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A CSS e o bom contribuinte

Soa algo como próximo à loucura mansa alguém, após a extinção da CPMF, externar apoio à criação - agora por lei - da Contribuição Social para a Saúde. Na Câmara dos Deputados a votação foi apertada, apenas dois votos acima dos necessários à aprovação. A batalha transfere-se, agora, para o Senado.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Atualizado em 13 de junho de 2008 09:37


A CSS e o bom contribuinte

Francisco Cesar Pinheiro Rodrigues*

Soa algo como próximo à loucura mansa alguém, após a extinção da CPMF, externar apoio à criação - agora por lei - da Contribuição Social para a Saúde. Na Câmara dos Deputados a votação foi apertada, apenas dois votos acima dos necessários à aprovação. A batalha transfere-se, agora, para o Senado.

Considerando que a comunicação entre os homens não deve ser orientada apenas para a função de agradar - em prejuízo da verdade -, cabem aqui algumas ponderações que, espero, sejam examinadas pelo leitor de boa-fé, revoltado com a criação de "novo imposto!" em um país já por demais onerado com tributos, com retorno mínimo em benefícios sociais, notadamente na saúde.

Vamos, porém, examinar mais a fundo o problema do "imposto do cheque". Se eu estiver errado, voltarei atrás, com máximo prazer. Pelo que sei no momento, a CSS terá duplo benefício social, com um mínimo de inconveniente para o contribuinte não-sonegador. Já para os "hábeis" em evitar suas obrigações tributárias - principalmente o imposto de renda -, nenhum argumento será capaz de sensibilizá-los em favor do "imposto do cheque" porque este tem o "defeito" de alertar a Receita de que há algo "esquisito", contraditório, entre os tributos recolhidos pelo contribuinte e o montante da sua movimentação financeira. E ninguém paga imposto por gosto.

A virtude da projetada CSS não é tanto para a Saúde Pública - ainda que a ajude bastante, pois representa uma estimativa de mais de dez bilhões anuais. Principalmente agora, com o novo projeto, que obriga o governo a utilizar a verba exclusivamente para a área da saúde, o que não ocorria ao tempo da CPMF.

A principal virtude do possível CSS está em atuar como um efetivo fiscal daqueles que movimentam muito dinheiro mas dão um jeito de pagar pouquíssimo imposto de renda. E talvez outros tributos, porque não sou um especialista em tributação. O percentual da CSS é perfeitamente tolerável, 0,10%. Não vai arruinar o contribuinte que cumpre - forçadamente ou por civismo - sua obrigação de cidadão, embora contrarie terrivelmente quem está acostumado a mexer com muito dinheiro e pagando pouco tributo.

Com a CSS, quem emitir um cheque de R$100,00 pagará uma CSS de R$0,10. Quem emitir um cheque de R$1.000,00 pagará um tributo de R$1,00. Essa quantia não privará as crianças de seu leitinho.

"Mas o brasileiro já não paga muito imposto?" - perguntará o leitor indignado. Paga, mas, paga justamente porque há muita sonegação. Os que pagam desembolsam mais do que o razoável. Com uma CSS "policiando" a movimentação bancária dos hábeis em escapar da vigilância do fisco, pessoas físicas e firmas - que hoje movimentam quantias em descompasso com a menção formal de seus ganhos - passarão a declarar sua movimentação financeira com mais exatidão, temendo multas e outras penalidades. Com esse medo de sanções, a contribuição - dos que antes sonegavam - aumentará e a população, em geral, terá mais condições de, com base concreta, exigir redução dos tributos. A classe média assalariada poderia ter, futuramente, um certo alívio fiscal.

"Mas já não há um excesso de arrecadação?" Há, claro, uma arrecadação elevada, mas estamos longe de poder pagar a dívida interna, que provoca os juros altos. E o alegado efeito inflacionário da CPMF mais parece argumento fabricado, porque com sua extinção, os preços não baixaram. Pelo contrário.

"Nosso governo federal não gasta desnecessariamente e emprega, sem concurso, os 'companheiros'?" - continua o indignado leitor. O empreguismo é, realmente, o calcanhar de Aquiles, moral, do atual governo federal, mas há que se pensar também nos governos que virão. Lula é apenas o presidente do momento. De qualquer forma, qualquer medida legal que aperte mais a vigilância - mesmo indiretamente, como ocorre com o "imposto do cheque", que cruza as informações do movimento bancário com as declarações do I. Renda - não deve ser cerceada. Se todos pagarem corretamente seus tributos, com aumento da arrecadação, os impostos terão que ser reduzidos, cedo ou tarde.

Quem acha que paga imposto demais deve, paradoxalmente, torcer para que a CSS - essa insignificância percentual - passe também no Senado. Dez bilhões de reais, anuais, farão bem à saúde pública. Esta precisa ser fortalecida, porque cada vez mais pessoas idosas da classe média - ou já não tão "média" assim - estão concluindo que logo, logo, não poderão mais arcar com seus caríssimos planos de saúde. Quanto mais velho, mais cara a manutenção do plano, justamente quando a idade mina as forças do cidadão, impedindo-o de exercer função remunerada. Como diziam os antigos caubóis do Nordeste, "após a queda" - a velhice - , "o coice" - desferido pelos planos de saúde.

Em suma, repetindo, a CSS serve não só para melhorar o sistema público de saúde como ajudará, no futuro - médio ou longo -, a reduzir a carga fiscal do que pagam muito justamente porque outros não pagam nada, ou pagam menos que seriam obrigados a pagar. Não esquecer, também, que o "imposto do cheque" é a semente do "imposto único", ou quase único, que nos livrará da grande perda de tempo provocada por burocracia, papelada e contorções contábeis, ou de outra natureza, para evitar o pagamento de tributos.

Futuros candidatos, próximos ou remotos, à Presidência da República, deveriam pesar os prós e os contras da CSS, que, como já disse, tem duas vantagens e somente uma pequena desvantagem - o desembolso, quase imperceptível, de 0,10% no valor de cada cheque. O dinheiro que o cidadão paga de estacionamento do carro quando vai a um banco superará, de muito, em média, o que desembolsará com o tributo em exame. A CSS é um "fiscal" robótico, incorruptível, dispensa guias, cálculos, papeladas e protege a virtude dos fiscais que atuam na área.

Até mesmo por simples astúcia, os políticos que sonham com a Presidência da República deveriam - embora discretamente... , orientar seus representantes no Senado, no sentido da aprovação da CSS. Não só pelos motivos acima mencionados mas também porque, tendo externado, hoje, eventualmente, seu desagrado à referida contribuição, ficar-lhes-á difícil mudar de idéia, se eleitos, pedindo a aprovação de algo que antes rejeitaram. É melhor que o ônus político caia sobre o atual governo. Esqueçam, pois, o presidente em exercício e pensem nos senhores mesmos e na população, que deseja menos impostos ou pelo menos um retorno à altura do atual sacrifício contributivo.

As considerações acima foram, em parte, baseadas na consideração de que a CSS permitirá uma melhor constatação da movimentação financeira do contribuinte. Se criado, eventualmente, um mecanismo "de vigilância" tão prático e eficaz quanto a CSS para constatar a real movimentação financeira, ainda assim haveria a vantagem para a saúde pública com um tributo que não pode ser desviado para outras finalidades.

Se, eventualmente, algum leitor, com certa razão, sentiu-se melindrado com a qualificação de "sonegador", argumentando que é quase impossível sobreviver neste país sem alguma dose de "quase inocente" manobra, esqueça o melindre e pense no seguinte: se todos - realmente todos - pagarem os tributos, a carga fiscal, em geral, poderá ser progressivamente reduzida a um nível mais razoável, podendo o contribuinte brasileiro viver com menos inquietação de espírito. Isso porque, cada vez mais, o Direito Penal se insinua perigosamente no mundo dos negócios. Tranqüilidade de espírito também vale dinheiro. Bem mais que 0,10% em cada transação.

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*Desembargador aposentado do TJ/SP e Associado Efetivo do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo








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