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STF

Com empate, Moraes pede vista de denúncia contra Bolsonaro por racismo

Marco Aurélio e Fux rejeitaram a peça acusatória. Barroso e Rosa receberam.

Da Redação

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Atualizado às 15:52

Pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes suspendeu na 1ª turma do STF o julgamento de denúncia pelo crime de racismo contra Jair Bolsonaro por expressões preconceituosas.

Até o momento o julgamento está empatado em 2 a 2. Relator, o ministro Marco Aurélio rejeitou a denúncia. Ele entendeu que as declarações de Bolsonaro não configuram conteúdo discriminatório, estão inseridas na liberdade de expressão e protegidas pela imunidade parlamentar. O voto foi acompanhado pelo ministro Luiz Fux. O ministro Luís Roberto Barroso abriu a divergência recebendo parcialmente a denúncia e foi acompanhado pela ministra Rosa Weber.

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De acordo com a denúncia, durante palestra no Clube Hebraica do Rio, em abril do ano passado, em pouco mais de uma hora de discurso, Jair Bolsonaro usou expressões de cunho discriminatório contra quilombolas, indígenas, refugiados, mulheres e LGBTs.

Na palestra que motivou a denúncia, o parlamentar afirmou, dentre outros: "eu fui em um quilombo em Eldorado Dourado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador eles servem mais". 

Na denúncia, Doge transcreveu alguns trechos do discurso que, segundo ela, "caracteriza o que a doutrina denomina de discurso de ódio'':   

"Eu tenho 5 filhos. Foram 4 homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher"

 "A área mais rica do mundo está exatamente demarcada como terra indígena, uma área maior que a região do Sudeste é demarcada como terra indígena. Tive em Roraima. Uma das acusações que recebo é 'Xenófobo!'. [.] E eu sou contra estrangeiros aqui dentro. "

 "Dentro de Roraima, os senhores acham aqui tudo que existe na tabela periódica [.], além de demarcação como terra indígena, o que que eles fizeram lá? O único rio lá que se poderia fazer três hidrelétricas, o pessoal encheu de índio. Hoje você não pode fazer uma hidrelétrica."

 "E voltamos a qui pra questão da xenofobia, né. Nós não podemos abrir as portas do Brasil pra todo mundo. Então aí o Trump [.] está preservando o seu país."

"Aqui apenas são as reservas indígenas no Brasil. Onde tem uma reserva indígena, tem uma riqueza embaixo dela. Temos que mudar isso daí. Mas nós não temos, hoje em dia, mais autonomia para mudar isso daí. Entregou-se tanto a nossa nação que chegamos a esse ponto, mas dá pra mudar nosso país. Isso aqui é só reserva indígena, tá faltando quilombolas, que é outra brincadeira. Eu fui em um quilombola em El Dourado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador eles servem mais. Mais de um bilhão de reais por ano gastado com eles. Recebem cesta básica e mais material em implementos agrícolas. Você vai em El Dourado Paulista, você compra arame farpado, você compra enxada, pá, picareta por metade do preço vendido em outra cidade vizinha. Por que? Porque eles revendem tudo baratinho lá. Não querem nada com nada."  

"Nós não temos 12 milhões de desempregados, nós temos 40 milhões, porque eles consideram quem bolsa-família como empregado. Só aí, só aí nós temos praticamente 1/4 da população brasileira vivendo às custas de quem trabalha. Alguém já viu um japonês pedindo esmola por aí? Porque é uma raça que tem vergonha na cara. Não é igual essa raça que tá aí embaixo ou como uma minoria tá ruminando aqui do lado."  

"Se eu chegar lá, não vai ter dinheiro pra ONG, esses inúteis vão ter que trabalhar. [.] Não vai ter um centímetro demarcado pra reserva indígena ou pra quilombola."  

"Se um idiota num debate comigo, caso esteja lá, falar sobre misoginia, homofobia, racismo, baitolismo, eu não vou responder sobre isso(grifos originais)

Voto do relator

O ministro Marco Aurélio deixou de receber a denúncia pois entendeu pela não configuração do conteúdo discriminatório, pontuou que as manifestações estão inseridas na liberdade de expressão prevista no art. 5º, inciso 4º,  da CF, e protegias pela imunidade parlamentar. 

Segundo ele, na referência feita aos quilombolas, a utilizaçao do vocábulo 'arrobas' não configura ato de desumanização dos quilombolas, mas sim uma forma de expressao "infeliz", invocada a fim de enfatizar que está um cidadão específico do grupo acima do peso tido como adequado. "Não há conteúdo preconceituoso ou discriminatório na afirmação, não sendo possível afirmar que a fala decorre da condição subjetiva do quilombola."

Quanto a incitação ao crime por comportamento xenofóbico, o ministro entendeu "insubsistentes as premissas lançadas pela acusação". "O delito, o qual considerado o princípio da auto responsabilidade, já apontei como excepcional, é de perigo abstrato, cuja tipicidade há de ser materializada teleologicamente, ou seja, embora não se exija que do discurso dito incitador sobrevenha a efetiva prática de atos discriminatórios, revela-se imprescindível a aptidão material do teor das falas a desencadeá-los."

Para ele, as afirmações lançadas pelo denunciado situam-se no âmbito da crítica à política de imigração adotada pelo governo, não configurando conteúdo discriminatório ou passível de incitar pensamentos e condutas xenofóbicas pelo público ouvinte. "O próprio acusado, na fala do minuto 56 da palestra, diz não fazer distinção quanto a origem estrangeira do imigrante, a crítica também se revela inserida na liberdade de manifestação de pensamento, insuscetível de configurar crime.

"Em Direito Penal condutas passíveis de censura no plano moral são indiferentes e insuficientes a legitimarem a incidência da norma incriminadora."

Marco Aurélio apontou ainda que o convite para a palestra no clube Hebraica deu-se em razão do exercício do cargo de deputado Federal ocupado por Bolsonaro e que, da análise dos pronunciamentos do parlamentar na Câmara dos Deputados, "depreende-se a vinculação das manifestações apresentadas na palestra com atuação no Congresso Nacional".

"Declarações, ainda que ocorridas fora das dependências do Congresso Nacional e eventualmente sujeitas a censura moral, quando retratam o exercício do cargo eletivo, a atuação do congressista, estão cobertas pela imunidade prevista no artigo 53, caput, da Constituição Federal, a implicar a exclusão da tipicidade." 

Veja a íntegra do voto.

Divergência

Abrindo a divergência, o ministro Luís Roberto Barroso destacou algumas falas de Bolsonaro durante a palestra para complementar o raciocínio de seu voto. Ele fez referência aos trechos em que Bolsonaro se referiu às mulheres, índios, estrangeiros e pobres, e afirmou que as falas ultrapassavam todos os limites do erro, "sem, todavia, transporem as fronteiras do crime".

"Na minha visão do mudo, elas são posições pré-iluministas. Mas embora a Constituição seja um produto do iluminismo ela não obriga a que todos assim sejam. De modo que quanto a estes pontos eu penso que a conduta do denunciado esta abrigada pela liberdade de expressão e pela imunidade parlamentar."

No entanto, ao destacar o que Bolsonaro disse sobre os quilombolas e afrodescendentes, Barroso entendeu que a utilização dos  termos "arroba e procriador", expressões que se referem a animais irracionais, é elemento plausível para o recebimento da denúncia. "Penso que equiparar pessoas negras a bichos, para fins de recebimento da denúncia, é um elemento plausível."

Barroso também leu trechos transcritos da palestra na qual Bolsonaro fez referência aos homossexuais: "não vou dar uma de hipócrita aqui: prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo. (...) Não vou combater nem discriminar, mas, seu vir dois homens se beijando na rua, vou bater."

Para o ministro, embora ainda não haja no direito brasileiro a tipificação do crime de homofobia, ele considerou que a conduta do parlamentar se enquadra nos tipos de incitação e apologia ao crime, previstos nos artigos 286 e 287, do CP. 

"Me parece, inequivocamente claro, um tipo de discurso de ódio que o direito constitucional brasileiro não admite, que é o ódio contra grupos minoritários, historicamente violentados e vulneráveis."

Sustentações orais

Da tribuna, o advogado Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo (Moraes Pitombo Advogados), que defende Bolsonaro, alegou inépcia da denúncia. Ele salientou a gravidade da acusação e observou que o caso envolve a proteção ao direito de liberdade de expressão, prevista na CF. Segundo o advogado, o discurso proferido por Bolsonaro não constituiu crime, mas uma crítica à política pública dos quilombos e da demarcação de terras indígenas, entre outras.

"Não podemos tratar disso de forma conjectural, temos que ler o discurso e verificar se há ou não uma crítica às questões brasileiras", ressaltou, ao completar que, "por mais impróprio o vocabulário, por mais grosseiros os adjetivos, isso se chama democracia". Ao final, o advogado sustentou que não há prova da materialidade do crime, bem como não existe tipicidade da conduta, uma vez ser evidente o papel de parlamentar desempenhado por Bolsonaro na hipótese.

Reiterando o pedido de recebimento da denúncia, em sua manifestação, o vice-procurador-Geral da República, Luciano Mariz Maia, afirmou: "palavras constroem mundo ou destroem vidas. A palavra tem poder e o poder tem limites. (...) O discurso de ódio racista é essencialmente desumanizador, intrinsicamente antidemocrático. Nega a igualdade e nega o reconhecimento do outro como pessoa merecedora dos mesmos atributos decorrentes da dignidade humana. Por limites ao ódio que o discurso racial carrega é modo de concretizar o ideal de construção de sociedade justa, fraterna, solidária e sem preconceitos.

Ouça as sustentaçoes orais:

 

Incitação ao estupro

Bolsonaro já é réu no STF em ação penal na qual responde por incitaçao ao crime de estupro. Em entrevista ele disse que a deputada Maria do Rosário (PT/RS) não merecia ser estuprada. Ao jornal "Zero Hora", ele declarou em dezembro de 2014 que ela era "muito ruim" e "muito feia", e por isso não seria merecedora do estupro. 

Confira a íntegra do voto do ministro Marco Aurélio.

Veja a íntegra da denúncia da PGR.

Ouça os votos:

 

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