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Bicentenário

Tribunal do Júri completa 200 anos no Brasil; relembre casos

Entre os crimes julgados pelo povo no Rio de Janeiro estão os assassinatos de Euclides da Cunha e de Daniela Perez.

Da Redação

terça-feira, 8 de novembro de 2022

Atualizado em 9 de novembro de 2022 13:20

Neste ano de 2022, completam-se 200 anos da chegada do Tribunal do Júri no Brasil, o tribunal popular onde os réus são julgados por seus pares.

Instituído por decreto do príncipe regente Dom Pedro I, em junho de 1822, tinha inicialmente competência para o julgamento dos "crimes de imprensa". Com o passar do tempo, passou a julgar apenas crimes dolosos contra a vida, aqueles que mais afligem a sociedade: homicídio; infanticídio; aborto e induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio.

Com essa legislação, o Brasil teve o primeiro julgamento realizado por juízes de fato em agosto de 1822, ainda sob a regência da ordem jurídica da Coroa Portuguesa. 

Ao longo dos anos, vários julgamentos emblemáticos marcaram a história do modelo no país. Em seu bicentenário, o Tribunal do Júri continua a provocar debates acalorados.

Salão do Júri

Em 3 de janeiro de 1927, instalou-se no Palácio da Justiça o Tribunal do Júri do Distrito Federal, então localizado no Rio de Janeiro.

No registro de correspondência da presidência do Tribunal de Apelação com o governo, pelo então presidente Vicente Piragibe, em 13 de fevereiro de 1940, assim foi descrito o Salão do Tribunal do Júri:

"Ornamentada ao gosto do estilo Luís XVI, posto que sem os requintes da época, é a sala do Júri, no primeiro pavimento, que sobreleva às demais instalações. Das quatro rosáceas do teto, liso e enquadrado por um festão de acantos, pendem os lustres de bronze e cristal. Revestido o soco das paredes por madeiras artísticas, e vazadas as maiores por duas ordens de vão, que obedecem nas pontas inferiores ao mesmo desenho dos lambris, alteiam-se deste as pilastras coríntias, que sustentam frisas interrompidas, de onde em onde, pela molduragem dos painéis alegóricos. A parede mais rica é a do extremo, em que se ergue a mesa da Presidência do Tribunal Popular, dominando o recinto, ladeada por duas portas. Sob o arco do nicho que se avista ao centro, guarnecido pelas cortinas de veludo carmesim está o crucifixo de mármore e bronze, inaugurado em 31 de janeiro de 1939, com a presença do Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, D. Sebastião Leme. Acima do arco ressai o motivo central da decoração, constituído por um painel do laureado pintor brasileiro André Vento - Apoteose à Justiça. Lateralmente, completam essa alegoria dois motivos simbólicos do mesmo artista, encimados por legendas e medalhões com as efígies de Justiniano e de Cícero. É ainda para notar os símbolos e figuras com que foram decorados os seis vitrais existentes nos vãos da parede externa. As portas da mesma ordem superior, na parede oposta, dão acesso a quatro balcões semicirculares em canelura, talhados à maneira de púlpitos e apoiados em conchas, exibindo ao centro as cartelas com os seus motivos simbólicos, entre guirlandas de loiros. Sob a cornija do arco de madeira ainda se vêem outras cartelas, emolduradas por breves pórticos e ladeadas por figuras de crianças em relevo completo."

Casos marcantes

No arquivo do Museu da Justiça do Rio de Janeiro encontramos processos que datam do século XIX, como o do homicídio contra o réu Joaquim Antonio, datado de 1834, acusado de assassinar Antonio Marcelino da Silva. Foi julgado no Tribunal de Relação do Rio de Janeiro. O Conselho de Acusação deste processo foi composto por 48 jurados e sorteados 23 destes, através de cédulas retiradas de uma urna por um menino.

Há também processos do século XX, como o do assassinato do escritor Euclides da Cunha pelo cadete do exército Dilermando de Assis. Euclides da Cunha foi morto na residência do jovem cadete, que mantinha um relacionamento amoroso com sua esposa, Anna Emília Solon da Cunha. O episódio, que ficou conhecido como a "tragédia da Piedade", ocorreu em 1909, no subúrbio carioca, e teve ampla cobertura da imprensa. Houve dois julgamentos pelo Tribunal do Júri, que, nas duas ocasiões, decidiu pela absolvição do réu (Dilermando), por entender que agira em legítima defesa.

 (Imagem: Reprodução/Arquivo)

Euclides da Cunha foi morto pelo amante de sua esposa, que foi absolvido pelo Júri por legítima defesa.(Imagem: Reprodução/Arquivo)

Outro crime marcante foi o que ficou conhecido como o Atentado da Rua Tonelero. A vítima foi o jornalista Carlos Lacerda, maior opositor do então presidente Getúlio Vargas. O assassino foi Gregório Fortunato, que atuava na guarda pessoal do presidente. O fato ganhou relevância por ser considerado o marco da derrocada de Vargas, que se suicidou 19 dias depois.

 (Imagem: Arquivo/Folhapress)

O segurança de Getúlio Vargas, Gregório Fortunato (dir.) e seu advogado Romeiro Netto, durante julgamento em que é acusado de tentativa de assassinato de Carlos Lacerda. (Imagem: Arquivo/Folhapress)

Outros crimes brutais marcaram o século XX, com julgamentos impactantes nos tribunais do júri do Rio de Janeiro, como o assassinato da atriz Daniella Perez por seu colega de trabalho na TV Globo Guilherme de Pádua e sua então esposa Paula Thomaz, que foi julgado no I Tribunal do Júri da capital. Ambos foram considerados culpados.

 (Imagem: Patrícia Santos/Folhapress | André Durão/Folhapress)

Júri julga Guilherme de Pádua pelo assassinato da atriz Daniella Perez.(Imagem: Patrícia Santos/Folhapress | André Durão/Folhapress)

É também inesquecível o crime que ficou conhecido como Chacina da Candelária, quando cinco adolescentes foram executados aos pés da Igreja da Candelária e outros três foram baleados pouco depois.

Por fim, vale citar o julgamento do traficante Elias Maluco, condenado por comandar o assassinato do jornalista Tim Lopes. Em 2022, o crime completou 20 anos.

Resgate histórico

O STF julga, nesta semana, recurso que definirá se a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri, prevista na CF, autoriza a imediata execução de pena imposta pelo conselho de sentença.

Em seu voto, o relator, ministro Barroso, faz um resgate histórico da origem do Júri.

Ele destaca que um marco relevante está na Magna Carta da Inglaterra, de 1215, com a seguinte configuração: "Ninguém poderá ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdades, senão em virtude de julgamento de seus pares, segundo as leis do país".

A partir dos ideais de liberdade e civilizatórios da Magna Carta de 1215, o conceito de julgamento pelos próprios pares se reproduziu pelo ocidente, explicou o ministro.

Na França, o Júri surgiu após a Revolução Francesa de 1789 e teve por propósito inicial combater a arbitrariedade de um Judiciário vinculado ao regime monárquico, disseminando o ideal de liberdade e democracia pelos demais países da Europa.

No Brasil, o Tribunal do Júri surgiu em 18 de junho de 1822, com a edição de decreto pelo príncipe regente.

No primeiro momento, a competência estava restrita ao julgamento dos crimes de imprensa, sendo que os jurados eram eleitos. Com o advento da Constituição de 1824, as causas Cíveis e Criminais também foram incluídas no rol de casos passíveis de serem julgados pelo Tribunal do Júri.

Na Constituição da República, promulgada em 1891, foi mantida a instituição do Júri (art. 72, § 31), considerado instituição aberta, democrática e com postulados liberais e garantidores da liberdade. Embora tenha sido reproduzido na Constituição de 1934, não constou expressamente do texto da Carta de 1937.

Em 1946, contudo, a Constituição inseriu o Tribunal do Júri no rol de direitos e garantias individuais, havendo sido preservado pela Constituição de 1967 e pela EC de 1969, embora tenham sido retirados dele a soberania dos vereditos, a plenitude da defesa e o sigilo de votações.

Finalmente, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, mais uma vez foi reconhecida a instituição do Júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: (i) a plenitude de defesa; (ii) o sigilo das votações; (iii) a soberania dos veredictos; (iv) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

A Constituição Federal de 1988 prevê a competência do Tribunal do Júri como conhecemos hoje, para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art. 5º, XXXVIII, "d").

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