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O TST e o Ativismo Judicial

Um dos temas mais frequentes em Direito é o da distância das normas com a realidade social, ou, em outras palavras, como comandos normativos que levam em consideração determinada realidade social rapidamente se tornam anacrônicos. Daí o debate de como realizar alterações normativas sem prejudicar a segurança jurídica, ou, ainda, como a ciência do Direito, por meio da interpretação, pode auxiliar na superação da distância entre a norma e a realidade social.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Atualizado em 1 de dezembro de 2009 09:46


O TST e o Ativismo Judicial

Wladimir Antonio Ribeiro*

Um dos temas mais freqüentes em Direito é o da distância das normas com a realidade social, ou, em outras palavras, como comandos normativos que levam em consideração determinada realidade social rapidamente se tornam anacrônicos. Daí o debate de como realizar alterações normativas sem prejudicar a segurança jurídica, ou, ainda, como a ciência do Direito, por meio da interpretação, pode auxiliar na superação da distância entre a norma e a realidade social.

Topos frequente desse debate é o da jurisprudência, muitas vezes entendida como forma adequada de aproximar a norma, e o valor que esta encerra, com a realidade social, procurando a eficácia, ou seja, a plena realização do programa normativo (ou, para alguns axiológico-normativo). Contudo, em face da jurisprudência hoje adotar formas normativas (por ex., as súmulas, em especial as vinculantes), de se ver que passam sofrer os vícios antes encontrados nas normas. Ou seja: se a jurisprudência conferia eficácia a norma excessivamente estática, hoje, por vezes, torna-se ela a própria norma estática, descompassada com a realidade social.

Exemplo disso é a Súmula 363 do TST, na qual se afirma:

"a contratação de servidor público, após a CF/88 (clique aqui), sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II, § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes ao depósito do FGTS".

Em outras palavras, se afirma que o servidor contratado sem concurso, ou por concurso declarado nulo, não tem direito ao décimo-terceiro salário, férias, um terço de férias e outras parcelas remuneratórias que não se identifiquem com o salário stricto sensu, ressalvado (misteriosamente) os depósitos devidos ao FGTS.

Qual a origem da Súmula? Ações ajuizadas logo após a promulgação da CF/88. O que estava em debate era se a nova CF era pra valer, ou se suas disposições iriam ficar apenas como retórica, em especial a regra que exigia o concurso público para a admissão de servidores da Administração Pública. O Judiciário foi grande defensor da eficácia do texto constitucional e, de forma muito severa, reconhecia a nulidade das relações de trabalho pactuadas em desacordo com a regra do concurso público. Reconhecia apenas o pagamento do salário stricto sensu, para impedir o enriquecimento sem causa da Administração ou, ainda, para evitar que o servidor público não ficasse em condição análoga à de escravo, trabalhando sem qualquer remuneração.

Esses primeiros julgados, por força de recursos, alcançaram os Tribunais Regionais do Trabalho ao longo dos anos 90 e, no final daquela década, vieram a aportar no TST que, sistematicamente, ratificou o entendimento em prol da regra do concurso público. E tanto esses julgados se repetiram que, em 2000, editou-se a acima citada Súmula 363 do TST.

Contudo, hoje ninguém dúvida da eficácia e da importância da regra do concurso público, ou seja, a CF/88 não corre o risco de "não pegar", em face da permanência de lamentável prática anterior, em que a contratação sem concurso era comum. Não há mais a base social da qual se originou o entendimento cristalizado na Súmula 363 do TST.

Quais as conseqüências disso?

Simplesmente a Súmula 363 é utilizada para se amesquinhar direitos trabalhistas, previstos na própria CF/88. Ou seja, se alguém participa de concurso público e, por erro formal qualquer, anos depois, o concurso é anulado, tal pessoa não só é constrangida a abandonar as funções como, ainda, a devolver ao erário as importâncias que percebeu a título de férias, um terço de férias, décimo-terceiro salário, dentre outros. Essa situação pode parecer absurda, mas é a que hoje vem se repetindo.

Fica evidente que o problema é a rigidez da norma sumular em face da mudança da realidade social. Se fosse o legislador quem tivesse editado a norma, ele poderia ser sensibilizado pela mudança social e, rapidamente, patrocinar a mudança legislativa. Mas, no caso exemplificado, a matéria é constitucional, longe do alcance do legislador ordinário. Haverá, então, que se aguardar o lento processo de mudança jurisprudencial? Permanecerá a regra, inadequada e anacrônica, por mais dez ou quinze anos? Cada um dos envolvidos terá que suportar um árduo e desnecessário debate judicial?

Parece que a resposta a todas essas questões é positiva. Pelo que se percebe, os perigos do judicialismo, especialmente por meio de súmulas vinculantes que possuem a pretensão de substituir as leis ou, mesmo, o texto da CF. Fica, assim, evidente o porquê de Portugal, depois de vários anos de utilização de súmulas vinculantes (lá designadas por "assentos"), por fim acabou por as declarar inconstitucionais. Por vezes, singrando caminhos novos, descobre-se que os antigos estavam certos, ou, dito doutra forma, fica evidente a sabedoria de se especializar e se separar, na medida do possível, as funções de legislar e de julgar.

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* Advogado do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados

 

 

 

 

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