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Penal

STJ: Não é ínfima apreensão de 1 munição se há condenação por tráfico

Para 3ª seção, a atipicidade da posse de munições só pode ser reconhecida em casos muito peculiares.

Da Redação

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Atualizado às 18:12

A 3ª seção do STJ deu provimento a embargos do MP para reconhecer que não é ínfima a apreensão de uma munição já que o homem possui condenação, também, pelo delito de tráfico.

 (Imagem: Pexels)

STJ afasta insignificância na apreensão de 1 munição.(Imagem: Pexels)

MP/SC recorre contra decisão da 6ª turma do STJ que absolveu o homem do delito de posse ilegal de munição de uso restrito, pela aplicação do princípio da insignificância.

O relator do recurso na 6ª turma, Sebastião Reis Jr., entendeu que a apreensão de ínfima quantidade de munição, aliada à ausência de artefato apto ao disparo, implica o reconhecimento, no caso concreto, da incapacidade de se gerar de perigo à incolumidade pública.

O MP sustentou que deve ser considerada típica a conduta de possuir uma munição de uso restrito, mesmo sem a apreensão de arma de fogo, diante da existência de condenação, também, pelos delitos de tráfico ilícito de drogas e associação para o tráfico.

Atipicidade da conduta

O ministro Joel Ilan Paciornik, relator na 3ª seção, ressaltou que é firme o entendimento da Corte de que a simples conduta de possuir ou portar ilegalmente arma, acessório, munição ou artefato explosivo é suficiente para a configuração dos delitos previstos nos arts. 12, 14 e 16 da lei 10.826/03, sendo dispensável a comprovação do potencial lesivo.

Contudo, ressaltou o ministro, o STF passou a admitir a aplicação do princípio da insignificância em hipóteses excepcionalíssimas, quando apreendidas pequenas quantidades de munições e desde que desacompanhadas da arma de fogo.

Na mesma linha da jurisprudência do STF, a 5ª turma do STJ tem entendido que o simples fato de os cartuchos apreendidos estarem desacompanhados da respectiva arma de fogo não implica, por si só, a atipicidade da conduta.

O ministro analisou, no entanto, que, na hipótese dos autos, embora tenha sido apreendida apenas uma munição de uso restrito, desacompanhada de arma de fogo, o homem foi também condenado pela prática dos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico, "o que afasta o reconhecimento da atipicidade da conduta, por não estarem demonstradas a mínima ofensividade da ação e a ausência de periculosidade social exigidas para tal finalidade".

Assim, deu provimento aos embargos e ao agravo regimental, e negou provimento ao recurso especial. 

Em voto-vista, o ministro Rogerio Schietti acompanhou o relator e destacou que a atipicidade da posse de munições só pode ser reconhecida em casos muito peculiares, em que fique demonstrada a total ausência abstrata de perigo à incolumidade física.

Violência no país

Para Schietti, não se trata de dizer tão somente se é crime ou não portar uma, duas, três, dez ou vinte munições e, sim, contextualizar a análise diante de uma realidade do país, em que não se logrou registrar no Brasil a diminuição dos níveis de violência, nos quais boa parte causadas por armas de fogo.

"Muitos 'cidadãos de bem' se creem mais seguros com um revolver ou uma pistola, são pessoas que se sentem de alguma forma ameaçadas e acreditam que a possibilidade de reação armada se enquadra no direito de autodefesa."

Schietti citou pesquisa do MP, de 2012, elaborada a partir de inquéritos policiais, em que se verificou que entre 25% a 80% das causas de homicídio no Brasil decorreu de motivos fúteis. Para o ministro, esses elementos reforçam a afirmação de que o maior acesso a armas não pode ser pensado como um meio para evitar a prática de novos crimes.

"De acordo com o Atlas de Violência de 2020, há mais de 2 milhões de registros de armas de fogos ativos nos sistemas Federais, com aumento entre os anos de 2019 e 2020 de 120% dos registros entre colecionadores, atiradores e caçadores. A conclusão do anuário é que, enquanto alguns seguimentos da população se armam de modo acelerado, o Estado vem diminuindo sua capacidade de mitigar os efeitos nocivos dessas mesmas armas, gerando toda sorte de violência."

Soluções violentas

"O STJ e o STF desempenham um papel de mantenedor de valores e princípios que subjazem ao Estado Democrático de Direito inscritos no preambulo da Constituição, mormente ante um cenário de incremento de práticas estatais violentas e o apoio ostensivo de autoridades altas da República lideradas pelo presidente a soluções violentas para situações de conflito", disse Schietti.

O ministro ainda lembrou que o sinal feito com uma das mãos simulando o porte de arma de fogo foi um notório difundido símbolo da campanha eleitoral de Bolsonaro.

"Chegou-se ao ponto, em recente publicação, de a Secom do governo Federal, divulgar imagem em redes sociais vinculando a atividade rural à posse de arma de fogo mediante à silhueta de um agricultor que segurava uma espingarda. Recentemente, em atitude ainda mais inusitada, o presidente da República, ao responder se havia novidade para os caçadores, atiradores e colecionadores, respondeu: 'O CAC está podendo comprar fuzil, tem que todo mundo que comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado. Eu sei que custa caro. Tem um idiota 'a tem que comprar é feijão'. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar'."

Schietti apontou o cenário como preocupante, e considerou que remete a tempos em que grassavam formas incivilizadas de solução de conflitos.

"O processo de interpretação e aplicação da lei penal não pode desconsiderar o peso e a importância dos sinais que o Poder Judiciário emite ao decidir casos relativos ao porte e a posse de armas e munições em geral."

Para Schietti, não se pode desconsiderar esses aspectos "relativos ao momento e a situação de alargamento do uso de armas e munições, com iniciativas oficiais e declarações de autoridades máximas da República para incentivar até o uso de armas de grosso calibre, como fuzis".

"Por isso, creio que o Poder Judiciário pode, dentro dos limites da jurisdição, responder em sentido contrário. Creio que a proteção da vida humana deve ser objeto de toda atenção, de todos os Poderes."

A decisão do colegiado foi unânime.

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