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Resultado eleitoral apostado

Contrato de aposta sobre resultado das eleições é válido? Veja análise

Especialista aponta que embora não seja inválida, a aposta não poderá ser cobrada se não for paga espontaneamente pelo devedor.

Da Redação

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Atualizado às 11:40

A disputa eleitoral de 2022 rendeu grande embate de posicionamentos entre dois empresários do Maranhão. A dupla está tão convicta em seus candidatos, um em Lula e o outro em Bolsonaro, que decidiram apostar um alto valor sobre o resultado das eleições.

Para oficializar a promessa, foi registrado em cartório um contrato da aposta de R$ 800 mil no caso de vitória de seus candidatos.

Mas, como se sabe, os jogos de azar são proibidos no Brasil desde 1946, pelo decreto-lei 9.215. No mais, a lei das contravenções penais (decreto-lei 3.688/41) impõe pena de multa, de R$ 2 a 200 mil, a quem participar de jogo, ainda que pela internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou apostador.

Assim, diante do contrato peculiar, resta a dúvida: a aposta firmada entre os eleitores é valida? Migalhas ouviu o advogado e professor Anderson Schreiber para descobrir. Confira a análise.

A aposta

Um homem, que está convicto na vitória de Lula, apostou sua chácara de 23 hectares em Grajaú/MA. Por outro lado, o segundo apostador, que acredita na vitória de Bolsonaro, colocou em jogo 11.111 mil toneladas de pedras de gesso. Os bens previstos no contrato estão avaliados no valor de R$ 800 mil.

Posteriormente, para validar o documento, os empresários maranhenses reconheceram firma das assinaturas do contrato no 1º Ofício do Cartório do município, que detalha os termos da aposta. O documento estabelece que a aposta será desconsiderada em caso de "qualquer eventualidade em que um dos dois candidatos saia da disputa eleitoral".

 (Imagem: Reprodução)

Validade do contrato

Inicialmente, o advogado Anderson Schreiber relembrou que, no Brasil, a lei das contravenções penais interdita os jogos de azar, ou seja, aqueles nos quais "o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte". E, segundo o especialista, o ato de formalizar o documento no cartório pelas partes teria a finalidade apenas para dar publicidade do que foi contratado, mas não de impor sua validade. 

No mais, afirmou que aposta que tenha por objeto o resultado de uma eleição não depende de sorte, mas sim da "capacidade de determinação do resultado do pleito eleitoral, o qual envolve, ao menos em teoria, a sensibilidade social e política dos apostadores às tendências da população, bem como suas projeções a partir das pesquisas de intenção de voto, que tem sido regularmente divulgado".

Nesse sentido, o profissional concluiu que embora não seja inválida, a aposta não poderá ser cobrada se não for paga espontaneamente pelo devedor. Isto porque, de acordo com o art. 814 do CC/02, o contratante não é obrigado a pagar a dívida de jogo ou de aposta.

"O Direito reconhece a existência da dívida, mas não dá ao credor o poder de exigir o pagamento da dívida. No Direito brasileiro, somente as apostas legalmente permitidas, como é o caso das loterias federais e estaduais, podem ser cobradas judicialmente."

Em contrapartida, de acordo com o art. 814 do CC/02, caso o apostador que perdeu pague a dívida voluntariamente, o valor não poderá ser recobrado por ele.

"Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito."

Jogos de azar no exterior

Em 2017, 3ª turma do STJ decidiu que a cobrança de dívidas contraídas em países onde jogos de azar são legais pode ser feita por meio de ação ajuizada pelo credor no Brasil, submetendo-se ao ordenamento jurídico nacional.

O colegiado definiu que a cobrança é juridicamente possível, desde que provado que o jogo é legal no local onde foi praticado.

O caso tratava de uma dívida superior a US$ 1 milhão supostamente feita por um brasileiro em torneio de pôquer no cassino Wynn Las Vegas, dos Estados Unidos. A ação foi ajuizada no Brasil em virtude do domicílio do réu, mas a dívida foi constituída no Estado de Nevada, onde a exploração do pôquer é legal.

À época, o relator do caso, ministro Villas Bôas Cueva, afirmou ser dedicada a análise a respeito de ofensa à ordem pública, alegação que, se fosse aceita, inviabilizaria a cobrança. O relator destacou que diversos tipos de jogos de azar são permitidos e regulamentados no Brasil, tais como loterias e raspadinhas. 

Com esse raciocínio, no entendimento do relator, demonstrava-se razoável o pedido de cobrança de um jogo semelhante (pôquer), que é regulamentado no local em que os fatos ocorreram.

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