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Consignado

JF nega liminar pleiteada pelo BB contra decisão do Cade na questão do consignado

A juíza Federal Maria Cecília de Marco Rocha, da 6ª vara de Brasília/DF, negou liminar pleiteada pelo BB no processo contra decisão do Cade, que determinou a suspensão dos contratos de exclusividade nas operações de crédito consignado para servidores públicos.

Da Redação

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Atualizado em 30 de novembro de 2011 12:52

Consignado

JF nega liminar pleiteada pelo BB contra decisão do Cade na questão do consignado

A juíza Federal Maria Cecília de Marco Rocha, da 6ª vara de Brasília/DF, negou liminar pleiteada pelo BB no processo contra decisão do Cade, que determinou a suspensão dos contratos de exclusividade nas operações de crédito consignado para servidores públicos.

A magistrada considerou mais adequado se fazer cumprir a decisão do Cade, "ainda que cause prejuízos ao BB", do que permitir que o ato lesivo à concorrência "continue a produzir efeitos e consolide a posição dominante do BB, eliminando os concorrentes do setor de crédito consignado a servidores públicos".

Em setembro, o Cade exigiu que o BB suspendesse imediatamente todos os contratos assinados desde 2006 com prefeituras e governos estaduais com cláusulas de exclusividade na concessão de crédito consignado. A instituição financeira recorreu da decisão, mas o Conselho negou o recurso.

  • Processo: 0061339-91.2011.4.01.3400

_________

DECISÃO 2011 - B

PROCESSO Nº 61339-91.2011.4.01.3400
IMPETRANTE: BANCO DO BRASIL S/A
IMPETRADO: PRESIDENTE DO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE

DECISÃO

A Impetrante pretende obter medida liminar para suspender a decisão proferida nos autos do processo administrativo nº 08700.003070/2010-14, eventual multa decorrente do descumprimento da decisão e o próprio curso do processo administrativo.

Informa que a Federação Interestadual dos Servidores Públicos Estaduais e Municipais dos Estados do Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Maranhão, Minas Gerais, Paraná, Piauí, Roraima, Sergipe e Tocantins - FESEMPRE representou contra o Impetrante perante a Secretaria de Direito Econômico - SDE do Ministério da Justiça pleiteando a instauração de processo administrativo punitivo por prática anticoncorrencial consistente na utilização de cláusula de exclusividade nas contratações para o fornecimento de crédito consignado a servidores públicos.

A SDE instaurou o procedimento administrativo nº 08012.006168/2010-81, em que arquivou a representação com amparo em sua incompetência para a instauração de averiguação preliminar ou de processo administrativo e determinou o encaminhamento de cópia dos autos para o Banco Central do Brasil - BACEN, para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE e para o Ministério Público Federal.

Narra que o CADE instaurou o procedimento administrativo nº 08700.003070/2010-14 e que, após a manifestação do Impetrante, instaurou de ofício processo administrativo punitivo e concedeu a medida preventiva pleiteada pela FESEMPRE para determinar ao Impetrante que se abstenha de assinar novos contratos com cláusula de exclusividade, que suspenda os efeitos das cláusulas constantes de contratos já celebrados, que comunique o teor da decisão a todos os servidores contratantes, conferindo-lhes a possibilidade de quitação antecipada dos contratos, e que apresente ao CADE, no prazo de 20 (vinte) dias, todos os contratos assinados desde 2006, bem como os dados a eles pertinentes, sob pena da incidência de multa diária de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

Noticia que os embargos de declaração opostos contra a decisão foram rejeitados e que o recurso voluntário por ela interposto é despido de efeito suspensivo e ainda não foi julgado.

Sustenta que os atos que instauraram o procedimento e o processo administrativo são ilegais aos seguintes argumentos: a competência para regular a concorrência entre instituições financeiras é exclusivamente do BACEN, como reconheceu o Parecer da Advocacia Geral da União GM-20; não se observou o devido processo administrativo, visto que o CADE agiu sem que a SDE haja procedido a investigações preliminares ou instaurado processo administrativo, amparado no argumento inverídico de omissão tanto da referida Secretaria, quanto do BACEN; houve ofensa ao ato jurídico perfeito, na medida em que apenas com a entrada em vigor da Circular BACEN nº 3522, de 14.01.2011, vedou-se a cláusula de exclusividade, por isso que não se poderia exigir sua aplicação aos contratos celebrados antes de sua vigência; o ato viola a discricionariedade dos entes públicos quanto à exclusividade e à preferência, os princípios da economicidade, da eficiência, da livre concorrência e os contratos entre esses entes e o Impetrante.

O deferimento da medida pressupõe os seguintes requisitos previstos no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/2009: fundamento relevante (fumus boni iuris) e risco de ineficácia da medida (periculum in mora).

Nesse exame de cognição sumária, não vislumbro a presença do primeiro requisito.

Não desconheço que o STJ decidiu, no julgamento do Recurso Especial nº 1094218, que compete ao Banco Central do Brasil regular a concorrência no Sistema Financeiro Nacional.

Entretanto, divirjo do entendimento adotado por considerar que a questão não foi definitivamente harmonizada, tanto que houve sólidos votos divergentes e o recurso extraordinário interposto contra o acórdão do STJ ainda não foi julgado.

A propósito dos votos divergentes, invoco e adoto como fundamento as razões de que lançou mão o Ministro Castro Meira para afastar a vinculação do CADE ao Parecer da Advocacia Geral da União GM-20 e para afirmar a complementaridade das atribuições do Banco Central do Brasil e do CADE com o fito de tutelar a livre concorrência no Sistema Financeiro Nacional:

"I - O Parecer GM-20 da Advocacia-Geral da União e a competência do CADE

Nesse ponto, cumpre saber se os pareceres elaborados pelo Advogado-Geral da União e aprovados pelo Presidente da República vinculam a atuação do CADE, ao emitir juízo de valor acerca dos atos de concentração que possam, de qualquer forma, limitar, prejudicar ou falsear a livre concorrência.

O § 1º do art. 40 da Lei Complementar 73/93, que versa sobre a estrutura orgânica da Advocacia-Geral da União, estabelece a força vinculativa perante a Administração Pública Federal dos pareceres do Advogado-Geral da União aprovados por despacho presidencial.

Do mesmo modo, o art. 4º, X, da aludida lei, atribui ao Advogado-Geral da União a prerrogativa de fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal.

Faz-se necessário analisar a extensão e a abrangência dos mencionados dispositivos legais para saber se a orientação proposta pela AGU vincula, em todos os aspectos, as entidades que possuem autonomia frente à Administração Direta.

É sabido que, no modelo inaugurado pelo Decreto-lei 200/64, as autarquias são pessoas jurídicas de direito público, criadas por lei, com atribuições também fixadas legalmente e que não guardam relação hierárquica com o poder centralizado. Como bem acentua Celso Antônio Bandeira de Mello:

Constituindo-se em centros subjetivados de direitos e obrigações distintos do Estado, seus assuntos são assuntos próprios; seus negócios, negócios próprios; seus recursos, não importa se oriundos de trespasse estatal ou hauridos como produto da atividade que lhes seja afeta, configuram recursos e patrimônio próprios, de tal sorte que desfrutam de 'autonomia' financeira, tanto como administrativa; ou seja, suas gestões administrativa e financeira necessariamente são de suas próprias alçadas - logo, descentralizadas. (Curso de Direito Administrativo . 22. ed. São Paulo: Malheiros, p. 154).

Na órbita federal, os entes autárquicos submetem-se ao controle denominado de supervisão ministerial. Esse controle tem por finalidade assegurar o cumprimento dos objetivos consignados na lei de criação da respectiva entidade e zelar pela autonomia administrativa, patrimonial e financeira da pessoa administrativa. Deve-se destacar que a tutela exercida pela Administração Direta sobre os entes descentralizados está rigorosamente adstrita às hipóteses e termos previstos na lei. Mais uma vez, invoco a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Não é demais recordar que a doutrina, acertadamente, encarece que o controle das autarquias existe nos casos, forma e modos que a lei estabelece. Com efeito, se o Legislativo entendeu de fraturar a unidade da Administração indireta, o Executivo não poderia, por si mesmo, recompor tal unidade. A ingerência que cabe à Administração Central exercer sobre elas e a própria integração de suas atividades no planejamento geral administrativo há de realizar-se segundo os meios que a lei haja previsto, ao estabelecer o controle da entidade autárquica. Tal controle configura a chamada tutela ordinária. Cumpre observar, entretanto, que a doutrina admite, em circunstâncias excepcionais, perante casos de descalabro administrativo, de graves distorções no comportamento da autarquia, que a Administração Central, para coibir desmandos sérios, possa exercer, mesmo à falta de disposição legal que a instrumente, o que denominam de tutela extraordinária. (Ob. Cit. P. 157).

No caso, a Lei 8.884/94 atribuiu natureza autárquica ao CADE, conferindo-lhe competência para atuar na prevenção e repressão ao abuso do poder econômico, julgando administrativamente as condutas anticoncorrenciais e controlando os atos de concentração que possam trazer prejuízos à livre concorrência. Para executar fielmente esses misteres, concedeu-lhe prerrogativas próprias, dotando-o de maior independência e imparcialidade frente ao poder centralizado.

Entre essas prerrogativas, destacam-se: a necessidade de aprovação do Senado Federal para a escolha dos dirigentes da autarquia, após indicação do Presidente da República; a fixação de mandato para os Conselheiros e Procurador-Geral do CADE; e o não cabimento de recurso hierárquico impróprio contra as decisões da autarquia.

Saliento, ainda, o art. 3º da Lei da Concorrência, o qual classifica o CADE como um órgão judicante com jurisdição em todo território nacional. É evidente que a expressão "órgão judicante" não possui o mesmo significado de órgão do Poder Judiciário. Deflui-se da aludida cominação legal que o CADE possui jurisdição administrativa e, como tal, deve atuar com imparcialidade e equidistância perante os administrados, proferindo decisões acerca dos casos concretos de sua competência.

A natureza judicante do CADE já fora reconhecida por este Superior Tribunal, no julgamento do REsp 590.960/DF, cujo voto proferido pelo Sr. Ministro Luiz Fux contém adequada passagem da obra de João Bosco Leopoldino da Fonseca, a seguir transcrita:

A decisão proferida pelo CADE tem, portanto, no dizer de HELY LOPES MEIRELLES, uma natureza administrativa, mas também jurisdicional, até porque a nova lei antitruste, no art. 3º, como já salientado, conceitua o CADE como um 'órgão judicante'. Não resta dúvida que as decisões do CADE, pela peculiaridade de versarem sobre matéria especificamente complexa, que requer um órgão especializado, apresentam natureza bastante similar a uma decisão judicial. E o legislador quis exatamente atribuir a essa decisão uma natureza especificamente judicial, posto que de origem administrativa.

Portanto, na qualidade de órgão judicante, o CADE atua com independência, imparcialidade e atribuições calcadas na lei.

Nesse contexto, o poder de uniformizar a interpretação normativa conferida à AGU, com a anuência do Presidente da República, acha-se submetido aos limites legais atinentes à autonomia decisória dos entes descentralizados. Não se pode admitir que a orientação firmada pela AGU implique a modulação das atribuições legalmente conferidas à pessoa administrativa, sob pena de se desnaturar a funcionalidade e a finalidade para a qual foi criada.

Convém frisar que a existência de preceito legal genérico, vinculando a Administração Federal aos pareceres normativos da AGU, não satisfaz a necessidade de ser especificada essa prerrogativa, quando a orientação apresentada puder alterar o poder decisório dos entes independentes. Dessa feita, apenas seria possível vincular a competência do CADE ao parecer normativo da AGU, caso existisse expressa cominação legal particularizando a hipótese para o caso da autoridade antitruste. Como as atribuições do ente administrativo foram especificadas por lei, apenas o legislador, de maneira expressa, poderia estabelecer as exceções à atuação do CADE.

Levantou-se na sustentação oral realizada em defesa do recorrente que a força vinculante do parecer normativo da AGU não viola a autonomia do CADE, pois não é capaz de modificar a decisão de mérito da autarquia tomada em casos específicos, reservando-se essa função ao Poder Judiciário.

Segundo explanado, o controle de atribuições realizado pelo Poder Executivo atua num momento anterior, relacionando-se com a tutela institucional da entidade administrativa, não consubstanciando uma indicação ou indução de posicionamento do CADE sobre um caso concreto.

(...)

Dessarte, não pode o parecer normativo da AGU vincular o CADE, impondo-lhe limites ao poder de apreciar atos de concentração potencialmente nocivos à livre concorrência, porquanto essa prerrogativa fora outorgada por lei e apenas por igual instrumento poderá ser restringida ou excepcionada.

Reporto-me ao seguinte excerto do voto proferido pela Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida, o qual aprecia a questão de forma adequada:

A peculiaridade do CADE é que ele é o que se denomina na doutrina 'um quase tribunal' e um órgão que tenha por fim institucional emitir julgamentos não pode ter o conteúdo de suas decisões supervisionados pela Administração. O controle exercido pelo Poder Executivo sobre autarquias é controle administrativo, coisa distinta do parecer normativo em discussão que deliberou sobre aquilo que o CADE pode julgar. Admitir que o controle autárquico exercido pelo Poder Executivo sobre um quase tribunal possa dizer sobre sua competência, poderá ser também admitido que pareceres normativos digam como julgar (fl. 523).

Com efeito, o poder de uniformizar a interpretação normativa para a Administração Federal como um todo, a teor do disposto no art. 4º, X c/c art. 40, § 1º da Lei Complementar 73/93, compreende as matérias que possam ser objeto de uma orientação geral, ou seja, aquelas concernentes às atividades-meio dos entes descentralizados. As questões referentes às atribuições específicas de determinado ente administrativo - atividades-fim - evidentemente, por lhes faltar o atributo da generalidade, não estão submetidas à orientação uniformizadora prevista na aludida lei complementar.

Vêm a propósito as percucientes considerações de Carlos Ari Sundfeld:

Assim, a matéria que pode ser objeto de uma orientação geral vinculante para toda a Administração é aquela a respeito da qual se ponha logicamente a necessidade de uniformização. E qual é? Aquela que envolva a Administração como um todo, não, portanto, aquela vinculada a um ente específico.

Isto leva à conclusão de que todas as matérias que estiverem sob exclusiva e inequívoca competência de um ente específico não podem ser objeto do 'poder uniformizador' previsto na LC 73/93. Aplicando-se esta regra ao caso em comento, conclui-se que todas as matérias que se encontram sob a competência quase-judicial do CADE não estão sujeitas ao 'poder uniformizador' da AGU e da Presidência da República. (Concorrência e Regulação no Sistema Financeiro . São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 37-38).

Na mesma linha, pondera Cássio Scarpinella Bueno:

É certo que a criação da AGU admite que seus pareceres, desde que aprovados pelo Presidente da República, tenham caráter vinculante para a administração federal, 'cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento' (Lei Complementar n. 73/93, art. 40, § 1º). No entanto, parece mais acertado o entendimento de que os assuntos que podem ser objeto de deliberação vinculativa só podem ser aqueles relativos à própria estruturação ou - se se preferir - máquina burocrática da Administração Federal. À sua atividade-meio, portanto. Nunca naquilo que diz respeito à forma, ao modo, às condições de persecução de suas próprias atividades fins, é dizer, ao cumprimento de sua missão institucional imposta pela lei e que, em última análise, justifica sua criação e subsistência. Admitir que a atividade-fim de uma autarquia pode ficar adstrita ao que disser outro órgão ou entidade da máquina administrativa federal (no caso, a AGU) é reconhecer que a independência funcional típica das autarquias, tão destacada pela doutrina especializada e francamente reconhecida por suas leus de criação - o art. 3º da Lei n. 8.884/94 é claro neste sentido - pode ser obstada, frustrada ou negada por vias transversas e de escalão normativo inferior à lei. (Ob. Cit. p. 55).

Ademais, a correta intelecção da Lei Complementar 73/93 não implica desconhecer o poder de direção superior da Administração Pública Federal conferido ao Presidente da República pelo art. 84, II, da Carta Magna. Essa prerrogativa é expressamente observada quando o Chefe do Executivo indica, por exemplo, os dirigentes das entidades autárquicas. Como bem explicita Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

Direção superior significa orientação política. Abrange a fixação do indirizzo generale di governo , a fixação de metas, a afetação de recursos, a escolha de caminhos e procedimentos. (Comentários à Constituição brasileira de 1988. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 438).

No entanto, o exercício da direção superior não tem o condão de descaracterizar a lei de criação dos respectivos entes descentralizados, nos termos do art. 37, XIX do Texto Maior, não podendo sobrepujar a independência decisória conferida legalmente aos referidos entes.

Conforme pondera o saudoso constitucionalista Pinto Ferreira:

O próprio fato de jurar o Presidente da República defender a Constituição, como salienta Edward Corwin, não o habilita nem o autoriza a ampliar ou exorbitar dos poderes concedidos, sob o pretexto de conservá-la ou protegê-la. (Comentários à Constituição brasileira . v. 3. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 545).

Se puder o Presidente da República alterar os poderes atribuídos ao CADE, de nada valerão as cautelas estabelecidas pelo legislador ao conferir aos seus membros plena autonomia para o julgamento de questões previstas na Lei nº 8.884/94. Se o órgão pudesse, a qualquer momento, ser impedido de atuar pelo Chefe do Poder Executivo, para que serviriam a exigência da aprovação de seus membros pelo Poder Legislativo ou o deferimento de um mandato, justamente para que possam decidir longe das pressões dos poderosos grupos econômicos a que estão incumbidos de controlar para impedir os males do monopólio econômico? Uma interpretação em sentido contrário desfiguraria, mutilaria e tornaria sem sentido a existência do órgão de controle.

Por isso mesmo, concluo que o Parecer GM-20 da AGU não pode prevalecer perante a autonomia decisória do CADE.

Passo a apreciar a questão atinente à competência do CADE para examinar as aquisições societárias entre instituições financeiras.

II - Do alegado conflito entre CADE e BACEN

O alegado conflito de atribuições entre os dois entes da Administração Federal decorre da dicção das seguintes normas legais:

Dispõe a Lei nº 4.595/64:

Art. 10. Compete privativamente ao Banco Central da República do Brasil:

(...)

X - Conceder autorização às instituições financeiras, a fim de que possam:

(...)

c) ser transformadas, fundidas, incorporadas ou encampadas;

(...)

g) alienar ou, por qualquer outra forma, transferir o seu controle acionário.

Art. 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central da República do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras.

§ 2º O Banco Central da Republica do Brasil, no exercício da fiscalização que lhe compete, regulará as condições de concorrência entre instituições financeiras, coibindo-lhes os abusos com a aplicação da pena nos termos desta lei.

Acha-se previsto na Lei nº 8.884/94:

Art. 7º Compete ao Plenário do Cade:

I - zelar pela observância desta lei e seu regulamento e do Regimento Interno do Conselho;

(...)

XII - apreciar os atos ou condutas, sob qualquer forma manifestados, sujeitos à aprovação nos termos do art. 54, fixando compromisso de desempenho, quando for o caso;

Art. 15. Esta lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal.

Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do Cade.

O cotejo entre os dois diplomas legislativos deve considerar, inicialmente, a época em que cada um deles surgiu - o decurso de trinta anos entre a Lei nº 4.595/64, editada no final do ano de 1964, quando o país se achava submetido a um regime autoritário, e a Lei nº 8.884/94, nascida sob a égide da Constituição de 1988.

Entre uma e outra, nosso país sofreu profundas alterações, sobretudo na ordem econômica, como bem percebeu o Desembargador Federal Fagundes de Deus, no limiar do voto condutor do acórdão recorrido:

A edição da Lei 8.884/94 decorreu de previsão expressa no atual ordenamento constitucional positivo, que preconiza, em seu texto, o advento de ato legislativo com o escopo de reprimir o abuso do poder econômico nas circunstâncias mencionadas no parágrafo 4° do art. 173 da Lei Maior1.

Ao traçar os princípios gerais da atividade econômica no Capítulo I do Título VII, a Lei Fundamental tornou claro o propósito do legislador constituinte de estabelecer uma ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, no afã de assegurar a todos os cidadãos uma existência digna, conforme os imperativos da justiça social, perfilhando, entre outros, os princípios relativos à propriedade privada, à função social da propriedade, à livre concorrência e à defesa do consumidor. Extrai-se dos princípios que presidem a ordem econômica e financeira a preocupação do constituinte, de modo especial, com a defesa da concorrência e a defesa do consumidor em situação mui diversa do que sucedia em tempos pretéritos, v.g., em meados da década de 60, época da edição da Lei 4.595/64, quando a evolução legislativa no tocante a essa matéria era ainda incipiente e, portanto, longe se achava de alcançar o estágio obtido posteriormente durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, os quais culminaram com a edição do atual texto constitucional.

É preciso acentuar, sob esse aspecto, a grande diferença existente entre a sistemática da Lei 4.595/64 e a nova disciplina da Lei 8.884/94, sendo certo que somente a última reflete a nova e moderna visão do legislador constituinte na tutela dos direitos e interesses difusos e coletivos, diferentemente do que sucedeu com o legislador de 1964.

Com efeito, a própria norma inscrita no § 4° do art. 173 da Lei Maior expressa exemplarmente tal escopo protetor dos interesses difusos e coletivos, ao enfatizar que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise, de um lado, à dominação dos mercados, de outro, à eliminação da concorrência e, por último, ao aumento arbitrário dos lucros, deixando evidenciada essa idéia matriz de proteção aos diferentes segmentos da sociedade, no que conseguiu abarcar como resultante desse disciplinamento múltiplas e diferentes categorias de mercados suscetíveis de regulação econômica.

Tendo presente essa moldura jurídico-constitucional, posso iniciar a formação da minha convicção sobre a interpretação das regras legais em discussão no âmbito do processo, no sentido de acolher a tese desenvolvida pelo Ministério Público Federal e pelo CADE quanto à imprescindibilidade de submissão dos bancos não apenas ao BACEN, mas, também, ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica, ora Apelante.(fls. 555-556).

Existiria, enfim, o confronto entre essas regras legais?

Um exame mais atento ao propósito de cada uma delas leva-nos ao entendimento de que a solução para a lide não requer a invocação do princípio da especialidade ou de suposta hierarquia da norma complementar sobre a ordinária, mas mero exame sobre o âmbito de atuação de cada uma delas.

Está superada a visão segundo a qual o conflito de leis resolve-se apenas com a exclusão da norma inválida. Na atualidade, deve o intérprete buscar a aplicação simultânea e coerente entre as fontes legislativas, de modo a preservar a harmonia do ordenamento jurídico, atribuindo-lhe maior eficiência e funcionalidade. Trata-se do que a doutrina denomina de "diálogo das fontes", expressão criada pelo Professor alemão da Universidade de Heidelberg, Erik Jayme, e difundida no Brasil pela Professora Cláudia Lima Marques.

De acordo com a técnica do "diálogo das fontes", deve haver uma coordenação flexível e útil entre os preceitos normativos, com a finalidade de restabelecer a coerência do sistema. Assim, ao invés de se ter apenas o monólogo legal sobre determinada situação concreta, admite-se o diálogo entre as normas aparentemente conflitantes, por meio da fixação dos campos de aplicação dos preceitos normativos cotejados, buscando-se extrair a finalidade "comunicada" em ambos.

São palavras de Cláudia Lima Marques:

Nesses tempos, a superação de paradigmas é substituída pela convivência dos paradigmas, a revogação expressa pela incerteza da revogação tácita indireta através da incorporação (veja o art. 2.043 do novo Código Civil). Há convivência de leis com campos de aplicação diferentes, campos por vezes convergentes e, em geral, diferentes (no que se refere aos sujeitos), em um mesmo sistema jurídico, há um 'diálogo das fontes' especiais e gerais, aplicando-se ao mesmo caso concreto. (Manual de Direito do Consumidor . São Paulo: RT, 2008, p. 89).

A sistemática que se examina foi expressamente acolhida pelo Supremo Tribunal Federal ao apreciar a incidência do Código de Defesa do Consumidor sobre os serviços bancários ADI 2591/DF). Segundo a Corte Suprema, a Lei 4.595/64 e o Código de Defesa do Consumidor não são diplomas legais excludentes, pois incidem sobre sob enfoques distintos. Aquela se destina a regular a estrutura do sistema, os riscos prudenciais e a função desempenhada pelas instituições financeiras no quadro do sistema financeiro nacional. O CDC, por seu turno, disciplina a relação entre os bancos e os consumidores, no que diz respeito à exploração da atividade econômica oferecida no mercado de consumo.

Vejam-se, a propósito, as lúcidas considerações tecidas pelo Sr. Ministro Eros Grau naquela assentada:

Não há dúvida, de outra parte, quanto à circunstância de a exigência de lei complementar veiculada pelo artigo 192 da Constituição abranger apenas o quanto respeite à regulamentação - permito-me exorcizar o vocábulo 'regulação', em razão do tanto de ambiguidade que enseja - regulamentação, dizia, da estrutura do sistema. O sistema haveria de estar a serviço da promoção do desenvolvimento equilibrado do País e dos interesses da coletividade - diz o preceito - e, para tanto, a Constituição impõe sua regulamentação por lei complementar. Mas apenas isso. Os encargos e obrigações impostos pelo Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, atinentes à prestação de seus serviços a clientes - isto é, atinentes à exploração das atividades dos agentes econômicos que a integram, todas elas, operações bancárias e serviços bancários, na dicção do Ministro Nelson Jobim - esses encargos e obrigações poderiam ser perfeitamente, como o foram, ser definidos por lei ordinária.

Aplicando expressamente a sistemática do diálogo das fontes, assim acentuou o Sr. Ministro Joaquim Barbosa, ao proferir voto na aludida ADI 2591/DF:

[...] no caso, entre a lei ordinária (que disciplina as relações consumeristas) e as leis complementares (que disciplinam o sistema financeiro nacional) não há, a priori, por que falar em exclusão formal entre essas espécies normativas, mas, sim, em 'influências recíprocas', em 'aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja complementarmente, seja subsidiariamente, seja permitindo a opção voluntária das partes sobre a fonte prevalente.

Raciocínio similar pode ser empregado à hipótese dos autos. A competência privativa do BACEN estabelecida na Lei 4.595/64 está relacionada com a estrutura do sistema financeiro nacional. A exploração da atividade econômica, pautada pelos princípios consignados no art. 170 a Carta Maior, entre eles o da livre concorrência, não é tutelada exclusivamente pela Lei 4.595/64, sofrendo influxos da Lei 8.884/94, que confere ao CADE competência para preservar a incolumidade do ambiente concorrencial e apreciar os atos de concentração potencialmente nocivos ao mercado.

As instituições financeiras, portanto, sujeitam-se ao controle da autoridade antitruste, como qualquer outro agente econômico. Essa sujeição, contudo, não se confunde, nem obstaculiza a atuação do BACEN no concernente à regulação e manutenção da higidez do sistema financeiro nacional.

Nesse ponto, invoco a adequada síntese empreendida pelo eminente Subprocurador-Geral da República Moacir Guimarães Morais Filho:

O BACEN é o órgão que opera a fiscalização das instituições financeiras, regulando atividades como concessão de crédito e câmbio além de executar a política monetária formulada pelo Conselho Monetário Nacional - CMN.

Verifica-se a competência do BACEN para fiscalizar as instituições financeiras e autorizar as operações de fusão, incorporação ou outra forma de alteração societária ou constituição de nova empresa, nos termos do art. 10, IX, X, 'c' da Lei nº 4.595/64:

Art. 10. Compete privativamente ao Banco Central da República do Brasil:

(...)

IX - Exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas;

X - Conceder autorização às instituições financeiras, a fim de que possam:

(...)

c) ser transformadas, fundidas incorporadas ou encampadas;

(...)'

Contudo, a atribuição de autorizar as instituições financeiras a serem transformadas, fundidas, incorporadas ou encampadas, outorgada ao BACEN pelo dispositivo supra citado, não exclui nem substitui a competência deferida ao CADE pela Lei nº 8.884/94 para apurar e decidir soberanamente sobre os atos de concentração.

10. O CADE é a autoridade antitruste brasileira; A ele compete fiscalizar se fusões e aquisições entre grandes empresas geram poder econômico capaz de levar ' à dominação de mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário de lucros' (art. 173, § 4º, da CF/88 c/c art. 54 da Lei nº 8.884/94. Quando isso ocorre, tem o poder-dever de determinar' atos ou providências que eliminem os efeitos nocivos à ordem econômica' (art. 54, § 9º, da Lei nº 8.884/94).

A Lei Bancária e a Lei Antitruste devem ser aplicadas tendo presente a regra da complementaridade, fazendo sob diferentes perspectivas. O CADE, sob a da defesa da concorrência. O BACEN, sob a da higidez do sistema financeiro (fls. 697-698).

As informações do presente mandamus reproduzem tópicos do voto proferido pelo Conselheiro Celso Campilongo que distinguiu com absoluta clareza a competência de cada uma das instituições:

Assim, já havia sido consagrado, neste Plenário, o entendimento de que a competência do BACEN para regular o setor financeiro, nos termos da Lei nº 4.595/64, não se confunde com a atuação do CADE na prevenção e repressão ao abuso do poder econômico, exercida nos termos da Lei nº 8.884/94. São, portanto, funções que possuem raios de atuação próprios e que se complementam.

Em outras palavras, este Plenário, que, nos termos do artigo 7°, inciso I, da Lei nº 8.884/94, tem competência para 'zelar pela observância desta Lei', em nenhum momento entendeu existir conflito de competência entre as competências atribuídas pela Lei n° 4.595/64 ao BACEN e aquelas atribuídas pela Lei 8.884/94 ao CADE.

Pelo contrário, este Plenário afirmou e reafirmou que se tratam de competências distintas e complementares, e aplicou a Lei nº 8.884/94, como não poderia deixar de fazê-lo, uma vez que prevenir e reprimir o abuso do poder econômico são competências atribuídas ao CADE.

Isto posto, reafirmo, mais uma vez, que, independentemente de se discutir, aqui, a vinculação do CADE ao parecer da AGU (do ponto de vista estritamente formal), ou, ainda, de se debater o mérito do parecer da AGU (do ponto de vista estritamente material), não compete a este Plenário refutar a interpretação dada pela AGU ao suposto conflito entre os dispositivos da Lei nº 8.884/94 e da Lei n° 4.595/64, sob o prisma das normas da Constituição Federal de 1988. Isto porque tal interpretação visa solucionar um conflito de competência entre o BACEN e o CADE que a AGU afirmou existir, mas, na verdade, inexiste. A este Plenário compete 'zelar pela observância' da Lei nº 8.884/94, interpretando e aplicando os seus dispositivos, e, não dirimir supostos conflitos de competência entre órgãos da administração pública federal. A função de regulação econômica prudencial do setor financeiro, exercida pelo Banco Central, não se confunde, em nenhuma hipótese, no entendimento já registrado por este Plenário, com a função de adjudicação exercida pelo CADE na prevenção e na repressão ao abuso do poder econômico (atividades traduzidas como controle de estruturas e controle de condutas). (fls. 254-255 - sem destaques no original).

Convivem, pois, com base no princípio da complementaridade, a regulamentação sistêmica e prudencial - a cargo do Banco Central, que objetiva resguardar a solidez e estabilidade do sistema e proteger depositantes e investidores - com a regulação geral antitruste - lastreada nos imperativos da livre concorrência e do controle do abuso do poder econômico, incumbências confiadas ao CADE, nos termos do art. 173, § 4º da CF e da Lei 8.884/94.

A formulação da política monetária e de crédito, tarefa do BACEN e do Conselho Monetário Nacional, órgão da estrutura do Executivo Federal, não se confunde com a preservação da livre concorrência, função exercida pelo CADE em todo território nacional. Aquela corresponde a uma política governamental, justificadamente desempenhada por órgãos de governo. A defesa da concorrência não traduz uma política de governo, sendo atividade de Estado contínua e estável, não devendo estar suscetível às modificações manifestadas na condução política do país. Daí as diferenças entre as prerrogativas e garantias dos dirigentes da autoridade antitruste e aquelas conferidas aos que conduzem a política monetária nacional.

Conquanto o BACEN tenha diretores e o presidente nomeados com a participação do Senado Federal, eles não exercem mandato. Também não há regra expressa conferindo-lhes estabilidade no cargo. A livre exoneração do presidente e diretores do BACEN tem sido prática comum.

Situação diversa é a do CADE, cujos conselheiros e o presidente apenas podem perder o cargo, nos termos do art. 5º da Lei 8.884/94, nas seguintes hipóteses:

a) por decisão do Senado Federal;

b) por condenação judicial transitada em julgado;

c) por processo administrativo disciplinar;

d) por violar os deveres impostos no art. 6º da aludida lei (ex: exercício de atividade político-partidária, recebimento de honorários, percentagens ou custas);

e) por faltar, injustificadamente, três sessões ordinárias seguidas ou vinte intercaladas.

Nota-se, portanto, que a estrutura orgânica do CADE é mais adequada ao exercício do controle da concorrência.

Outro ponto que reforça a legitimidade da intervenção do CADE nas operações societárias entre instituições financeiras corresponde ao fato de que, em certas ocasiões, a concentração no mercado financeiro poderá afetar mercados não-financeiros. Com efeito, a complexidade estrutural e gerencial das sociedades empresárias, formadas por grupos econômicos integrados por sociedades dos mais diversos ramos da atividade econômica, fundos de investimentos, grupos de investidores, não raras vezes implica a necessidade de uma leitura panorâmica sobre os mercados possivelmente atingidos com a aquisição societária, sendo o CADE a instituição com maior espectro de atuação e, certamente, com maior capacidade para avaliar as condições concorrenciais nos variados setores da economia.

A fusão entre bancos, por exemplo, poderá alterar o controle de companhias seguradoras, sociedades corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários, administradoras de consórcio, sociedades de arrendamento mercantil que, por sua vez, também se sujeitam, sob perspectiva diversa, à fiscalização de outras entidades autárquicas. Muito embora as companhias seguradoras e as corretoras de valores mobiliários também estejam submetidas ao poder de polícia de outros entes da administração pública, como a Comissão de Valores Mobiliários - CVM e a Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, isso não as exclui do controle realizado pela autoridade antitruste no tocante aos meandros concorrenciais. Assim como em vários outros setores regulados da economia, a exemplo das telecomunicações, energia, transporte aéreo, petróleo, o setor financeiro também se sujeita à regulação geral, seja no atinente à tutela da livre concorrência (exercida pelo CADE), seja no que concerne à defesa do consumidor (desempenhada pelos entes que integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor).

Dessarte, as instituições financeiras não estão imunes ao controle antitruste, a ser realizado pela autoridade competente nos termos da Lei 8.884/94. Por isso, mesmo exercendo atividades sensíveis à economia nacional, esses agentes econômicos também se sujeitam aos princípios constitucionais da ordem econômica previstos no art. 170 da Constituição da República, entre eles, a livre concorrência e a defesa do consumidor.

Trago, nesse ponto, as pertinentes observações do Sr. Ministro Celso de Mello, ao julgar improcedente a mencionada ADI 2591/DF:

Os agentes econômicos não têm, nos princípios da liberdade iniciativa e da livre concorrência instrumentos de proteção incondicional. Esses postulados constitucionais - que não ostentam valor absoluto - não criam, em torno dos organismos empresariais, inclusive das instituições financeiras, qualquer círculo de imunidade que os exonere dos gravíssimos encargos cuja imposição, fundada na supremacia do bem comum e do interesse social, deriva do Texto da própria Carta da República.

(...)"

Vale consignar que, tanto os enfoques de atuação do BACEN e do CADE são diferentes que o primeiro, cientificado dos contratos reputados lesivos à concorrência pelo CADE, limitou-se a informar a inexistência de ato normativo que os vedasse e, por isso, fizesse com que ele devesse sancionar as instituições financeiras por seu descumprimento.

O CADE, constatada a lesividade da conduta, tomou medidas para a sanar, para o que pouco relevou a inexistência de norma que a proibisse.

Decorre daí que o BACEN adota o entendimento de que a lesividade da conduta decorre de sua vedação normativa, ao passo que o CADE apura a lesividade real, que efetivamente importa para a defesa da concorrência.

O argumento de inobservância do devido processo administrativo em princípio tampouco procede.

Como bem analisado pelo Relator da decisão impugnada, o CADE dispõe de competência para instaurar e para instruir processo administrativo.

A Secretaria de Direito Econômico, a quem tais competências foram atribuídas pelos artigos 32 a 39 da Lei nº 8.884/94, considerou-se impedida de atuar no caso em razão do Parecer da Advocacia Geral da União nº 20-GM.

O impedimento, conquanto justificável, não pode ensejar a isenção dos atos praticados pelo Impetrante, razão pela qual é cabível a aplicação do art. 17 da Lei nº 9.784/99, o qual dispõe que o processo administrativo deve ser iniciado perante a autoridade de menor grau hierárquico para decidir na hipótese de inexistir competência legal específica.

O CADE é a autoridade/órgão competente para proferir decisão (artigos 7º, 14 e 50 da Lei nº 8.884/94), por isso o processo administrativo pode ser deflagrado por ele.

Quanto à instrução, o trecho do voto que trata do ponto deve ser transcrito, em razão de sua pertinência:

"67. De fato, as atividades instrutórias e de condução processual que devem ser praticadas pela SDE no curso de um processo administrativo destinado a apurar prática anticompetitiva são aquelas descritas nos artigos 32 a 41 da Lei nº 8.884/94 e resumem-se, basicamente, ao seguinte:

(a) notificar o representado para apresentar defesa no prazo de quinze dias (art. 33), sob pena de confissão e revelia (art. 34), assegurando-lhe a partir de então amplo acesso ao processo;

(b) determinar a realização de diligências e a produção de provas de interesse do caso (art. 35), exercendo os poderes de instrução previstos na Lei, que incluem a inquirição de testemunhas, a inspeção na sede social, estabelecimento, escritório, filial ou sucursal de empresa investigada (art. 35, § 2 e 3), ou a requisição, ao Poder Judiciário, através da AGU, de busca e apreensão (art. 35-A).

(c) celebrar eventual acordo de leniência, neste caso independentemente da aprovação do CADE (art. 35-B);

(d) facultar ao representado a produção de provas de seu interesse, incluindo a oitiva de testemunhas, e presidir essa oitiva (art. 37);

(e) informar a SEAE-MF acerca da tramitação do processo, para que esta emita parecer a respeito do mesmo, se quiser (art. 38);

(f) facultar ao representado, finda a instrução, apresentação de alegações finais (art. 39);

(g) emitir, ao final, relatório circunstanciado, decidindo pela remessa dos autos ao CADE para julgamento, ou pelo arquivamento, nesse caso com recurso de ofício ao CADE (art. 39).

68. Ora, os atos referidos nos itens 'a', 'e' e 'f' são meramente ordinatórios. Por isso, sua prática por uma ou outra autoridade é, sob qualquer ponto de vista, indiferente. O art. 162, §4º, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente nos termos da própria Lei n. 8.884/94, autoriza até mesmo que sejam praticados por servidor público.

69. Os atos referidos nos itens 'b' e 'd' são instrutórios efetivamente. Consistem no poder de requisitar documentos e informações, determinar e deferir provas, ouvir testemunhas, requerer providências ao Poder Judiciário. Ocorre, contudo, que a própria Lei n. 8.884/94 também autoriza tanto o Plenário do CADE como cada Conselheiro a exercer esses mesmos e exatos poderes, fazendo-os nos termos de seus artigos 43, 7 e 14, abaixo transcritos no essencial:

(...)

70. A competência referida no item 'g', acima, consiste na elaboração, pela SDE, de parecer não vinculante, por meio do qual ela sugere, se for o caso, a aplicação de sanção, o que pode ou não ser acatado pelo CADE a seu exclusivo critério, ou então determina o arquivamento do processo, fazendo-o sempre, também, ad referendum do CADE. Como mesmo no caso de arquivamento a decisão da SDE sujeita-se a recurso ex oficio, isso faz com que também tal decisão tenha efeito prático igual ao de uma sugestão, que pode ou não ser acatada pelo CADE, a seu exclusivo critério, a quem cabe sempre decidir por último e em caráter final.

(...)

73. Dessa forma, tem-se que a única competência relacionada à instrução do processo administrativo que a lei outorga à SDE com exclusividade é aquela referida no item 'c', acima, consistente na celebração de acordo de leniência. Todas as demais ou são competências instrutórias de que o CADE também é investido, ou são competências meramente ordinatórias, ou se referem à elaboração de parecer não vinculante, cuja dispensa é expressamente autorizada pelo art. 42 da Lei de Processo Administrativo Federal."

A celebração de acordo de leniência é cabível desde que daí resulte efetiva contribuição para as investigações no âmbito da SDE, senão confiram-se os seguintes dispositivos do art. 35-B da Lei nº 8.884/94:

Art. 35-B. A União, por intermédio da SDE, poderá celebrar acordo de leniência, com a extinção da ação punitiva da administração pública ou a redução de um a dois terços da penalidade aplicável, nos termos deste artigo, com pessoas físicas e jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo e que dessa colaboração resulte:

I - a identificação dos demais co-autores da infração; e

II - a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação.

§ 1º O disposto neste artigo não se aplica às empresas ou pessoas físicas que tenham estado à frente da conduta tida como infracionária.

§ 2º O acordo de que trata o caput deste artigo somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

I - a empresa ou pessoa física seja a primeira a se qualificar com respeito à infração noticiada ou sob investigação;

II - a empresa ou pessoa física cesse completamente seu envolvimento na infração noticiada ou sob investigação a partir da data de propositura do acordo;

III - a SDE não disponha de provas suficientes para assegurar a condenação da empresa ou pessoa física quando da propositura do acordo; e

IV - a empresa ou pessoa física confesse sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.

Como o CADE colheu provas suficientes da conduta lesiva à concorrência sem a colaboração da Impetrante, não haveria amparo para a celebração do acordo de leniência.

Por isso, a impossibilidade de a Impetrante celebrá-lo em razão de não ter havido instrução pela SDE não lhe causou prejuízos.

A alegação de que a decisão do CADE macula o ato jurídico perfeito e compromete os contratos celebrados entre o Impetrante e os entes públicos não tem amparo.

A defesa da livre concorrência ocorre de maneira preventiva e repressiva. Evidentemente, quando ela ocorre de maneira repressiva, os atos que lhe trouxeram prejuízos já foram praticados e serão por ela afetados, não se podendo invocar a proteção ao ato jurídico perfeito para se descumprir o art. 170, IV, da Constituição Federal.

O CADE pode adotar qualquer medida que entenda necessária à cessação dos efeitos nocivos à ordem econômica, independentemente de responsabilidade civil por perdas e danos causados a terceiros, a teor do art. 54, §9º, da Lei nº 8.884/94, e, com mais razão, ao autor da prática lesiva à concorrência.

Nesse sentido, confiram-se os parágrafos do art. 54 que interessam ao caso:

Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do Cade.

(...)

§ 7º A eficácia dos atos de que trata este artigo condiciona-se à sua aprovação, caso em que retroagirá à data de sua realização; não tendo sido apreciados pelo Cade no prazo estabelecido no parágrafo anterior, serão automaticamente considerados aprovados.

(...)

§ 9º Se os atos especificados neste artigo não forem realizados sob condição suspensiva ou deles já tiverem decorrido efeitos perante terceiros, inclusive de natureza fiscal, o Plenário do Cade, se concluir pela sua não aprovação, determinará as providências cabíveis no sentido de que sejam desconstituídos, total ou parcialmente, seja através de distrato, cisão desociedade, venda de ativos, cessação parcial de atividades ou qualquer outro ato ou providência que elimine os efeitos nocivos à ordem econômica, independentemente da responsabilidade civil por perdas e danos eventualmente causados a terceiros.

Ora, se a própria lei exonera da competência do CADE a composição da contenda oriunda de danos causados a terceiros em razão de suas decisões - evidentemente, se o ato da Autarquia limitar-se às providências indispensáveis para a tutela da concorrência e nada mais que isso -, é corolário lógico que ele, igualmente, não deve debruçar-se sobre a questão atinente aos eventuais prejuízos sofridos pelas partes cujo contrato foi parcialmente desfeito.

Não se pode perder de vista que as decisões do agente antitruste invariavelmente impõem prejuízos aos agentes econômicos, ainda que sob o ponto de vista estrutural ou estratégico, os quais devem ser suportados ante a ilicitude da conduta anticoncorrencial e o fim de recompor a higidez do mercado.

Por isso, as decisões do CADE, desde que proferidas com espeque no princípio da mínima intervenção, derivação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não condicionam a sua validade à ausência de prejuízos.

Para ilustrar o alcance das decisões do CADE e sua íntima relação com a imposição de ônus, frequentemente convertidos em prejuízos econômicos, transcrevo exemplos de atos de concentração modulados pela Autarquia extraídos da obra de Ana Maria de Oliveira Nusdeo intitulada Defesa da Concorrência e Globalização Econômica, O Controle da Concentração de Empresas :

"Um dos casos mais ilustrativos dessa posição foi o Ato de Concentração 27/95, entre K & S Aquisições Ltda. e Kolynos do Brasil S/A. neste caso o Conselho examinou a aquisição da Kolynos do Brasil pela Colgate Palmolive Co., através de sua subsidiária KAC Corporation, em decorrência do processo de leilão privado no exterior no qual a Amarican Home Productions Corporation 9AHP) vendeu seus negócios na área de saúde bucal. A operação envolvia quatro diferentes mercados relevantes de produtos: enxaguante bucal, fio, escova e cremes dentais. Apenas nesse último, todavia, foi a operação considerada prejudicial à concorrência, pois as duas partes envolvidas na operação passariam a deter cerca de 80% do mercado nacional de creme dental.

(...)

A fim de permitir a aprovação da operação - que, no entender da Conselheira-Relatora, contrariava os dispositivos dos incisos III e IV do §1º do art. 54 da Lei 8.884, de 1994, quais sejam: a não-eliminação substancial da concorrência no mercado relevante e se restringir a operação aos limites necessários à consecução das suas finalidades -, o CADE entendeu aprová-las sob condições. Baseando-se na jurisprudência internacional, o Conselho entendeu não ser cabível a uma mesma empresa deter o controle de duas marcas de posição proeminente no mercado, sobretudo se anteriormente essas marcas concorriam entre si. A linha bens de consumo devem ser sujeitas a condições que impliquem a desincorporação, vale dizer, a venda de ativos e das marcas do negócio paralelo à mesma linha de produtos que está sendo adquirida.

Dessa forma, foram apresentadas às partes três alternativas para a permissão do ato de concentração: a) a suspensão temporária do uso da marca Kolynos e extensões no mercado interno, pelo prazo de quatro anos, e a obrigação de oferta pública de contratos de produção de creme dental por encomenda no mesmo segmento do Kolynos Superbranco a concorrentes existentes ou potenciais e oferta de assistência técnica a varejistas e distribuidores de grande porte para o lançamento de marcas próprias no mesmo segmento; b) licenciamento exclusivo para terceiros da marca Kolynos, por 20 anos, prorrogáveis; c) alienação da marca Kolynos e extensões a favor de comprador que não detivesse mais de 1% do mercado e se apresentasse como competidor capaz de sustentar a marca, a ser identificado através de processo de leilão privado.

A alternativa escolhida pelas partes foi a suspensão do uso da marca pelo período de quatro anos. Em observância às exigências do CADE, surgiu no mercado a marca Sorriso, produzida nas instalações da Kolynos. A verificação dos resultados das condições impostas pelo Conselho e da sua capacidade de restabelecer as condições de concorrência num mercado que se tornou monopolizado dependeria de um estudo do mercado brasileiro de creme dental após o decurso do período de suspensão do uso da marca Kolynos pela Colgate.

Contemporâneos à decisão no caso Kolynos/Colgate foram os examines de dois acordos de cooperação, ou joint ventures, entre cervejarias brasileiras e norte-americanas. Muito embora não tenha havido aumento do grau de concentração do mercado em decorrência dos mesmos, já que as partes estrangeiras não atuavam no mercado brasileiro, senão através de importações de participação residual nas vendas, o CADE entendeu-os prejudiciais à concorrência em razão da eliminação de concorrentes potenciais no mercado brasileiro de cervejas.

O Ato de Concentração 58/95, entre Cia. Cervejaria Brahma, Miller Brewing Co. e Miller Brewing M 1855 Inc. consistiu na criação de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada com igualdade de participação entre a Brahma e a Miller M1855 destinada, basicamente, à fabricação, importação e exportação de produtos comestíveis e bebidas em geral, à exploração de suas próprias marcas ou de marcas de licenciadas e à prestação de assistência técnica a produtores de cerveja. Os acordos de cooperação previam um prazo de duração para a operação de 15 anos, mas na prática a aliança tinha prazo virtualmente indeterminado.

(...)

Nesse sentido, o Conselho decidiu pela aprovação condicional da operação, que deveria reduzir seu prazo de duração, virtualmente indeterminado, para dois anos - tempo considerado suficiente para a Miller sedimentar seu ingresso no mercado brasileiro. Além disso, deveriam ser eliminadas as cláusulas contratuais estabelecendo relações de preços entre as marcas das duas cervejarias.

As partes requereram a reapreciação da operação, tendo o pedido sido aprovado sob novas condições. Duas alternativas foram apresentadas: a) disponibilizar, através de oferta pública, parcela da sua capacidade de envasamento a uma pequena cervejaria já em atividade no mercado relevante, para viabilizar o uso, por essas empresas, de embalagens não retornáveis, típicas do segmento premium; b) oferecer a pequenas cervejarias, também mediante oferta pública, contratos de assistência técnica a fim de difundir seus conhecimentos em técnicas de gerenciamento e de engenharia de montagem, disponibilizados à Brahma pela Miller; e c) eliminação de todas as referências a preços entre as diferentes marcas de titularidade da Brahma e da Miller.

(...)

O ato de concentração mais polêmico decidido pelo CADE nesses primeiros anos de sua transformação em autarquia, não apenas pelos elementos da operação, mas pela publicidade alcançada nos meios de comunicação, foi a criação da empresa Cia. de Bebidas das Américas - Ambev, reunindo sob único controle societário as cervejarias da Antártica e da Brahma. Uma vez que a Antártica e a Brahma são as maiores marcas e também as maiores produtoras de cerveja no país, a operação resultou na formação de posição de monopólio nos mercados relevantes de cerveja no Brasil, com participação de mais de 60% do mercado em todas as regiões geográficas, e mais de 80% em algumas delas.

(...)

Apesar do substancial aumento da concentração no mercado relevante, causado pela operação e da eliminação da concorrência entre as principais marcas do mercado, a operação foi aprovada pelo CADE sob condições relativamente brandas. Nesse sentido, a autarquia determinou a venda pela Ambev de uma das marcas da Antártica, a Bavária, cuja participação no mercado era de aproximadamente 5%, para a concorrente detendo participação inferior a 5% do mercado, bem como cinco fábricas espalhadas pelo país, além de determinar o uso da rede de distribuição da Ambev pelo comprador, como forma de lhe permitir penetração e crescimento no mercado. O Conselho impôs, ainda, condições de caráter social, ligadas ao problema do emprego. Assim, proibiu a desativação de fábricas no período de quatro anos e determinou que, em caso de demissões ligadas à reestruturação da empresa, a Ambev ficaria obrigada a aplicar medidas de recolocação e reciclagem profissional."

De todo os exemplos, vale comentar o caso Kolynos, em que o CADE determinou que o uso da marca, amplamente conhecida no mercado de pasta de dentes, fosse suspenso por quatro anos.

É evidente que a decisão infligiu prejuízos econômicos às empresas, eis que elas tiveram que comercializar seu produto através da marca Sorriso, criada para substituir a Kolynos, então sem nenhuma penetração no mercado.

Ainda, houve decisões que restringiram de maneira significativa o prazo de duração de operações conjuntas de empresas, o que tem enorme potencial para causar danos em decorrência de eventuais investimentos e contratos por elas firmados tendo em conta a duração da parceria.

Sem embargo, como os atos causaram efeitos negativos à concorrência, tiveram de ser desfeitos independentemente dos prejuízos dos contratantes, os quais deveriam recompor a avença tendo em mira a decisão do CADE.

A tese do Impetrante de que o ato impugnado viola a discricionariedade dos entes públicos quanto à exclusividade e à preferência, os princípios da economicidade, da eficiência e da livre concorrência diz respeito ao mérito desse ato, que é alheio ao alcance deste Juízo, ainda mais em sede de cognição sumária.

Por fim, valem algumas considerações acerca do valor da multa diária para o caso de descumprimento da medida cautelar. Em princípio, o valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) causa espanto.

Contudo, há que se ter em mente que ele corresponde a 0,000002% da carteira atual de crédito consignado a servidores públicos do Impetrante.

Ainda, não se pode descurar que o risco de perecimento, em se tratando de matéria concorrencial, deve ser analisado com especial enfoque no aspecto conjuntural, o que autoriza a adoção de penalidade de valor elevado com o intuito de compungir o agente ao cumprimento da decisão do CADE.

O controle dos atos de concentração é política cara às nações desenvolvidas porque compatibiliza a existência de empresas fortes e a concorrência entre elas, criando condições estruturais para o desenvolvimento desses países.

Deveras, a existência de órgãos reguladores cujas decisões, tomadas com espeque em fundamentos técnicos além do alcance do Poder Judiciário, são cumpridas pelos agentes regulados imprime confiança aos agentes econômicos sobre a segurança de investimento em determinado país.

Isso porque o mercado é uma realidade dinâmica e a procrastinação no cumprimento de uma decisão pode consolidar os efeitos da conduta anticoncorrencial, em detrimento da economia nacional e dos consumidores.

Nesse exato sentido, transcrevo trecho da palestra do Professor João Bosco Leopoldino da Fonseca no Seminário intitulado "O Judiciário na Defesa da Concorrência", disponível no sítio eletrônico da Associação dos Juízes Federais do Brasil - AJUFE, www.ajufe.com.br:

"As decisões que envolvem questões econômicas devem ser proferidas em tempo econômico, ou seja, somente serão eficientes e terão eficácia se ocorrerem com uma limitação temporal insuscetível de delongas. Essa exigência de celeridade não se compadece com a atual morosidade das decisões do Judiciário federal, decorrente certamente da enorme pletora de processos ali em tramitação. Pode-se perguntar, concretamente, quanto tempo tramitará o processo ajuizado pela Nestlé, impugnando a decisão do CADE. Se o tempo necessário à decisão se pautar pelo andamento normal, de cinco a quinze anos, qualquer que seja a decisão, será ela inócua e ineficaz."

Assim, mais adequado é que se faça cumprir a decisão cautelar profligada, ainda que cause prejuízos ao Impetrante, do que se permita que o ato lesivo à concorrência continue a produzir efeitos e consolide a posição dominante do Banco do Brasil, eliminando os concorrentes do setor de crédito consignado a servidores públicos.

O que o CADE poderia ponderar seria a concessão de prazo mais longo para que o Impetrante notificasse os servidores contratantes e eventualmente adequasse seus contratos, considerando a grande quantidade de avenças celebradas.

Aguardarei que alguma manifestação ou proposta sobre o ponto venha com as informações.

Com essas considerações, indefiro o pedido liminar.

Retifique-se a autuação para que o Presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE conste do pólo passivo.

Publique-se. Notifique-se a autoridade impetrada para que preste as informações no decêndio legal. Intime-se o órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, para os fins do art. 7º, II, da Lei nº 12.016/2009. Após, ao MPF.

Brasília, 18 de novembro de 2011.

MARIA CECÍLIA DE MARCO ROCHA

Juíza Federal Substituta da 6ª Vara/DF

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