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Lei 12.846

Para advogada, lei anticorrupção importará em mudança da cultura empresarial

Em entrevista, a advogada Evane Beiguelman Kramer esclarece a norma que endurece as regras para punição de empresas envolvidas em atos contra a administração pública.

Da Redação

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Atualizado às 08:31

No dia 1º/8 foi sancionada a lei 12.846, conhecida como lei anticorrupção. O texto, que teve origem na Câmara com o PL 6.826/10, dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Ao sancionar a norma, a presidente Dilma vetou três pontos do texto. O primeiro, do § 6º do art. 6º, que dispunha sobre o valor de multa estabelecida às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos na lei. Outro determinava que seria levado em consideração na aplicação das sanções "o grau de eventual contribuição da conduta do servidor público para a ocorrência do ato lesivo". E, por fim, o § 2º do art. 19, segundo o qual "dependerá de comprovação de culpa ou dolo a aplicação das sanções previstas".

Para esclarecer a nova norma, Migalhas entrevistou a advogada Evane Beiguelman Kramer, do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados. Confira abaixo.

Evane Beiguelman Kramer1. Qual principal inovação da lei anticorrupção?

Evane: A lei anticorrupção sanciona a pessoa jurídica ou o grupo econômico, não mais se limitando à sanção da pessoa do administrador público ou do agente público ou privado que participar do ato. Apresenta mecanismos mais eficazes de recuperação do patrimônio público, pois implica em sanções que atingem o faturamento da empresa, o perdimento de bens etc. Seu caráter punitivo é também indenizatório, com maior probabilidade de eficiência de recuperação de valores. Dispõe, também, sobre a prescrição quinquenal, dispositivo que funciona como mecanismo de garantia de defesa contra os processos infinitos. Por outro lado importará em reorganização dos segmentos de compliance e da cultura empresarial brasileira.

2. Quais as principais diferenças entre a lei anticorrupção e a lei de improbidade?

Evane: Tanto a lei anticorrupção (lei 12.846/13) quanto a lei de improbidade administrativa (lei 8.429/92) explicitam o cânone da moralidade do art. 37, § 4º da Constituição Federal e ambas tem por escopo impor sanções por infração à moralidade administrativa. A lei de improbidade administrativa (lei 8.429/92) impõe sanções aos agentes públicos (portanto, pessoas físicas), incursos em atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) que causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), aqui também compreendida a lesão à moralidade administrativa. O objetivo da lei de improbidade, portanto, é punir o administrador público desonesto, não o inábil. Por tais razões, a jurisprudência pátria já consolidou o entendimento que para que se enquadre o agente público na lei de improbidade é necessário que haja o elemento subjetivo (dolo ou culpa grave), bem como que resulte prejuízo ao ente público, caracterizado pela ação ou omissão do administrador público. De fato, a lei alcança o administrador desonesto, não despreparado. Não há previsão expressa de lapso prescricional dos atos de improbidade. As sanções por ato de improbidade administrativa, à luz da lei 8.429/92 encontram raiz na CF, art. 37, § 4º: "Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível". A gradação das penas é feita nos moldes do artigo 12, I a III da lei 8.429/92.

Já a lei anticorrupção dispõe sobre a responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas e das pessoas físicas de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora ou coautora ou partícipe do ato ilícito. Em relação à pessoa jurídica o regime jurídica de responsabilização é objetivo e em relação às pessoas físicas o regime jurídico é da responsabilização subjetiva, na medida em que o art. 3o § 2o da lei 12.846, de 1º de agosto de 2013 dispõe que "os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade". No tocante às sanções, a lei anticorrupção prevê, na esfera administrativa, a sanção pecuniária, de multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; além de dar publicidade da decisão condenatória. Na hipótese do inciso I do caput, caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000 a R$ 60.000.000,00. Igualmente a lei prevê que a aplicação da multa não exclui, em qualquer hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado. Contudo, a sanção administrativa não impede a imposição de sanções decorrentes de processo judicial, previstas a multa, perdimento de bens, direitos ou valores, além de suspensão ou interdição parcial de suas atividades, a dissolução compulsória da pessoa jurídica e a proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de um e máximo de cinco anos. Há previsão de prescrição quinquenal das infrações, contada da data da ciência da infração ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

3. Quais as principais deficiências e pontos controversos?

Evane: Um dos pontos controvertidos é o aparente conflito com a lei de improbidade (8.429/92), a lei de licitações (8.666/93) e a lei de defesa da concorrência (8.884/94). Por exemplo, na lei de licitações, as sanções pelas condutas ilícitas são aplicáveis somente em face das pessoas físicas. Igualmente, a legislação atual imputa responsabilidade subjetiva aos agentes (ou seja, deve ser comprovada a culpa dos envolvidos), ou ainda, muitas das infrações previstas na lei já estão presentes na lei de improbidade (8.429/92), a lei de licitações e a lei de defesa da concorrência. Portanto, não resta claro qual norma deverá ser aplicada diante de uma situação que possa representar uma infração tanto a lei anticorrupção quanto à legislação existente. A questão de legislação aplicável tem reflexos imediatos nas sanções a serem aplicadas: na hipótese de um ato representar uma violação tanto à lei anticorrupção quanto à lei de licitações, deverá ser aplicada a declaração de inidoneidade da lei de licitações ou da lei anticorrupção?

Outro ponto controvertido é a possibilidade de dissolução compulsória da pessoa jurídica, que se afigura como sanção severa e, quiçá, irreversível, semelhante à pena capital à pessoa jurídica.

Por último, para o alcance de resultados eficazes de combate à corrupção, no regime da responsabilização objetiva, que independe da culpa, bastando, assim, a existência do fato, a aplicação da lei deve levar em conta conduta tipificadas exaustivamente, bem como competências taxativamente definidas das autoridades responsáveis pelos procedimentos administrativos sancionatórios, sob pena de, ao contrário de fomentar as boas práticas coorporativas, venha a norma a se tornar um instrumento (polarizado, maniqueísta e ineficiente) de "combate" a todo aquele que contrate com a Administração Pública.

4. E o que pode ser dito acerca dos vetos?

Evane: No primeiro veto, a presidente retirou do texto o trecho que limitava o valor da multa aplicada às empresas ao valor do contrato. Fica mantida a redação que prevê a aplicação de multa de até 20% do faturamento bruto da empresa, ou até R$60 milhões, quando esse cálculo não for possível.

O dispositivo vetado poderia dar maior equilíbrio ao caráter indenizatório das punições, sem ultrapassar esta finalidade.

No segundo veto, o governo retirou da lei o trecho que tratava da necessidade de comprovação de culpa ou dolo para aplicar sanção à empresa. O veto está em sintonia com o regime de responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, mas se manteve a subjetivação da responsabilidade no tocante às pessoas físicas (art. 3º § 2o Os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade).

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