STJ nega pedido de fiel para reaver doação de R$ 101 mil à Igreja Universal
Tribunal entendeu que ato religioso não se sujeita à forma da doação civil típica.
Da Redação
terça-feira, 9 de dezembro de 2025
Atualizado às 18:16
A Igreja Universal do Reino de Deus não deverá devolver a uma fiel doação de R$ 101 mil feita em espécie, sem instrumento particular.
Assim decidiu, por maioria, a 3ª turma do STJ, ao entender que a liberalidade não está sujeita à forma exigida para a doação civil típica, reconhecendo a validade e afastando a devolução do valor.
Prevaleceu o voto do ministro Moura Ribeiro, acompanhado pelas ministras Nancy Andrighi e Daniela Teixeira, além do ministro Humberto Martins.
Ficou vencido o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
Entenda
Segundo os autos, a autora passou a frequentar a Igreja Universal em 2006, ao lado do marido, movida por promessas de prosperidade espiritual e financeira.
Inicialmente, contribuía com o dízimo de 10% do salário do companheiro, mas, após o casal ser contemplado com prêmio superior a R$ 1,8 milhão na Loto Fácil, foram repassados à igreja valores expressivos: R$ 182 mil de dízimo, outros R$ 200 mil como doação e, posteriormente, diversas contribuições menores.
Já separada, a fiel doou ainda um automóvel HB20 e mais R$ 101 mil - este último sem qualquer instrumento escrito.
A 1ª vara Cível de Samambaia/DF reconheceu a nulidade apenas da doação em dinheiro, determinando a restituição do valor por entender que se tratava de doação de alto valor e, portanto, sujeita à forma escrita exigida pelo art. 541 do CC.
O TJ/DF confirmou a sentença, ressaltando que a liberdade religiosa não afasta o cumprimento das normas civis e que nulidades absolutas não se convalidam pelo tempo.
Voto do relator
No STJ, o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, votou por manter a nulidade da doação de R$ 101 mil.
Cueva enfatizou que a doação é negócio jurídico solene e essencialmente formal e que o cheque, embora seja título apto a transferir numerário, não supre a exigência de instrumento particular ou escritura quando se trata de doação de alto valor.
Rejeitou o argumento de que a prática religiosa dispensaria as formalidades civis e afirmou que flexibilizar a forma implicaria insegurança jurídica tanto para fiéis quanto para instituições religiosas.
Divergência
Ministro Moura Ribeiro, porém, abriu divergência.
Partindo de extensa análise doutrinária, ressaltou que nem toda liberalidade se enquadra no conceito jurídico de doação previsto no art. 538 do CC.
Segundo a doutrina civilista, transferências motivadas por dever de consciência religiosa, como dízimos, esmolas e donativos praticados em contexto de fé, não configuram necessariamente doação típica, pois lhes falta o animus donandi estritamente civil.
O ministro também entendeu que o cheque entregue pela fiel é apto a funcionar como instrumento particular, citando doutrina e normas eleitorais que admitem cheque como forma válida de formalização de doações.
Para ele, não haveria irregularidade na forma capaz de invalidar o ato. Destacou ainda a necessidade de prestigiar a boa-fé, uma vez que a liberalidade foi praticada voluntariamente, sem vício de vontade demonstrado, e questionada apenas quatro anos depois.
Diante disso, Moura Ribeiro votou por dar provimento ao recurso especial da Igreja Universal, julgando improcedentes os pedidos da autora e afastando a restituição dos R$ 101 mil.
- Processo: REsp 2.216.962





