos balanços das grandes empresas, determina que as limitadas de grande porte publiquem seus balanços anuais, equiparando-as às companhias abertas nessa matéria, ou seja, submetendo ao regime jurídico das demonstrações financeiras ordenado na Lei Societária (artigo 176 e seguintes) também aquelas limitadas com faturamento anual superior a R$ 240 milhões ou receita bruta superior a R$ 300 milhões (artigo 3º da nova lei).

Assim, a publicação dos balanços anuais das grandes multinacionais - e nelas os das montadores - é medida de ordem pública cuja importância é evidente. Não obstante esse claro objetivo da nova lei - transparência do estado patrimonial e financeiro das grandes multinacionais sediadas no Brasil -, existem opiniões que entendem devam as grandes limitadas manter o anonimato de seus balanços, invocando contorcidos argumentos de diversas espécies para reduzir a nova lei, nesse particular, a uma absoluta inutilidade. Segundo esse grupo de consultores, as montadoras limitadas deverão elaborar seus balanços conforme o novo diploma legal e ainda auditá-los, para, em seguida, engavetá-los, não permitindo, dessa maneira, que a sociedade brasileira possa conhecer da real situação dessas empresas de vital importância para o País.

Espera-se, portanto, que o governo federal, ao acenar com os benefícios e incentivos que pretende atribuir às montadoras, exija daquelas que são limitadas, na estrita conformidade da nova Lei Societária de dezembro de 2007, que publiquem seus balanços na forma como o fazem as sociedades anônimas em geral. Sem as publicações dos balanços dessas empresas a opinião pública nacional vai continuar perplexa e, assim, incapaz de debater a oportunidade e a adequação ao interesse público desses anunciados incentivos endereçados ao próspero setor automotivo que opera no País.

Na ausência de publicação desses balanços das montadoras limitadas, a causa e a motivação do governo em beneficiar o setor automobilístico permanecerão secretas, tanto quanto os próprios dados econômicos dessas beneficiárias. Onde ficariam a opinião pública e o Congresso Nacional em tudo isso?

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*Artigo publicado em O Estado de S. Paulo no dia 10 de junho de 2008.
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**Advogado do escritório Carvalhosa, Eizirik, Ochman e Real Amadeo Advogados








 

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