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Um novo e democrático tribunal do júri (VIII)

A Lei nº 11.689/08, restaura a orientação original do Código de Processo Penal. É o Juiz togado quem "considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates" (art. 492, I, b).

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Atualizado em 8 de agosto de 2008 14:05


Um novo e democrático tribunal do júri (VIII)

Breves notas em torno da Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008

René Ariel Dotti*

1. A aplicação de agravantes e atenuantes

A Lei nº 11.689/08 (clique aqui), restaura a orientação original do Código de Processo Penal (clique aqui). É o Juiz togado quem "considerará as circunstâncias agravantes ou atenuantes alegadas nos debates" (art. 492, I, b). A propósito, vale a releitura da Exposição de Motivos: "A relativa individualização da pena, segundo as normas do estatuto penal que entrará em vigor a 1º de janeiro do ano vindouro1, não pode ser confiada ao conselho de sentença, pois exige, além da apreciação do fato criminoso em si mesmo, uma indagação em torno de condições e circunstâncias complexas, que não poderiam ser objeto de quesitos, para respostas, de plano. Assim ao conselho de sentença, na conformidade do que dispõe o projeto, apenas incumbirá afirmar ou negar o fato imputado, as circunstâncias elementares ou qualificativas, a desclassificação do crime acaso pedida pela defesa, as causas de aumento ou diminuição especial de pena e as causas de isenção de pena ou de crime. No caso em que as respostas sejam no sentido da condenação, a medida da pena caberá exclusivamente ao presidente do tribunal, pois, com o meditado estudo que já tem do processo, estará aparelhado para o ajustamento in concreto da pena aplicável ao réu".2

Elimina-se, portanto, o procedimento artificial que ocorre, por exemplo, quando o Júri afirma a existência de circunstância atenuante porque pretende ver reduzida a pena a ser aplicada, e o Juiz de Direito faz a leitura das hipóteses legais de atenuação para que os jurados "escolham" uma delas.

2. A ata dos trabalhos

Tendo como referência o texto vigente do art. 495 do CPP, as seguintes as inovações são introduzidas com a Lei nº 11.689/08:

a) a ata deverá ser assinada pelo Juiz e pelas partes (art. 494), não somente pelo Juiz e o órgão do Ministério Público;

b) a referência ao interrogatório;

c) o registro dos "debates e as alegações das partes com os respectivos fundamentos" (art. 495, XIV); d) o registro da "publicidade dos atos da instrução plenária, das diligências e da sentença" (art. 495, XVII).

3. O parecer pela aprovação do Projeto

É relevante consignar os fundamentos do parecer emitido pelo Deputado Ibrahim Abi-Ackel, no seio da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados, ao apreciar o Projeto de Lei nº 4.900, de 1995. Com a experiência parlamentar de vários mandatos e a sensibilidade do advogado criminalista, especialmente na área do tribunal popular, o ex-Ministro da Justiça e responsável pela edição das Leis n°s 7.209 (clique aqui) e 7.210/84 (clique aqui), assim se manifestou:

"O presente projeto de Lei tem por finalidade alterar o Capítulo II, do Título I, Livro II - artigos 406 a 497 -, do Código de Processo Penal, que disciplina o procedimento relativo aos processos de competência do Tribunal do Júri.

"A instituição democrática do júri foi expressamente mantida na Constituição de 1988, com a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art. 5º XXXVIII). São antigos, porém, e de modo geral concordantes, os estudos orientados no sentido de modernizá-lo, simplificando-lhe o procedimento e conferindo-lhe maior eficácia.

"O anteprojeto José Frederico Marques, de 1970, bem como os projetos de Código de Processo Penal de 1975 e de 1983, já inseriram modificações substanciais no procedimento do Tribunal do Júri, na mesma linha de simplificação de atos processuais consagrada no Projeto. Essa simplificação vem sendo imposta pela conveniência da celeridade do processo e pela busca da eficácia jurisdicional.

"O projeto de Código de Processo Penal, de 1983, aprovado com modificações na Câmara dos Deputados e retirado do Senado por iniciativa do Poder Executivo, foi o que mais incisivamente tratou da simplificação do procedimento relativo aos processos de competência do Tribunal do Júri, especialmente o relacionado com a formulação dos quesitos, que buscou reduzir a questões essenciais, tal como posto no projeto ora sob exame.

"Na Exposição de Motivos do referido projeto n.º 1.665, de 1983, já se fazia notar que:

'Especial por excelência - especialíssimo, portanto - é o procedimento nas causas de competência do Tribunal do Júri, cuja simplificação se tornou imperativa em face da experiência. O projeto suprime o libelo-crime acusatório e possibilita a ampliação do pedido formulado na acusação (artigo 581, in fine). Torna conciso o ato de pronúncia, preservando, porém, o caráter de decisão, ou decisão interlocutória, de que se reveste (artigos 114, parágrafo 2º, 115 e 583, parágrafo 2º). Dá tratamento inovador à formulação de quesitos, já delineada no artigo 616. E suprime o instituto ambíguo do protesto por novo Júri'.

"A modernização do Tribunal do Júri se consubstância no projeto através de outras e notáveis inovações, nascidas da observação da prática forense e recomendadas por especialistas de renome na área do Direito Processual Penal.

"Encontram-se na mensagem Presidencial as razões em que se baseou a Comissão de Juristas, para a elaboração do projeto. Convém fixar neste parecer as que mais profundamente atingem a essência do procedimento, de forma a justificar, tão completamente quanto possível, a nossa adesão ao projeto.

"A pronúncia restringe-se ao cumprimento de exigências essenciais e lacônicas, despindo sua motivação de eventual influência sobre os jurados. A decisão deverá conter-se nos estritos limites da indicação da materialidade do delito e dos indícios da autoria, suficientes para a remessa do processo do Tribunal do Júri.

"O julgamento poderá realizar-se sem a presença do acusado, o que eliminará uma das causas primordiais da prescrição. Suprime-se o chamado libelo-crime acusatório, antiga reivindicação, uma vez que à decisão de pronúncia caberá fixar os limites da acusação, abrindo-se a partir de sua intimação a oportunidade do requerimento de provas pela acusação e defesa.

"O preparo do processo, instituído no projeto, constituirá inovação das mais relevantes, pois decidirá as questões referentes à produção da prova, saneará nulidade, promoverá o esclarecimento sobre fato relevante e concentrará os atos processuais com vistas ao debate e ao julgamento da causa. Efetivar-se-á, sobretudo, nessa fase, o relatório do processo, que não se fará mais no plenário do júri.

"O projeto não somente valoriza a função de jurado, ao dar-lhe preferência, quando em igualdade de condições, nas licitações públicas, na promoção funcional, e no provimento, mediante concurso, em cargo ou função pública, como estende o alistamento do mesmo a centros comunitários como associações de bairro, instituições de ensino e núcleos populares que se desenvolvam 'de forma autônoma, à luz das garantias constitucionais, refletindo as expressões da cidadania'.

"Além de legitimar o assistente do Ministério Público para requerer o desaforamento do processo, o projeto disciplina a organização da pauta do júri em seção autônoma, o que não só descongestionará a agenda do Tribunal como ordenará a designação das datas de reunião.

"Com as normas que regularão o sorteio e a convocação dos jurados, resguardado o interesse das partes em acompanhar o sorteio, mediante prévia intimação, entra o projeto em inovações ainda significativas, dominado pela preocupação de facilitar aos jurados a mais ampla compreensão do fato submetido ao seu julgamento.

"O projeto institui claramente o critério do cross examination, mediante o qual as perguntas são feitas diretamente às testemunhas e ao próprio acusado diretamente pelas partes e jurados. Proporciona ao jurado maior liberdade para a formação de seu convencimento, ao facilitar-lhe a possibilidade de inquirir o orador sobre a folha dos autos por ele citada ou lida, ou de pedir esclarecimento sobre questão de fato, bem como, a qualquer momento do debate, de examinar os autos. Devem-se essas preocupações ao fato de não poderem os jurados, em face de incomunicabilidade a que estão sujeitos durante o julgamento, de superarem, pela discussão entre si, as dúvidas e incertezas, e de reduzir as possibilidades da indução a erro, de que se podem valer as partes.

"A simplificação do questionário modifica extraordinariamente a redação dos quesitos. Rompe-se, com esse novo sistema, a complicada seqüência de quesitos a que se encontram submetidos os julgamentos dos crimes de homicídio, quando alegada pela defesa a tese da legítima defesa. Os quesitos são essencialmente reduzidos, de forma a compreender a materialidade, a autoria e a condenação ou absolvição. Com a afirmação do terceiro quesito, e a conseqüente condenação do acusado, o juiz indagará do Corpo de Jurados sobre a existência de causa de diminuição de pena, se alegada pela defesa. Também, se sustentada pela defesa a desclassificação da infração para outro, da competência do juiz singular, será formulado quesito a respeito, para ser respondido em seguida à afirmação da materialidade. Finalmente, o conselho de jurados será indagado sobre a existência de circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecida na pronúncia.

"Suprime o projeto o indefensável protesto por novo júri. Reconhece, com propriedade, que 'no cotidiano forense muitos crimes graves contra a vida as penas são fixadas aquém de 20 anos de reclusão para impedir o protesto por novo júri', acentuando, afinal, que 'não há razão, nos dias presentes, para se manter o recurso do protesto por novo julgamento, que é herança do sistema criminal do Império, quando a imposição da pena de morte e de galés perpétuas poderiam justificar este tipo de revisão obrigatória.'

"São estas, em resumo, mas sem exclusão de qualquer delas, as modificações que se pretende introduzir no Capítulo do Código de Processo Penal pertinente aos processos de competência do Tribunal do Júri. De nenhuma delas se pode extrair ofensa ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, característicos do devido processo legal (Constituição, art. 5º, incisos LIV e LV). São, ao contrário, asseguradoras de maior clareza do contraditório e de mais amplas faculdades para o esclarecimento dos jurados.

"O registro do interrogatório e dos depoimentos colhidos na instrução plenária passará a ser feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia ou técnica similar, destinada a obter maior fidelidade da prova, com a devida transcrição do registro nos autos respectivos.

"O projeto mantém a faculdade atribuída à defesa e, depois dela, ao Ministério Público, para recusar os jurados sorteados, até 3 cada parte, sem motivar a recusa.

"Parece-me conveniente afirmar, afinal, que o projeto mantém o princípio de separação dos julgamentos quando forem dois ou mais acusados, segundo o critério tradicional da incoincidência das recusas, com a preferência, para o julgamento, do acusado que houver aceito o jurado.

"Nestes termos, o projeto me parece concebido sem vício de inconstitucionalidade e de injuridicidade, e se encontra redigido em boa técnica legislativa. Também quanto ao mérito, pelas razões expostas, o parecer é pela aprovação.

"Sala de reuniões, 30 de maio de 1995.

"IBRAHIM ABI-ACKEL

"Relator"3 (Segue).

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1 Refere-se ao ano de 1942.

2 Item n.º XIV, grifos do original.

3 Separata do Projeto de Lei n° 4.900, de 1995. (Mensagem n° 1.272/94). Publicação do Centro Gráfico do Senado Federal, Brasília (DF), 1995.

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*Advogado do Escritório Professor René Dotti









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