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Delações premiadas na berlinda

Depoimentos de Dario Messer e Antônio Palocci são exemplos de delações sem provas, mas com convicções.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Atualizado às 12:01

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Roteiro de um dia normal alhures

Caros leitores, acompanhem o roteiro abaixo do jornal da noite:

[Música de tensão, fundo com dutos jorrando dinheiro, câmera no apresentador]

Apresentador - Tivemos acesso exclusivo ao depoimento realizado na última quarta-feira no Ministério Púbico Federal pelo doleiro Dario Messer. À força-tarefa da Lava Jato, ele diz que entregou dinheiro periodicamente à família Marinho, que é proprietária da Rede Globo.

[Imagens do doleiro sendo preso - câmera na apresentadora, que faz uma cara de reprovação]

Apresentadora - Dario Messer é conhecido como o doleiro dos doleiros, e na época que o dinheiro era entregue, a emissora era acusada de interferir nas eleições presidenciais.

[Imagens do presidente Collor andando de jet-ski e de PC Farias - câmera no apresentador]

Apresentador - Segundo o colaborador Dario Messer, o dinheiro seria destinado aos irmãos Roberto Irineu e João Roberto Marinho.

[Enquanto o apresentador fala, imagens de dinheiro sendo contado na maquininha (quem arrumou isso está de parabéns) e imagens dos Marinho, de preferência andando rápido, dando a entender que estão fugindo]

Apresentadora - O presidente da República Jair Bolsonaro fez referência à notícia em uma rede social, mostrando que a quantia que foi entregue pode chegar a R$ 2 bilhões.

[Imagem do Facebook do presidente, com a câmara indo de baixo para cima, para dar a impressão de crescer a confusão - câmera volta ao apresentador]

Apresentador - Não conseguimos contato com a defesa dos irmãos Marinho.

[Cara de reprovação]

Apresentador - E agora o futebol. O Barcelona de Messi levou oito gols hoje...

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Roteiro de um dia normal em Migalhas

Numa delação sem sentido, o doleiro Dario Messer, réu confesso, diz que teria entregado no distante início dos anos 90, quantias elevadas de dólares ao presidente e vice-presidente das organizações Globo. Qual é o sentido de o MPF ouvir uma coisa dessas? Primeiro que, se fosse verdade, estaria prescrito. Segundo que o delator não tem prova alguma. Nesse sentido, trata-se de unicamente querer tisnar a emissora que vem, com grande isenção, noticiando os fatos políticos e, sobretudo, os descuidos com a pandemia.

Editorial

A migalha acima seria a nota que Migalhas faria de qualquer caso, independentemente de ser um, como este, que envolve os Marinho, e que circulou no site da revista Veja na última sexta-feira. Evidentemente que não se pode dar ouvidos a um delator dessa forma. Como já disse Migalhas, a palavra de um delator tem obrigatoriamente presunção de mentira. E nem venha o parquet dar-lhe o pomposo nome de "colaborador", porque isso não altera o fato de que estamos diante de um criminoso. E como não têm presunção de veracidade, as falas de um delator não podem, por si sós, servirem de justificativas para medidas cautelares de busca e apreensão, muito menos de prisão. Mas, como é bem de ver, a Rede Globo, nos últimos seis anos, sem fazer a devida crítica, aplaudiu inúmeros absurdos como esse. E, a rigor, se o MPF agisse como agiu na maioria dos casos, na sequência do vazamento (porque ele também faz parte do enredo) viriam buscas e apreensões na casa dos empresários e na sede da empresa. E a medida seria condenada aqui, como foram tantas outras.

O óbvio vem à tona

Continuamos na mesma temática para narrar um fato que surgiu ontem, pela Folha de S.Paulo. A PF de SP, agindo com independência, vem reiteradamente concluindo que a delação de Antonio Palocci é uma peça de ficção. No caso de ontem, o delegado Marcelo Daher analisou inúmeros documentos, fez buscas, ouviu testemunhas, e chegou à conclusão de que nada há na rocambolesca fala de Palocci, segundo o qual o sócio sênior do BTG, André Esteves, teria se valido de informações privilegiadas do Banco Central para com isso ganhar dinheiro e fazer um caixa dois para o ex-presidente Lula. É tanta fantasia que chega a dar vontade de rir. 

Clipping Palocci

Enfim, a cada dia percebe-se que o ex-prefeito de Ribeirão Preto entrou nos sites de busca e pegou notícias que teoricamente renderiam assunto. Juntou tudo em 23 calhamaços e montou uma delação. O MPF de Curitiba, e o então juiz Sergio Moro, viram que ali não tinha nada. Mas um delegado de Curitiba, incauto (pelo menos é o que esperamos), acabou acreditando na conversa mole de Palocci. Com isso o ribeirão-pretano pôde deixar o cárcere e abocanhar alguns milhões que estavam bloqueados.

Curriculum vitae

Em 2018, quando surgiu essa delação (Moro vazou propositadamente um trecho para influenciar nas eleições), dizíamos que era um emaranhado de informações já divulgadas na imprensa. E elogiávamos o MPF por não ter dado ouvidos ao ex-ministro (Migalhas 4.453 - 2/10/18). Aliás, há 15 anos, quando era festejado pelo mercado, Migalhas já dizia que esse cidadão não era flor que se cheirasse (Migalhas 1.190 - 17/6/2005). Naquele vetusto informativo, dizíamos que se Palocci fosse para a Casa Civil do governo Lula, os corretores de imóveis de Ribeirão Preto iriam ficar ouriçados. Para bom entendedor, uma migalha basta.

Exclusivo

O anexo da delação ontem baldado não foi o único em que Palocci citou o banqueiro André Esteves. Houve outro, que envolvia o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, chamado de Conselhinho. Neste caso, o mesmo delegado, com a mesma diligência, apurou tudo e concluiu há poucos dias que o inquérito deveria ser arquivado.

Pinóquio caipira

Aliás, como a maioria da delação de Palocci já naufragou - vários outros casos "delatados" por Palocci, envolvendo outras pessoas, já foram arquivados -, a pergunta que fica é: quando a delação vai soçobrar por inteiro? De fato, pode um delator receber "prêmio" tendo entregado um mico? A cada anexo arquivado, como são 39, ele deveria devolver 1/39 do que lhe foi permitido ficar (fora 1/39 de multa por ter mentido), e deveria cumprir 1/39 da pena que lhe foi abonada, com algum acréscimo de punição. P. R. I.