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Novo CPC

Fernando Gajardoni: Novo CPC trabalha com utopia de ser capaz de resolver problemas da Justiça

O juiz de Direito e professor elenca críticas diversas ao texto do futuro compêndio.

Da Redação

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Atualizado em 27 de janeiro de 2015 15:41

"Nenhuma lei é capaz de transformar um sistema ou dar-lhe melhores condições materiais ou humanas."

Ainda que otimista e celebrando muitas disposições do novo CPC (PLS 166/10), o juiz de Direito Fernando da Fonseca Gajardoni, de SP, é cauteloso ao comentar se o código que está por vir irá alcançar a celeridade processual e a redução de ações no Judiciário brasileiro esperadas.

"Penso, sinceramente, que o NCPC trabalha com a utopia de que ele é capaz de resolver os problemas do sistema de Justiça brasileira."

Professor doutor em Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP - Ribeirão Preto, o magistrado elenca diversos dispositivos que devem trazer melhorias ao cenário da Justiça brasileira, sem deixar de analisar outras inovações legislativas que, se não vão piorar a situação, devem passar longe de uma melhora substancial.

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As mudanças que estão por vir no Processo Civil irão de fato auxiliar os juízes na questão da celeridade e redução do volume de processos ?

Sou uma pessoa otimista por natureza. E como estudioso do processo, gosto demais de muitas das disposições do novo CPC, principalmente da parte principiológica (processo cooperativo, incentivo à autocomposição, potencialização do contraditório, princípio da boa-fé, etc.). Mas penso, sinceramente, que o NCPC trabalha com a utopia de que ele é capaz de resolver os problemas do sistema de Justiça brasileira.

Não é.

Nenhuma lei é capaz de transformar um sistema ou dar-lhe melhores condições materiais ou humanas. A lei de Execução Penal (7.210/84) é prova viva disso. Diploma extremamente avançado, bem feito. Mas incapaz, nos últimos 30 anos, de transformar o nosso sistema carcerário em algo melhor.

Portanto o que vai melhorar o processo brasileiro não é a lei. É a informatização do processo e das rotinas; é a gestão da Justiça. O CPC pode contribuir muito pouco com isso.

Até há algumas disposições do NCPC que tentam impor alguma celeridade ou reduzir o volume de processos. Mas mesmo elas dependem de como as unidades judiciais serão estruturadas e geridas.

Há outros dispositivos que só vão aumentar a litigiosidade e, por tabela, a lentidão.

E alguns que, ao mesmo tempo, podem melhorar e piorar a qualidade da tutela jurisdicional. É imprevisível.

Quais dispositivos exemplificam a questão acima ?

Há alguns dispositivos que, desde que criada estrutura adequada para os juízes atuarem, podem reduzir o volume e acelerar os processos.

A realização de audiência de conciliação e mediação como ato inicial do rito comum, desde que efetivamente haja um corpo autônomo e preparado de mediadores/conciliadores, pode funcionar.

O incidente de resolução de demandas repetitivas, desde que o Judiciário seja capaz de identificar e julgar rapidamente a tese repetida, pode evitar a proliferação de demandas.

A necessidade de obediência, inclusive e principalmente pelos tribunais de 2º grau, dos precedentes superiores, tende a limitar o número de ações ajuizadas contra teses já pacificadas.

Por outro lado, há dispositivos que entendo serem prejudiciais à causa da Justiça. O primeiro deles é o inconstitucional art. 12, que estabelece o julgamento dos processos por ordem cronológica de conclusão. O dispositivo, além de impedir que os juízes gerenciem seus gabinetes, leva à absurda situação de a unidade ficar parada, sem produzir praticamente nada, enquanto um processo ou um recurso mega complexo, que demande meses de reflexão e estudo para julgamento, não for decidido. Na busca da igualdade formal, irrefletidamente sacrificaram a igualdade material e impediram uma gestão efetiva da unidade (prolação de sentenças seriadas em casos repetidos, eleição de prioridade à luz do direito em debate ou qualidade das partes, etc.).

Outro dispositivo que tem tudo para tornar inviável a atuação dos Tribunais Superiores é o que estabelece ser deles, e não mais dos Tribunais de 2º grau, a admissibilidade dos Recursos Extraodinário e Especial. Há uma tendência de se multiplicarem o número de RExts e REsps interpostos - principalmente nos casos de partes beneficiárias da justiça gratuita (que são muitas) -, fundados na esperança da parte/advogado em ter o seu recurso analisado "por alguém lá de Brasília". Será o caos no STF e STJ, que em vez de cuidarem daquilo que realmente interessa (repercussões gerais, causas repetidas, etc.), viverão para fazer admissibilidade de recursos.

Há, também, uma disposição que impõe ao juízes a necessidade de fundamentação exaustiva das decisões judiciais (art. 486). Nada contra o salutar dispositivo, vez que a fundamentação é imperativo de ordem constitucional e legitimante da atividade judicial. Aliás, o próprio Poder Judiciário é atento à questão da fundamentação, não sendo incomuns decisões superiores anulando outras exatamente por conta do vício de fundamentação. Mas o legislador pesou demais na mão, ao apontar que não basta ao juiz fundamentar, ainda que exaustivamente, as razões pelas quais a parte venceu. É necessário, ainda, sob pena de nulidade do julgado, enfrentar todos os argumentos deduzidos pela parte que perdeu e capazes de, em tese, infirmar a decisão. Penso que temos juízes de menos para processos demais. A depender da interpretação do dispositivo, há uma tendência clara de a produtividade do Poder Judiciário despencar. Principalmente por conta da avalanche de embargos de declaração que o dispositivo ensejará.

Por fim, há dispositivos que ninguém é capaz de dizer se contribuirão ou prejudicarão a causa da Justiça: honorários recursais, negócio jurídico processual e conversão de ações individuais em coletivas. Tudo muito novo. Só o tempo dirá se a aposta foi boa.

Agora, há dispositivos pitorescos e que não vão pegar, verdadeiros devaneios legislativos. Como o que insanamente determina que as audiências de instrução sejam realizadas com intervalo de uma hora. Não é possível impor a um juiz, que tem 10.000 feitos na unidade, que ao mesmo tempo cumpra o dispositivo e preste tutela jurisdicional tempestiva.

Os juristas constantemente lembram que o Poder Público é o maior litigante do país. Há mudanças no novo CPC que afetam de alguma forma essa realidade ?

Talvez a mudança que possa impactar o Poder Público seja a nova disciplina dos honorários advocatícios contra a Fazenda Pública. No CPC/73, a fixaçaõ dos honorários era equitativa, sem vínculo com o valor da causa. Assim, muitas causas milionárias contra o Poder Público geravam sucumbência mínima. O CPC/15, atendendo ao apelo da advocacia, criou uma tabela de fixação de honorários conforme o valor da causa. Como o custo do processo contra a Fazenda Pública, caso vencida, aumentará, isso poderá fazer com que ela resista menos a pretensões extrajudiciais legítimas do jurisdicionado, diminuindo o número de feitos.

Mas tirando isso e alguma mudança na questão de prazos e reexame necessário, nada de relevante. A Fazenda Pública continuará a pagar seu débito via precatório (art. 100 da CF), inclusive porque o CPC não podia nada fazer a este respeito.

Em qual esfera o sr. acredita que as alterações do novo CPC devem ter maior impacto : primeira instância ou tribunais superiores ?

Acho que os Tribunais Superiores serão os mais afetados pelo NCPC. O julgamento cronológico, o dever de fundamentação exaustivo e a admissibilidade dos RExts e REsps diretamente lá, podem inviabilizar o funcionamento destas Cortes. Eu, pessoalmente, não gostaria de estar na pele dos ministros (rs).

Por quais melhorias dos institutos processuais há maior expectativa por parte dos juízes ?

A grande revolução no processo, esperada por todos, mas que não veio no CPC/15, era a retirada do efeito suspensivo automático da apelação. Faltou boa vontade e coragem à Câmara dos Deputados e assessoria para seguir na proposta da Comissão de Juristas e do Senado, que tornava exequíveis as decisões de primeiro grau no Brasil.

Com o retrocesso implementado no projeto do NCPC pela Câmara, o juiz de 1º grau continuará a ser mero parecerista, responsável por decidir, apenas, quem vai recorrer. Ou seja: efetividade quase zero para quem bate às portas da Justiça de 1º grau (que é a regra).

Tirando essa frustração, a grande maioria dos juízes tem preocupação com a regra da cronologia de julgamento e cumprimento de processos, e com a questão da fundamentação. Entretanto, o que todos os juízes querem mesmo é que, com o NCPC, venha uma estrutura de trabalho adequada para que seja cumprida a promessa de prestação de tutela de qualidade e em tempo razoável.

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