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Da possibilidade da penhora do bem de família do fiador nos contratos de locação

Historicamente, o instituto do bem de família foi mantido inatacável, pois foi entendido como direito fundamental social de segunda geração conforme entendimento de Norberto Bobbio1.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Atualizado às 07:39


Da possibilidade da penhora do bem de família do fiador nos contratos de locação

Carolina Mattar Leister*

Historicamente, o instituto do bem de família foi mantido inatacável, pois foi entendido como direito fundamental social de segunda geração conforme entendimento de Norberto Bobbio1. Dada a sua importância, o Estado foi obrigado a garantir sua existência através da elaboração de leis e regras de direito que tivessem o escopo de fazer cumprir a impenhorabilidade do bem de família. Assim, o legislador derivado elaborou a Lei nº. 8.009/90 (clique aqui), que estabeleceu em seu artigo 1º vedação para a penhora do bem de família, ressalvada as exceções contempladas na mesma lei em seu artigo 3º.

Com o avanço dos anos, delineou-se uma nova ordem econômica e social que, de pouco em pouco avançou sobre os direitos adquiridos em outros tempos. O Estado de "bem estar social" que até então era garantido pelo modelo constitucional brasileiro, foi aos poucos perdendo espaço para as novas concepções de administração estatal, sobretudo para a grande força do capitalismo e do modelo neoliberal que aos poucos foi ganhando importância e espaço no cenário mundial.

Verificou-se assim, uma crescente transformação das idéias e ideais dos governantes e de toda a sociedade, posto que novas concepções de mundo tomaram o lugar de modelos já não mais convenientes para o atual momento econômico e social.

Com os novos ventos que sopraram desde o inicio da década de 90, institutos como o bem de família que até então eram mantidos intocados pelo Estado, e historicamente cristalizados pela sociedade, foram aos poucos mitigados. Significando dizer que garantias que em outros tempos eram tidas como inatacáveis, ou seja, intangíveis, já que estavam relacionadas à manutenção da ordem, do progresso e da paz social, sofreram forte assédio daqueles que em nome da manutenção dos contratos, do progresso nacional e da segurança jurídica propuseram sua reconsideração.

Partindo de uma análise racional da dinâmica histórica, percebemos que os tempos mudaram e que idéias e concepções antigas já não têm mais espaço dentro do que chama-se de nova ordem mundial. O avanço dos novos meios de produção, da industrialização automatizada e das novas concepções de administração e gestão do capital, é incompatível com um sistema legal que não assegure garantias legítimas aos donos dos meios de produção e detentores da propriedade privada.

Do mesmo modo, não se pode falar em Estado forte e economicamente vigoroso quando seu sistema normativo é pouco maleável e incapaz de criar um ambiente favorável ao tão esperado crescimento sustentável.

Pode-se afirmar que nenhuma economia moderna se sustenta em um ambiente hostil, do mesmo modo, é preciso que exista segurança jurídica e, sobretudo, que os contratos sejam cumpridos, pois da manutenção destes contratos depende toda uma cadeia produtiva que uma vez cindida afeta de maneira indelével, significativa parcela da sociedade.

A prosperidade de um Estado que se pretende forte e duradouro, depende da manutenção e do respeito aos seus acordos e contratos. No momento que o poder instituído, não zela pela manutenção dos contratos a segurança jurídica estará severamente comprometida. Importante observar que, os contratos, segundo o que prega o adágio pacta sunt servanda devem ser respeitados e do mesmo modo cumpridos, pois estes fazem lei entre as partes.

A falta de segurança jurídica para oferecer um imóvel no mercado de locação, poderá trazer outras conseqüências negativas, como a diminuição da oferta de imóveis e o aumento do preço para locação. Num país onde o poder de compra de imóveis está reduzido à sofrida classe média, o aluguel não é uma opção, mas sim uma necessidade, garantindo assim, a moradia a muitos cidadãos. O déficit habitacional brasileiro aumenta ano a ano empurrando milhares de famílias ao aluguel. É possível que num curto espaço de tempo, muitos proprietários de imóveis se retirem do mercado ou reajustem para cima os valores dos aluguéis, ao considerar os riscos do negócio com a falta de um fiador capacitado a honrar o contrato principal em caso de inadimplemento do locador.

A penhorabilidade do bem de família do fiador serve também ao propósito de garantir ao investidor que no Brasil os contratos sejam cumpridos para garantir a mesma segurança jurídica aos cidadãos; promovendo assim, uma estabilidade no mercado imobiliário aos locadores particulares, e até mesmo aos locatários, pois o contrato de fiança ainda é o de mais fácil acesso a estes, sendo uma garantia segura ao locador.

As outras garantias jurídicas que nosso ordenamento jurídico dispõe aos locadores e locatários são: a caução e o seguro fiança, sendo estas muito mais onerosas e os encargos são de responsabilidade do locatário, não sendo de fácil acesso aos contratantes.

Assim cabe ao direito, como reitor da sociedade, não ferir direitos de parte a parte, fazendo justiça, sedimentando o progresso social e econômico do nosso país.

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1 v. Bobbio, Noberto. A Era dos Direitos. 8ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

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*Acadêmica de Direito





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