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Terras Indígenas | Restituição de área

STF continua julgamento do marco temporal em terras indígenas

O recurso tem repercussão geral, e seu julgamento permitirá a resolução de, pelo menos, 82 casos semelhantes sobrestados em outras instâncias da Justiça brasileira.

Da Redação

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Atualizado às 18:44

O plenário do STF abriu as atividades da semana nesta quarta-feira, 1º, com a continuidade do julgamento do recurso que discute o marco temporal para a demarcação de áreas indígenas. A sessão de hoje foi dedicada às sustentações orais dos interessados e dos amici curiae.

No entanto, as sustentações não terminaram. O caso será retomado amanhã para a continuidade das manifestações (ao todo, são 39 sustentações orais).

 (Imagem: Ramon Vellasco | Futura Press | Folhapress)

(Imagem: Ramon Vellasco | Futura Press | Folhapress)

A quem pertence a terra?

Em 2009, a FATMA - Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina buscou a Justiça, por meio de ação de reintegração de posse, dizendo que é legítima possuidora de uma área de mais de 80 mil m² localizada na linha "Esperança-Bonsucesso". Segundo a Fundação, essa área compõe uma gleba maior, chamada de "Reserva Biológica do Sassafras".

Acontece que, naquele ano, 100 indígenas ocuparam a referida área, "ali se instalando, e acabaram por derrubar a mata nativa do interior da reserva, construíram picadas e montaram barracas".

A FUNAI - Fundação Nacional do Índio rebateu o argumento da FATMA alegando que aquela área, na verdade, é protegida pela portaria 1.182/03, do ministério da Justiça, que declarou de posse permanente dos grupos indígenas Xokleng, Kaingang e Guarani a Terra indígena Ibirama-La Klãnõ, com superfície aproximada de 37 mil hectares, localizada nos municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, José Boiteux e Vitor Meireles, todos em Santa Catarina.

Em 1º e 2º graus a Justiça entendeu que a área deveria ser reintegrada à FATMA - Fundação do Meio Ambiente, sob o seguinte fundamento:

"não há elementos que permitam inferir que as terras referidas na petição inicial sejam tradicionalmente ocupadas pelos índios, na forma do art. 231 da Constituição Federal, máxime porque quem as vem ocupando, ainda atualmente, para fins de preservação ambiental, como visto, é a parte autora."

Em 2019, o plenário do STF reconheceu a repercussão geral da matéria por unanimidade. Naquela oportunidade, o relator, ministro Fachin, frisou que não estão pacificadas pela sociedade, nem mesmo pelo Poder Judiciário, questões como o acolhimento pelo texto constitucional da teoria do fato indígena, os elementos necessários à caracterização do esbulho possessório das terras indígenas, a conjugação de interesses sociais, comunitários e ambientais, a configuração dos poderes possessórios aos índios e sua relação com procedimento administrativo de demarcação.

Marco temporal: controvérsia

O julgamento desta quarta-feira vai requerer dos ministros uma extensa e profunda análise do artigo 231, da CF/88, o qual dispõe o seguinte:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

O grifo "tradicionalmente ocupam" é o ponto sensível da questão. Em 2017, a AGU emitiu o parecer 1/17 trazendo à tona o marco temporal.

O marco temporal estabelece que os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem comprovadamente sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Tal parecer foi aprovado pelo então presidente da República Michel Temer.

Atualmente, este parecer está suspenso por ordem do ministro Edson Fachin. Ao suspender o texto, o ministro considerou que o parecer poderia prejudicar diversas comunidades indígenas, que poderiam deixar de receber o tratamento adequado dos poderes públicos, "em especial no que se refere aos meios de subsistência, se a demarcação de suas terras não foi ainda regularizada".

Para os indígenas, a aprovação do marco temporal seria uma forma de estrangular o direito dos povos indígenas à demarcação de suas terras.

Sustentações orais

Abrindo as sustentações orais, o advogado Alisson de Bom de Souza, pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina, defendeu que um proprietário de terra não pode ser expulso de sua propriedade sem que haja formação completa de que aquele espaço é uma terra indígena tradicional: "não se pode violar outros direitos fundamentais igualmente relevantes à sociedade brasileira". Além disso, o causídico afirmou que o caso não trata de colocar indígenas contra produtores rurais, "o assunto desse processo versa sobre o que se entende por povo brasileiro e como vamos construir uma sociedade justa". Por fim, o advogado defendeu o desprovimento do recurso.

Os advogados Rafael Modesto dos Santos e Carlos de Souza Filho, pela comunidade indígena Xokleng, argumentaram que não cabe nenhuma espécie de marco temporal, porque esta tese comportaria "todo tipo de ilícitos, de crimes ocorridos até 1988; até porque nossa Constituição opera de forma retroativa". Os causídicos explicaram que os povos indígenas precisam, para existir, da terra: "não há marco temporal".

Em seguida, o AGU Bruno Bianco pugnou pela reforma da tutela provisória que suspendeu resolução 1/17, da Advocacia da União, que previa o "marco temporal". Para Bruno Bianco, a manutenção da tutela provisória vai gerar "insegurança jurídica" e "maior instabilidade" nos processos demarcatórios. Em resumo, a União argumentou que a imissão dos indígenas na posse não prescinde da observância do decivo processo legal, que preside a devida demarcação. 

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