MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. O contrato de seguro de crédito de exportação

O contrato de seguro de crédito de exportação

O contrato de seguro de crédito à exportação sofreu mudanças recentes na sua regulamentação. Face a sua importância para os exportadores o presente trabalho apresenta os comentários, as análises e os debates legais sobre todo o instituto jurídico, de forma consolidada.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Atualizado em 10 de dezembro de 2008 10:16


O contrato de seguro de crédito de exportação

Joaquim Manhães Moreira*

1. Introdução

O contrato de seguro de crédito à exportação sofreu mudanças recentes na sua regulamentação. Face a sua importância para os exportadores o presente trabalho apresenta os comentários, as análises e os debates legais sobre todo o instituto jurídico, de forma consolidada.

A crise econômica mundial, qualquer que seja o seu real tamanho, já traz imensos problemas para quase todas as organizações empresariais, devendo cada um desses novos desafios merecer a atenção e a análise econômica, social, jurídica e ética apropriada.

O seguro de crédito de exportação embora não seja novo no Brasil, é pouco conhecido e pouco divulgado. Se fosse mais usado poderia representar uma grande proteção para os interesses dos exportadores nacionais.

Por outro lado, essa inesperada crise internacional aliada à impossibilidade de reversão do fenômeno da globalização da economia, faz com que os agentes mais aplicados e rápidos, imediatamente voltem os seus olhos:

a) para os novos mercados compradores; e,

(b) para aqueles segmentos ou aquelas regiões ainda não exploradas ou abandonadas no passado por representarem grande concentração de riscos.

O exportador brasileiro encontra-se em situação privilegiada neste momento.

Por um lado, os principais clientes mundiais buscam novos parceiros tanto de "commodities" (matérias primas, produtos "in natura" e semi-elaborados), como de produtos acabados, incluindo-se dentre estes sofisticados equipamentos e serviços. Os compradores mundiais buscam novas parcerias e novos fornecimentos, desde que não tragam com eles os custos das grandes "grifes" internacionais e possam apresentar a mesma tecnologia, qualidade, durabilidade, credibilidade, ética empresarial (já rebatizada de "sustentabilidade social") e serviços ao cliente.

Por outro lado, o Brasil embora não tenha resolvido ainda todos os seus problemas de infra-estrutura, já possui uma economia madura, capaz de ofertar tais bens e serviços ao mercado mundial imediatamente, inclusive "a preços de crise", vale dizer, com ganhos equilibrados para todos os participantes das novas relações jurídicas internacionais.

Para o exportador a participação no mercado mundial de bens e serviços comporta, entretanto, a assunção de diversos riscos, que se iniciam com a aceitação da ordem de compra (ou do contrato de compra e venda ou prestação de serviços) e só se encerram com o efetivo recebimento das divisas.

De todos esses riscos o mais relevante é o que se refere ao efetivo recebimento das divisas em pagamento dos produtos ou serviços exportados. E é para reduzir ou eliminar tal risco que existe o instituto jurídico objeto do presente artigo.

O contrato de seguro de crédito de exportação, em síntese, é um acordo de vontades pelo qual o exportador pode ter a garantia antecipada do efetivo recebimento do seu crédito, após o embarque ou a prestação dos serviços, mesmo que ocorram inadimplementos comerciais por parte dos seus clientes, ou advenham atos impeditivos da transferência de divisas por parte do governo do país importador, ou, ainda, acontecimentos extraordinários (tufões, furacões, terremotos, maremotos, etc.).

2. Conceitos básicos e históricos

A teoria geral do contrato de seguros no Brasil encontra-se no Novo Código Civil (clique aqui), nos artigos 757 a 802. Nesse trecho do referido repositório encontram-se as regras gerais sobre o contrato de seguro. A interpretação do primeiro desses artigos (757) em conjunto com aqueles que tratam dos requisitos de validade do negócio jurídico, constantes do mesmo Código, apontam para os conceitos fundamentais desse tipo de contratação.

Nesse contrato duas partes legítimas, sendo pelo menos uma delas um segurador, autorizado a operar como tal pelas autoridades competentes, assume perante a outra parte (o segurado) o compromisso de garantir a satisfação de um interesse legítimo, como o recebimento de uma indenização caso este último sofra, por exemplo, um dano. Para isso o segurador recebe previamente uma remuneração denominada de prêmio. Se o dano não se consumar o segurador lucra o total do prêmio. Se o dano ocorrer terá de arcar com a indenização, o que certamente consumirá o prêmio recebido.

Muitos juristas ao longo da história do direito criticaram o contrato de seguros por considerá-lo muito próximo ao jogo e à aposta. É claro que tais críticos não tinham razão. O instituto jurídico do contrato de seguro, em primeiro lugar, parte de relações jurídicas legítimas (compra e venda atual ou futura, prestação de serviços, etc.). Em segundo lugar sua intenção não é a de permitir que o elemento "aleatório" prevaleça, mas sim que os objetivos finais das operações e contratações civis e comerciais sejam atingidos com segurança.

Basta lembrar um pouco a história do instituto do contrato de seguro para se certificar da sua legitimidade e utilidade para o sistema econômico. Por incrível que pareça o mais antigo dos seguros não é o de vida (ou de pessoas, na linguagem do Código Civil) e sim aquele pertence aos "ramos elementares", denominado "seguro de transporte".

Os transportes intercontinentais passaram a ser feitos com regularidade desde o século XVIII. Mas para que se consumassem muitos eram os riscos. As embarcações eram precárias. As organizações transportadoras não eram totalmente profissionalizadas, e as tripulações em si mesmo representavam um perigo à carga. Isso sem contar os "piratas" e, acima de tudo a chamada "fortuna do mar".

A "fortuna do mar", que é conceituada como a má sorte de uma embarcação cargueira ao enfrentar as intempéries marítimas, foram responsáveis por enormes perdas tanto para os tomadores dos serviços de transportes como para os transportadores.

Para eliminar os riscos de ambas as partes surgiram os seguradores, que mediante o recebimento do prêmio passaram a arcar com o pagamento de indenizações caso as cargas não atingissem os seus destinos.

A sofisticação das atividades econômicas e dos direitos a elas aplicáveis fez com que também os contratos de seguros assumissem formas mais complexas. No ramo comercial passou-se rapidamente ao seguro contra os danos, dentre eles aqueles provocados por incêndios e por outros acontecimentos involuntários e extraordinários. A sofisticação dos institutos fez progredir para os seguros de direitos, como o de responsabilidade civil profissional e até o de crédito.

A atividade de seguro e a de resseguro, que é a garantia do primeiro, é sempre muito regulamentada pelos diversos países e o Brasil não é exceção.

Antes da atual regulamentação do seguro de crédito à exportação a garantia a essas atividades era bastante precária e praticamente inexistente. É importante mencionar a experiência da década de 1970 na qual tanto o financiamento à exportação como a respectiva garantia eram operados pela Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil e posteriormente pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Este último já praticava um seguro de crédito primitivo se comparado ao sistema atual.

Já a Cacex procedia à garantia do seguinte modo:

(a) financiava o importador estrangeiro ou o exportador brasileiro, tomando sempre como garantia o título de crédito sacado contra o comprador estrangeiro; e,

(b) concedia ao exportador a chamada "DDR" (dispensa de direito de regresso), o que significava que se houvesse inadimplemento das obrigações do comprador o exportador, por já ter o seu crédito satisfeito antecipadamente pelo órgão, nada sofria, pois contra ele não poderia ser exercido o direito de regresso.

A falta de fundos públicos e a evolução do comércio internacional brasileiro acabaram por condenar essas formas arcaicas de garantia e o vácuo só veio a ser sanado com a regulamentação a seguir comentada.

A regulamentação do seguro de crédito de exportação atualmente vigente no Brasil, além das disposições do Código Civil já citadas, está na Lei 6.704 de 26/10/1979 e suas alterações subseqüentes, das quais as últimas foram as leis 11.281/06 (clique aqui) e 11.786/08 (clique aqui). O Decreto 3.937/2001 (clique aqui) é o principal regulamento da Lei 6.704, ao lado de portarias e outros atos de menor abrangência.

Embora a contratação possua uma regulamentação bastante restrita é importante que o exportador negocie o referido contrato levando em conta todos os riscos inerentes à sua atividade e todos os aspectos jurídicos apontados pelos seus consultores legais. Por mais que os textos contratuais precisem se enquadrar em padrões pré-determinados as Partes têm liberdade e até o dever de modificá-las de acordo com as circunstâncias. E a responsabilidade por essa adaptação amplia-se no presente cenário de aumento dos riscos internacionais.

3. Partes contratantes

A primeira parte contratante é o exportador, ou seja, aquele agente econômico que produz um bem e o aliena a um adquirente estabelecido no exterior. É também exportador aquele agente que presta um serviço, no território nacional ou fora dele, a um agente estabelecido ou sujeito à jurisdição estrangeira.

Podem ainda ser segurados, e, portanto, contratar seguros de crédito à exportação: instituições financeiras e agências de créditos à exportação. Mas para se qualificar como exportadores é preciso que os agentes citados neste parágrafo tenham feito financiamentos, refinanciamentos ou tenham garantido as exportações brasileiras, quer sejam de bens, quer de serviços.

As agências de crédito à exportação são entidades da administração indireta, administradas por entidades da administração direta, autarquias ou empresas públicas. São criadas por lei ou por decreto com finalidades específicas. Podem operar as linhas de crédito com recursos oriundos de dotações para elas transferidas diretamente pela União, como podem também administrar fundos públicos específicos.

A Lei 6.704 estabelece em seu artigo 2º que "Somente poderá operar com o Seguro de Crédito à Exportação empresa especializada nesse ramo, vedando-se-lhe operações em qualquer outro ramo de seguro."

A lei estabelece alguns requisitos para a participação da União, através do Ministério da Fazenda, no capital de tal empresa seguradora, limitando em 49% a parte pública da capitalização.

A seguradora oficial desse tipo de contrato é a ("SBCE") Seguradora Brasileira de Crédito à Exportação S.A.. Foi criada em 1997. De acordo com o seu site possui como acionistas o Banco do Brasil, o BNDES e a Coface (Compagnie Française d'Assurance pour le Commerce Extérieur). Além do seguro de crédito à exportação a SBCE opera também nas modalidades de riscos de fabricação destinada à exportação e de operações contratadas dentro dos Convênios de Crédito e Pagamentos Recíprocos - CCR.

4. Coberturas em geral do seguro de crédito à exportação.

As coberturas referem-se sempre aos créditos dos exportadores, ou dos agentes a eles equivalentes. Elas podem variar de até 90% a 100% do total das operações, dependendo do enquadramento que lhes seja dado pela CAMEX - Câmara do Comércio Exterior.

As coberturas padrões são de (art. 8º do Decreto 3.937 com a redação que lhe foi dada pelo Decreto 6.452/08 - clique aqui):

(a) até 90% para o risco comercial;

(b) até 95% para os riscos políticos e extraordinários para as operações fora dos convênios de créditos e pagamentos recíprocos;

(c) até 100% para o setor aeronáutico e para outros setores nos quais a CAMEX considere que tal cobertura seja necessária para a realização da exportação.

O risco comercial é entendido como o inadimplemento por parte do devedor integrante da iniciativa privada. Sua caracterização será melhor detalhada no próximo item do presente artigo.

O risco político subdivide-se em:

(a) inadimplência do devedor pertencente ao setor público (governo e órgãos da administração indireta de outros países); e,

(b) decisões dos governos dos países importadores de impedir ou suspender por qualquer razão a remessa das divisas ao Brasil.

O risco extraordinário em parte está ligado umbilicalmente ao risco político. Refere-se à ocorrência de mudanças na conjuntura política e econômica do país importador, que impeça a remessa das divisas. Isso pode ocorrer em decorrência de revoluções, insurgências, divergências entre grupos que disputam o poder e muitas outras. Mas podem também ocorrer, como já notado no presente artigo, como conseqüência de fatores da natureza que inviabilizem por um período considerável de tempo a operação do sistema econômico e bancário do país importador.

5. Riscos e sinistros

Para cada tipo de risco o exportador precisará comprovar a existência de um sinistro, como condição para receber a indenização pelo seguro de crédito à exportação.

(5a) Para que haja a caracterização do sinistro pela ocorrência do risco comercial é preciso que ocorra uma das seguintes circunstâncias:

(a) mora pura e simples do devedor por um período superior a 180 dias do vencimento da primeira parcela. É aconselhável que o contrato de seguro deixe claro quais são os documentos que poderão ser usados pelo exportador segurado para comprovar tal sinistro. As diferenças de legislação poderão operar surpresas no momento de se reivindicar essa indenização.

Por exemplo, não adianta o contrato de seguro prever que o sinistro se caracteriza pelo protesto da cambial, se a legislação do país importador não possuir esse instituto. Assim sendo, o recomendável é que o contrato se atenha apenas a atos que possam ser praticados no Brasil ou a partir do Brasil, como o envio de notificação do inadimplemento através de carta registrada. Excepcionalmente o exportador pode aceitar como compromisso de comprovação a prática de ato extrajudicial no país do devedor que seja de antemão reconhecido pelo segurador como equivalente ao nosso protesto.

De se notar que uma das mudanças operadas recentemente pelo Decreto 6.623/08 (clique aqui) exclui do prazo mínimo aqui exposto as exportações do setor aeronáutico.

(b) Quando o devedor seja executado e seus bens sejam insuficientes para o pagamento do exportador brasileiro. Também em relação a esse risco é importante que o exportador segurado se acautele, no momento da assinatura do contrato de seguro, quanto ao tipo de documentação que deverá produzir para comprovar o sinistro.

(c) Na ocorrência de falência, concordata (recuperação judicial) ou outro ato equivalente. A esse respeito valem as recomendações já feitas em relação aos itens anteriores.

É muito grande também a importância de se negociar em uma base caso a caso, a equivalência entre os institutos jurídicos do país importador e os do Brasil. Só uma indicação prévia e exaustiva poderá evitar que o exportador se veja diante de uma situação na qual a seguradora alegue que determinado instituto não é exatamente equivalente à falência ou recuperação judicial no Brasil por conta da existência de algum requisito diferente da legislação brasileira ou estrangeira.

(d) Se exportador segurado, seguradora e devedor entrarem em acordo para que este último pague apenas parte da dívida. Nesse caso o sinistro se caracterizará em relação à parcela do valor exportado que não possa ser recebido.

(5b e 5c) Os riscos políticos e extraordinários estão listados no artigo 3º do Decreto 3.937. Parte deles referem-se ao comportamento comercial do importador que integra o setor público, como órgão ou agente da administração pública direta ou indireta do país importador. Em relação a esses riscos e respectivos sinistros aplicam-se os comentários já feitos em relação ao item (5a) acima, inclusive quanto aos prazos e à exceção para o setor aeronáutico.

Além dos casos acima, que estariam melhor classificados como riscos comerciais decorrentes de atividades com o poder público estrangeiro há aquelas situações causadas pelos governos (art. 3º do Decreto 3.937). Podemos classificá-los como riscos políticos, seguindo a ordem em que estão listados no mencionado ato:

(a) rescisão arbitrária, pelo devedor público, do contrato garantido. Não se trata aqui de mora comercial do devedor público, mas sim de ato de governo, no exercício da soberania, qualquer que seja o fundamento, no sentido de rescindir o contrato de exportação;

(b) moratória geral decretada pelas autoridades do país do devedor ou de outro país por intermédio do qual o pagamento deva ser efetuado;

(c) qualquer outro ato ou decisão das autoridades de um outro país que impeça a execução do contrato garantido;

(d) por decisão do Governo brasileiro, de governos estrangeiros ou de organismos internacionais, posterior aos contratos firmados, resulte a impossibilidade de se realizar o pagamento pelo devedor;

(e) impossibilidade de pagamento por parte dos Bancos Centrais dos países participantes do Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos - CCR, por prazo superior a cento e vinte dias das Compensações Quadrimestrais. (Incluído pelo Decreto nº 4.539, de 23.12.2002 - clique aqui);

(f) qualquer ato ou decisão das autoridades de um outro país solicitando o cumprimento de garantias bancárias relacionadas à exportação, por entender que o exportador não cumpriu total ou parcialmente suas obrigações. (Incluído pelo Decreto nº 6.452, de 2008).

Ainda em relação aos sinistros decorrentes dos riscos políticos acima o mais importante para o exportador segurado é o de se precaver antecipadamente sobre a forma de comprovação. Por exemplo, não se obtém uma certidão, nem de organismo ou organização internacional, sobre a existência de uma moratória. Nesse caso a recomendação é a de acordar como prova suficiente a veiculação da notícia por três ou quatro agentes internacionais de notícias de notória credibilidade, sendo pelo menos dois deles não sediados nem no país do exportador e nem do importador.

Finalmente, há ainda os riscos extraordinários, conceituados na linguagem do Decreto como sendo a "superveniência, fora do Brasil, de guerra, revolução ou motim, de catástrofes naturais, tais como ciclones, inundações, terremotos, erupções vulcânicas e maremotos, que impeçam a execução do contrato garantido."

Ainda aqui o principal cuidado do exportador deve ser, em relação ao contrato, com a comprovação da ocorrência do sinistro, valendo também a nossa sugestão feita para os riscos políticos.

6. Conclusões

O contrato de seguro de crédito à exportação está à disposição dos exportadores brasileiros como ferramenta para que este se previna contra prejuízos decorrentes tanto do inadimplemento dos compradores estrangeiros, quanto dos riscos decorrentes de decisões políticas ou de fatos extraordinários. Aplica-se a todos os tipos de produtos. Seus custos são perfeitamente absorvíveis pelas operações internacionais.

Portanto, tal contrato oferece uma garantia importante para o desenvolvimento do comércio internacional brasileiro e para a conquista de novos mercados, sem que o exportador precise incorrer em riscos significativos.

Para que possa se prevenir adequadamente dos riscos comercial, político e extraordinário decorrente das vendas internacionais de bens e serviços o exportador deve, em primeiro lugar, se aplicar em definir claramente no contrato de seguro suas obrigações a serem cumpridas antes, durante e depois da realização das exportações. Deve, principalmente, se preocupar em deixar registradas no texto do contrato os documentos que precisará apresentar à seguradora em caso de sinistro, como condição para obter a respectiva indenização.

____________

*Sócio fundador do escritório Manhães Moreira Advogados Associados









______________

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca