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A Constituição e as eleições

Dentro de poucos dias teremos eleições, para escolha de prefeitos e vereadores, em 5.564 municípios, entre eles 26 Capitais.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Atualizado em 23 de setembro de 2008 12:57


A Constituição e as eleições

Almir Pazzianotto Pinto*

Dentro de poucos dias teremos eleições, para escolha de prefeitos e vereadores, em 5.564 municípios, entre eles 26 Capitais.

Ignoro o que se passa em outros estados, salvo por leituras diárias dos jornais. Em São Paulo, porém, apesar dos esforços levados a efeito pelos candidatos, as campanhas estão longe de provocar o entusiasmo que se registrava em já distante passado. À falta de militantes voluntários, os partidos recorrem a marqueteiros, e visitadores aliciados entre desempregados, na tentativa de suprir a ausência de painéis, cartazes, folhetos, e outros meios de poluição banidos pela "lei da cidade limpa".

Ministros, governadores, secretários, senadores, deputados, abandonam os cargos para descer às bases, no afã de eleger correligionários, parentes e prováveis aliados. Nem assim o povo mostra-se disposto a tomar parte em comícios, passeatas e carreatas, e a ouvir desenxabidos rosários de conhecidas promessas nos programas gratuitos.

O que conduz o homem comum a tal quadro de apatia e descrédito, senão os episódios de corrupção em que se envolvem partidos e representantes eleitos, ao longo dos últimos anos? Figuras conhecidas dedicam-se à tarefa de manchar a imagem do Executivo e Legislativo, com atitudes obscenas e manobras desonestas, expostas em escândalos divulgados pela imprensa. Um dos mais recentes diz respeito às nomeações de 35 mil servidores do governo do Estado de Tocantins, sem concurso, prontamente anuladas pelo Supremo Tribunal Federal.

Seria injusto atribuir-se à generalidade da classe política a prática de atos de improbidade. Não é verdadeiro, também, que do Congresso Nacional, como foi dito por alguém, façam parte "trezentos picaretas". A maioria é composta por mulheres e homens respeitáveis, que pagam pela leviandade de dirigentes partidários, os quais, para permitir às respectivas legendas conquistarem assentos nas câmaras legislativas, são inescrupulosos na composição das chapas de candidatos e aprovam nomes de vida pregressa nebulosa, desde que tragam votos.

Do ponto de vista do eleitorado, a situação é de perplexidade. Os cidadãos de bem não compreendem a proliferação de legendas sem conteúdo, programas, projetos e idéias definidas, montadas para servirem como mercadorias em balcões de negócios. Mesmo em municípios com reduzido eleitorado apresentam-se cinco, seis, oito, dez candidatos a prefeito, e centenas de pretendentes à Câmara Municipal. Foi graças à ação enérgica do Superior Tribunal Eleitoral, e não do Poder Legislativo, que se colocou ponto final às súbitas trocas de partido, ditadas por conveniência individual.

As eleições de 5 de outubro coincidem com o 20º ano de vida da Constituição (clique aqui). Caberia a ela a responsabilidade pelo melancólico panorama que se descortina do pico da Ponte Esteiada? Seria da Lei Superior a culpa pelo desalentador cenário que observamos? Lembremo-nos de que a Assembléia Nacional Constituinte foi eleita, em 1986, para encerrar o período autoritário, e garantir aos brasileiros o retorno ao Estado democrático de direito. A "Constituição Cidadã", destinava-se a lutar "contra os bolsões de miséria que envergonham o País", e resultava "do parto de profunda crise que abala as instituições e convulsiona a sociedade", como sentenciou o dr. Ulysses Guimarães.

No que tange aos bolsões de miséria e à crise institucional, a Carta Política não atingiu o êxito esperado. Norberto Bobbio, quando escreveu sobre o 30º aniversário da Constituição italiana de 1947, registrou que "da mesma forma que as coisas do mundo, não é perfeita". A nossa também não. Contém, aliás, como fruto da ausência de projeto, das pressões corporativas, soluções de compromissos e conchavos de bastidores, tantos defeitos quantas somam-se as qualidades. Há normas autoritárias, como a que permite a adoção de Medida Provisória; sobram-lhe outras inúteis; muitas deveriam figurar na legislação ordinária, e faltam-lhe cláusulas indispensáveis, a exemplo de regra impositiva de fidelidade partidária, ou que garanta autonomia de organização sindical.

Retorno a Norberto Bobbio para quem, a melhor maneira de se comemorar o aniversário da Constituição consiste em "inaugurar a era do bom governo". Tarefa difícil, porque, na lição do eminente pensador, para que haja governo basta a Constituição; mas, para que seja bom, são necessários bons governantes e boas leis.

Em 5 de outubro, o povo terá nova oportunidade de eleger. Esperamos que as escolhas não recaiam sobre o que há de pior.

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*Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho





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