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Países com tributação favorecida - Conceitos

Há tempos, a concessão de benefícios fiscais tem sido um poderoso instrumento para atrair investimentos. No âmbito nacional, bem sabemos das disputas travadas entre os estados brasileiros, a chamada "Guerra Fiscal", e suas conseqüências.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Atualizado em 22 de agosto de 2008 14:54


Países com tributação favorecida - Conceitos

Ricardo Luiz Becker*

Luciana Rosanova Galhardo*

Maurício Braga Chapinoti*

Introdução

Há tempos, a concessão de benefícios fiscais tem sido um poderoso instrumento para atrair investimentos. No âmbito nacional, bem sabemos das disputas travadas entre os estados brasileiros, a chamada "Guerra Fiscal", e suas conseqüências.

Na esfera internacional, os organismos internacionais têm se preocupado cada vez mais com os regimes tributários nocivos (harmful tax regimes), designados aqui pela sigla RTN, que levam à erosão das receitas tributárias dos países, acarretando possíveis dificuldades financeiras.

Entretanto, considerando a soberania das nações e sua legitimidade para conceder benefícios fiscais, a adoção de medidas unilaterais contra determinado RTN é sempre difícil e pode gerar conseqüências diplomáticas. Assim, tais medidas são facilitadas quando um organismo internacional atua nesse sentido, ou quando o país que adota o RTN não tem força diplomática relevante.

Nesse contexto, sempre houve a preocupação em combater a evasão fiscal e, principalmente, a utilização de entidades localizadas em jurisdições tratadas vulgarmente de "Paraísos Fiscais". Em seu relatório de 1998, a Organização para Cooperação no Desenvolvimento Econômico - OCDE considera Paraísos Fiscais as jurisdições que possuem as seguintes características:

(a) tributação nominal baixa ou inexistente;

(b) impossibilidade de troca de informações tributárias;

(c) falta de transparência na aplicação da lei fiscal; e

(d) não requer substância econômica nas atividades.

Entretanto, a OCDE foi além do conceito de Paraísos Fiscais descrito acima, estabelecendo também o conceito de RTN para os regimes tributários que possuem as seguintes características:

(a) tributação efetiva baixa ou inexistente;

(b) impossibilidade de troca de informações tributárias;

(c) falta de transparência na aplicação da lei fiscal; e

(d) benefícios fiscais que não afetam a economia local (Ring Fencing).

Com base nesses critérios, a OCDE listou os regimes adotados pelos países-membros e que seriam potencialmente nocivos e os Paraísos Fiscais, apontando também algumas medidas unilaterais para combater o uso dos RTN, tais como:

(i) estabelecer regras de tributação dos lucros de controladas no exterior (Controlled Foreign Corporations - CFC);

(ii) estabelecer tributação de fonte diferenciada sobre pagamentos a contribuintes que usufruem de RTN; e

(iii) estabelecer regras de preços de transferência.

Na esteira da globalização e da estabilidade política e econômica, desde 1996 o Brasil vem progressivamente harmonizando seu sistema tributário à realidade internacional. Passamos de um sistema que tributava dividendos para um sistema de isenção. Introduzimos a tributação em bases universais (worldwide income). Estabelecemos regras de preços de transferência e adotamos o conceito de RTN.

O conceito de RTN foi recepcionado na legislação brasileira pela Lei nº. 9.430, de 27.12.1996 (clique aqui), sob o nome de Países com Tributação Favorecida - "PTF", sendo também introduzidas, nessa ocasião, as regras brasileiras de preços de transferência. Posteriormente, o conceito foi alterado e usado em normas aplicáveis a casos distintos daqueles tratados na Lei 9.430/96.

Em vista da dificuldade da aplicação do conceito, as autoridades fiscais brasileiras publicaram uma lista taxativa, chamada informalmente de Lista Negra (Blacklist). Tal lista foi trazida pela Instrução Normativa nº. 188, de 2001 (clique aqui), que definiu os PTF como sendo os seguintes: Andorra; Anguilla; Antígua e Barbuda; Antilhas Holandesas; Aruba; Comunidade das Bahamas; Bahrein; Barbados; Belize; Ilhas Bermudas; Campione D'Italia; Ilhas do Canal (Alderney, Guernsey, Jersey e Sark); Ilhas Cayman; Chipre; Cingapura; Ilhas Cook; República da Costa Rica; Djibouti; Dominica; Emirados Árabes Unidos; Gibraltar; Granada; Hong Kong; Lebuan; Líbano; Libéria; Liechtenstein; Luxemburgo (no que respeita às sociedades holding regidas, na legislação luxemburguesa, pela Lei de 31 de julho de 1929); Macau; Ilha da Madeira; Maldivas; Malta; Ilha de Man; Ilhas Marshall; Ilhas Maurício; Mônaco; Ilhas Montserrat; Nauru; Ilha Niue; Sultanato de Omã; Panamá; Federação de São Cristóvão e Nevis; Samoa Americana; Samoa Ocidental; San Marino; São Vicente e Granadinas; Santa Lúcia; Seychelles; Tonga; Ilhas Turks e Caicos; Vanuatu; Ilhas Virgens Americanas; e Ilhas Virgens Britânicas.

Com as alterações trazidas pela Lei nº. 11.727, de 23.6.2008 (clique aqui), que introduziu novos conceitos e ampliou o conceito vigente até então, os contribuintes brasileiros e os investidores estrangeiros estão muito preocupados com o escopo e o alcance desses novos conceitos. Assim, este artigo visa analisar brevemente os conceitos vigentes e apontar os novos, os quais estarão vigentes apenas a partir de 1.1.2009, como disposto no artigo 41, inciso VI da Lei nº. 11.727/08.

Conceitos vigentes

Atualmente, no âmbito do Sistema Tributário Brasileiro, o conceito de PTF é aplicado em 3 casos distintos, a saber:

(i) Aplicação das regras de preços de transferência

O artigo 24 da Lei nº. 9.430/96, em conjunto com o artigo 4º da Lei nº. 10.451, de 10.5.2002 (clique aqui), estabelece que estão sujeitas a aplicação das regras de preços de transferência as operações efetuadas com qualquer pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada em país ou dependência que não tribute a renda ou que a tribute a alíquota máxima inferior a vinte por cento ou cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade.

Portanto, para fins da aplicação das regras de preços de transferência, o conceito de PTF atualmente vigente considera qualquer país ou dependência que não tribute a renda ou que a tribute a alíquota máxima inferior a vinte por cento ou cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade. Vale ressaltar que a Lista Negra estabelecida na IN 188 é taxativa e, portanto, a inclusão de um novo PTF está vinculada a alteração da Lista Negra.

(ii) Majoração da alíquota de Imposto de Renda na Fonte - IRF

O artigo 8º da Lei nº. 9.779, de 19.1.1999 (clique aqui) e o artigo 47 da Lei nº. 10.833, de 29.12.2003 (clique aqui) determinam que os rendimentos e os ganhos de capital decorrentes de qualquer operação em que o beneficiário seja residente ou domiciliado em país ou dependência com tributação favorecida, a que se refere o artigo 24 da Lei 9.430/96, sujeitam-se à incidência do IRF à alíquota de 25%, normalmente cobrada a 15%.

Assim, quanto à majoração de alíquota de IRF para rendimentos e ganhos de capital pagos a residentes ou domiciliados no exterior, o conceito de PTF é o mesmo do aplicado às regras de preços de transferência, qual seja: qualquer país ou dependência que não tribute a renda ou que a tribute a alíquota máxima inferior a vinte por cento ou cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade. Mais uma vez, cabe lembrar que a Lista Negra da IN 188/01 é taxativa.

(iii) Exclusão dos benefícios de Investidores Qualificados

Conforme descrito no artigo 81 da Lei nº. 8.981, de 1995 (clique aqui), no artigo 7º da Lei nº. 9.959, de 2000 (clique aqui), no artigo 29 da Medida Provisória nº. 2.158-35, de 2001 (clique aqui) e no artigo 16 da Medida Provisória nº. 2.189-49, de 2001 (clique aqui), o tratamento fiscal mais benéfico aos rendimentos e ganhos auferidos por investidores estrangeiros que investem no Brasil por meio da Resolução CMN nº. 2.689/00 ("Investidores Qualificados") não se aplica, caso os investimentos sejam oriundos de país que tribute a renda a uma alíquota inferior a vinte por cento.

Ademais, os artigos 1º e 3º da Lei nº. 11.312, de 2006 (clique aqui) estabelecem que o tratamento fiscal mais benéfico aos rendimentos ali descritos não se aplica, caso tais rendimentos sejam pagos a Investidor Qualificado residente ou domiciliado em país que não tribute a renda ou que a tribute à alíquota máxima inferior a 20%.

No caso da aplicação de regras de preços de transferência e majoração da alíquota de IRF, há referência expressa ao artigo 24 da Lei nº. 9.430/96, sendo aplicáveis todos os demais critérios nele definidos (incluindo dependências, países que oponha sigilo etc.). Por outro lado, no caso da exclusão dos benefícios disponíveis para Investidores Qualificados, o critério é apenas a localização em país com tributação da renda a alíquota inferior a vinte por cento.

Portanto, o critério para exclusão dos benefícios disponíveis para Investidores Qualificados é diferente do critério usado para definir PTF para fins da aplicação das regras de preços de transferência e majoração da alíquota de IRF. Ademais, cabe notar também que esse critério não inclui dependências (subdivisões políticas), mas apenas países.

Vale salientar, contudo, que a IN 188/01 não faz tal distinção e, até mesmo, menciona expressamente dispositivos que tratam da exclusão dos benefícios disponíveis para Investidores Qualificados.

Novos conceitos vigentes a partir de 1.1.2009

Conforme mencionado, a Lei nº. 11.727/08 ampliou o conceito de PTF vigente até então e introduziu um novo. Passaremos então a essa análise, relembrando que tais conceitos estarão vigentes somente a partir de 1.1.2009.

(i) Vedação ao acesso a informações

A Lei nº. 11.727/08 acrescentou o parágrafo 4º ao artigo 24 da Lei nº. 9.430/96, ampliando o conceito de PTF pela inclusão de países ou dependência cuja legislação não permita o acesso a informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas, à sua titularidade ou à identificação do beneficiário efetivo de rendimentos atribuídos a não residentes.

Ou seja, a partir de 1.1.2009, para fins da aplicação das regras de preços de transferência e majoração da alíquota de IRF, o conceito de PTF engloba operações efetuadas com qualquer pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada em país ou dependência que:

(a) não tribute a renda ou que a tribute a alíquota máxima inferior a vinte por cento; ou

(b) cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade; ou

(c) cuja legislação não permita o acesso a informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas, à sua titularidade ou à identificação do beneficiário efetivo de rendimentos atribuídos a não residentes.

Cumpre notar que, no tocante à exclusão dos benefícios de Investidores Qualificados, o critério adotado é apenas a localização em país com tributação da renda a alíquota inferior a vinte por cento. Assim, fica mais nítida a distinção dos critérios adotados pela legislação.

(ii) Regime Fiscal Privilegiado

Outra alteração trazida pela Lei nº. 11.727/08 introduziu o conceito de operações realizadas em Regime Fiscal Privilegiado, com a criação do artigo 24-A na Lei nº. 9.430/96. Tal artigo considera Regime Fiscal Privilegiado aquele que:

(i) não tribute a renda ou a tribute a uma alíquota máxima inferior a 20%;

(ii) conceda vantagem de natureza fiscal a pessoa física ou jurídica não residente:

(a) sem exigência de realização de atividade econômica substantiva no país ou dependência;

(b) condicionada ao não exercício de atividade econômica substantiva no país ou dependência;

(iii) não tribute, ou o faça em alíquota máxima inferior a 20%, os rendimentos auferidos fora de seu território;

(iv) não permita o acesso a informações relativas à composição societária, titularidade de bens ou direitos ou às operações econômicas realizadas.

Vale notar que o artigo 24-A na Lei nº. 9.430/96 estabelece claramente que o conceito de Regime Fiscal Privilegiado aplica-se apenas à aplicação das regras de preços de transferência. Assim, estão fora desse conceito os casos de majoração de alíquota de IRF, bem como os casos de exclusão dos benefícios a Investidores Qualificados.

Conclusão

Ante o exposto, parece nítido que o Brasil segue uma tendência mundial no combate aos RTN, com a adoção de medidas unilaterais formalizadas através da aplicação de regras de preços de transferência, majoração da alíquota de IRF e exclusão de benefícios.

Há uma clara distinção de conceitos para cada uma das medidas unilaterais que estão sendo tomadas. No caso da aplicação de regras de preços de transferência e majoração da alíquota de IRF, o Brasil adota o critério de PTF que engloba operações efetuadas com qualquer pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada em país ou dependência que:

(a) não tribute a renda ou que a tribute a alíquota máxima inferior a vinte por cento; ou

(b) cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade; ou

(c) cuja legislação não permita o acesso a informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas, à sua titularidade ou à identificação do beneficiário efetivo de rendimentos atribuídos a não residentes.

Já no caso da exclusão dos benefícios disponíveis para Investidores Qualificados, o critério é apenas a localização em país com tributação da renda à alíquota inferior a vinte por cento. Portanto, as alterações trazidas pela Lei nº. 11.727/08 não devem afetar o critério para exclusão de benefícios disponíveis para Investidores Qualificados, salvo se alterado o conceito contido no artigo 16 MP 2.189-49/01 e nos artigos 1º e 3º da Lei nº. 11.312/06.

Quanto ao conceito de Regime Fiscal Privilegiado, por se tratar de conceito novo e independente, parece lógico que não se confunde com o conceito de PTF, apesar de também estender-se à aplicação das regras de preços de transferência.

Nesse contexto, as autoridades fiscais brasileiras devem publicar uma nova Lista Negra, de forma a incluir países ou dependências cuja legislação não permita o acesso a informações relativas à composição societária de pessoas jurídicas, à sua titularidade ou à identificação do beneficiário efetivo de rendimentos atribuídos a não residentes.

Entretanto, seria prudente que as autoridades fiscais brasileiras fizessem uma clara distinção entre os diversos conceitos, separando os casos de PTF dos casos de Regime Fiscal Privilegiado e, principalmente, os casos aplicáveis à exclusão de benefícios para Investidores Qualificados.

Por fim, conforme dito acima, a adoção de medidas unilaterais contra determinado RTN é sempre difícil e pode gerar conseqüências diplomáticas. Portanto, cabe uma análise muito criteriosa na elaboração das novas Listas Negras, de modo a evitar conseqüências diplomáticas indesejáveis, sobretudo em relação a países com os quais o Brasil ótimas relações diplomáticas e econômicas, como os Estados Unidos da América, China e os países que fazem parte da União Européia e do Mercosul.

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*Sócios e associado Área Tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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