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Defensoria Pública é legítima para atuar em ações coletivas

O STJ reconheceu a legitimidade da Defensoria Pública para promover ações civis públicas em favor de consumidores lesados. A decisão manteve acórdão do TJ/SP que havia sido impugnadO pela CPFL.

Da Redação

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Atualizado às 08:53

Defensoria

Defensoria Pública é legítima para atuar em ações coletivas

O ministro Castro Meira, do STJ, reconheceu a legitimidade da Defensoria Pública para promover ações civis públicas em favor de consumidores lesados. A decisão manteve acórdão do TJ/SP que havia sido impugnadO pela CPFL.

O caso refere-se a uma ACP proposta em abril de 2005, em razão da grande quantidade de reclamações de consumidores que chegaram à então Procuradoria de Assistência Judiciária - substituída pela Defensoria Pública em maio de 2006 - em Sorocaba/SP, por conta de cortes irregulares no fornecimento de energia elétrica.

Veja abaixo a íntegra da decisão.

______

Superior Tribunal de Justiça

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 53.146 - SP (2011/0148200-4)
RELATOR : MINISTRO CASTRO MEIRA
AGRAVANTE : COMPANHIA PIRATININGA DE FORÇA E LUZ
ADVOGADO : JOSÉ EDGARD DA CUNHA BUENO FILHO E OUTRO(S)
AGRAVADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ADVOGADO : HORÁCIO XAVIER FRANCO NETO - DEFENSOR PÚBLICO

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE. DEFENSORIA PÚBLICA. TEORIA DA ASSERÇÃO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. INEXISTÊNCIA. INTERESSE DE AGIR. OCORRÊNCIA.

1. A Defensoria Pública tem autorização legal para atuar como substituto processual dos consumidores, tanto em demandas envolvendo direitos individuais em sentido estrito, como direitos individuais homogêneos, disponíveis ou indisponíveis, na forma do art. 4º, incisos VII e VIII, da Lei Complementar n.º 80/94. Precedentes. 2. À luz da Teoria da Asserção, não se vislumbra a impossibilidade jurídica do pedido ou a falta de interesse de agir na demanda, tendo em vista o que foi asseverado na petição inicial. Precedentes.

3. Agravo em recurso especial não provido.

DECISÃO

Trata-se de agravo em recurso especial interposto contra decisão que negou seguimento ao apelo nobre, este intentado contra acórdão assim ementado:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - INDEFERIMENTO DA INICIAL - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - Ação civil pública julgada extinta, em decorrência do indeferimento da petição inicial, por reconhecimento da impossibilidade jurídica do pedido - Pedido que se apresenta juridicamente possível, em tese, não havendo qualquer vedação legal à pretensão - Recurso provido, para fins de se afastar a extinção operada, prosseguindo-se o feito como de direito.

No recurso especial, o recorrente sustenta, em síntese, que houve ofensa aos artigos 267, incisos I e VI, e 295, incisos I, II e III, do CPC, devido à ilegitimidade ativa, falta de interesse processual na demanda e impossibilidade jurídica do pedido, a acarretar a inépcia da inicial.

É o relatório. Passo a decidir.

O apelo não merece prosperar.

A ação civil pública ajuizada originalmente pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo visa ao pagamento de indenização por danos morais e materiais aos consumidores que sofreram corte irregular no fornecimento de energia elétrica; declaração de nulidade das confissões de dívida eventualmente firmadas, com a devolução das quantias recebidas; proibição do corte de energia elétrica, baseado em fraude no medidor, enquanto pendente discussão sobre a autoria e a materialidade do ato irregular; restabelecimento do serviço, quando já consumada a interrupção; imposição de critérios razoáveis e prévios para a constituição, cobrança, parcelamento e recebimento de débitos recebidos (e-STJ fls. 22-23).

Isso posto, não se vislumbra ilegitimidade ativa, tendo em vista que a Defensoria Pública tem autorização legal para atuar como substituto processual dos consumidores, tanto em demandas envolvendo direitos individuais em sentido estrito, como direitos individuais homogêneos, disponíveis ou indisponíveis, na forma do art. 4º, incisos VII e VIII, da Lei Complementar n.º 80/94. Nesse sentido, os seguintes precedentes:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 134 DA CF. ACESSO À JUSTIÇA. DIREITO FUNDAMENTAL. ART. 5º, XXXV, DA CF. ARTS. 21 DA LEI 7.347/85 E 90 DO CDC. MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INSTRUMENTO POR EXCELÊNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA RECONHECIDA ANTES MESMO DO ADVENTO DA LEI 11.448/07. RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICA DO DIREITO QUE SE PRETENDE TUTELAR. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A Constituição Federal estabelece no art. 134 que "A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV". Estabelece, ademais, como garantia fundamental, o acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF), que se materializa por meio da devida prestação jurisdicional quando assegurado ao litigante, em tempo razoável (art. 5º, LXXVIII, da CF), mudança efetiva na situação material do direito a ser tutelado (princípio do acesso à ordem jurídica justa).
2. Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, com o qual se comunicam outras normas, como os Estatutos do Idoso e da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados para "propiciar sua adequada e efetiva tutela" (art. 83 do CDC).
3. Apesar do reconhecimento jurisprudencial e doutrinário de que "A nova ordem constitucional erigiu um autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais" (REsp 700.206/MG, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe 19/3/10), a ação civil pública é o instrumento processual por excelência para a sua defesa.
4. A Lei 11.448/07 alterou o art. 5º da Lei 7.347/85 para incluir a Defensoria Pública como legitimada ativa para a propositura da ação civil pública. Essa e outras alterações processuais fazem parte de uma série de mudanças no arcabouço jurídico-adjetivo com o objetivo de, ampliando o acesso à tutela jurisdicional e tornando-a efetiva, concretizar o direito fundamental disposto no art. 5º, XXXV, da CF.
5. In casu, para afirmar a legitimidade da Defensoria Pública bastaria o comando constitucional estatuído no art. 5º, XXXV, da CF.
6. É imperioso reiterar, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que a legitimatio ad causam da Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa de interesses transindividuais de hipossuficientes é reconhecida antes mesmo do advento da Lei 11.448/07, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende tutelar e do próprio fim do ordenamento jurídico brasileiro: assegurar a dignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitos fundamentais.
7. Recurso especial não provido (REsp 1106515/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 02.02.2011);

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA. ART. 5º, INCISO II, DA LEI N. 7.347/85 (REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 11.448/2007). DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 557, § 2º, CPC.
1. A Defensoria Pública tem legitimidade ativa ad causam para propor ação civil pública com o objetivo de defender interesses individuais homogêneos de consumidores lesados em virtude de relações firmadas com as instituições financeiras. 2. Não cabe ao Superior Tribunal de Justiça intervir em matéria de competência do STF, ainda que para prequestionar questão constitucional, sob pena de violar a rígida distribuição de competência recursal disposta na Lei Maior.
3. Cabe aplicação da multa prevista no art. 557, § 2º, do CPC na hipótese de recurso manifestamente improcedente e procrastinatório.
4. Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp 1000421/SC, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe 01.06.2011).

Por outro lado, segundo a Teoria da Asserção, em voga no Direito Processual brasileiro, a possibilidade jurídica do pedido e o interesse de agir devem ser analisados de acordo com o que é asseverado pela parte autora, na exordial. Isto é, o momento para se verificar a existência das condições da ação é quando o juiz realiza o primeiro contato com a petição inicial, deixado o exame das questões de mérito, relativas à procedência ou à improcedência da demanda, para o julgamento final.

No caso dos autos, não se constata impossibilidade prima facie dos pedidos formulados pela parte autora, nem falta adequação, utilidade ou necessidade na tutela pretendida, razão pela qual é manifestamente improcedente a tese de ofensa aos artigos 267, incisos I e VI, e 295, incisos I, II e III, do CPC.

Convém repisar que a procedência ou não de cada um dos pleitos da exordial, segundo as normas que regulam o serviço de fornecimento de energia elétrica, somente poderá ser apreciada quando da prolação da sentença, após o regular desenvolvimento do processo, na trilha dos precedentes dessa Corte:

DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL - DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS - AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC - ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO - TEORIA DA ASSERÇÃO - NECESSIDADE DE ANÁLISE DO CASO CONCRETO PARA AFERIR O GRAU DE DISCRICIONARIEDADE CONFERIDO AO ADMINISTRADOR PÚBLICO - POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.
1. Não viola o artigo 535 do CPC quando o julgado decide de modo claro e objetivo na medida da pretensão deduzida, contudo de forma contrária à pretensão do recorrente.
2. Nos termos da teoria da asserção, o momento de verificação das condições da ação se dá no primeiro contato que o julgador tem com a petição inicial, ou seja, no instante da prolação do juízo de admissibilidade inicial do procedimento.
3. Para que se reconheça a impossibilidade jurídica do pedido, é preciso que o julgador, no primeiro olhar, perceba que o petitum jamais poderá ser atendido, independentemente do fato e das circunstâncias do caso concreto.
4. A discricionariedade administrativa é um dever posto ao administrador para que, na multiplicidade das situações fáticas, seja encontrada, dentre as diversas soluções possíveis, a que melhor atenda à finalidade legal.
5. O grau de liberdade inicialmente conferido em abstrato pela norma pode afunilar-se diante do caso concreto, ou até mesmo desaparecer, de modo que o ato administrativo, que inicialmente demandaria um juízo discricionário, pode se reverter em ato cuja atuação do administrador esteja vinculada. Neste caso, a interferência do Poder Judiciário não resultará em ofensa ao princípio da separação dos Poderes, mas restauração da ordem jurídica.
6. Para se chegar ao mérito do ato administrativo, não basta a análise in abstrato da norma jurídica, é preciso o confronto desta com as situações fáticas para se aferir se a prática do ato enseja dúvida sobre qual a melhor decisão possível. É na dúvida que compete ao administrador, e somente a ele, escolher a melhor forma de agir.
7. Em face da teoria da asserção no exame das condições da ação e da necessidade de dilação probatória para a análise dos fatos que circundam o caso concreto, a ação que visa a um controle de atividade discricionária da administração pública não contém pedido juridicamente impossível.
8. A influência que uma decisão liminar concedida em processo conexo pode gerar no caso dos autos pode recair sobre o julgamento do mérito da causa, mas em nada modifica a presença das condições da ação quando do oferecimento da petição inicial. Recurso especial improvido (REsp 879.188/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 02.06.2009);

ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL - CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO - TRANSPORTE - PEDIDO DE ADEQUAÇÃO DO SERVIÇO ESSENCIAL - INTERESSE DE AGIR, LEGITIMIDADE E POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.
1. O caso trata de ação civil pública ajuizada pelo MPSP em face da CPTM, concessionária do serviço público, para adequar o serviço de transporte de passageiros, que, no entender do autor, vinha sendo deficientemente prestado. A sentença julgou parcialmente o pedido, condenando a concessionária a adequar-se, nos termos da sentença, aos serviços que devem ser prestados aos cidadãos.
2. É dever do Poder Público e de seus concessionários e permissionários prestar serviço adequado e eficiente, atendendo aos requisitos necessários para segurança, integridade física, e saúde dos usuários, tudo conforme os arts. 6º, I e X, do CDC c/c 6º da Lei n. 8.987/95.
3. Deste modo, uma vez constatada a não-observância de tais regras básicas, surge o interesse-necessidade para a tutela pleiteada. Vale observar, ainda, que as condições da ação são vistas in satu assertionis ("Teoria da Asserção"), ou seja, conforme a narrativa feita pelo demandante, na petição inicial. Desse modo, o interesse processual exsurge da alegação do autor, realizada na inicial, o que, ademais, foi constatado posteriormente na instância ordinária. Tudo isso implica reconhecer a não-violação dos arts. 3º e 267, VI, do CPC.
4. No caso dos autos, não ocorre a impossibilidade jurídica do pedido, porque o Parquet, além de ter legitimidade para a defesa do interesse público (aliás, do interesse social), encontra-se no ordenamento jurídico, tanto na "Lei da Ação Civil Pública" (Lei n.7.347/85), quanto na "Lei Orgânica Nacional do Ministério Público e Normas Gerais para os Ministérios Públicos dos Estados" (Lei n. 8.625/93) e outras, ou mesmo nos arts. 127 e 129 da CF, respaldo para pedir a adequação dos serviços de utilidade pública essenciais.
5. Quanto à alínea "c", impossível o conhecimento do especial, pois inexiste dissídio jurisprudencial demonstrado, uma vez que os substratos fáticos dos acórdãos apontados como paradigma são diferentes do enfrentado no acórdão recorrido. Recurso especial conhecido em parte e improvido (REsp 470.675/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJ 29.10.2007).

Ante o exposto, nego provimento ao agravo em recurso especial.

Publique-se.

Brasília, 11 de outubro de 2011.

Ministro Castro Meira

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