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Fishing expedition

2ª turma do STF anula provas em investigação contra governador do Acre

Corte reconheceu nulidade de provas produzidas sem supervisão do STJ em apuração envolvendo Gladson Cameli.

Da Redação

sábado, 20 de dezembro de 2025

Atualizado às 09:33

A 2ª turma do STF, em julgamento no plenário virtual, decidiu anular provas produzidas entre maio de 2020 e janeiro de 2021 em investigações por corrupção que envolvem o governador do Acre, Gladson de Lima Cameli.

Por maioria, o colegiado reconheceu a nulidade das diligências realizadas sem supervisão do STJ, ao analisar agravo regimental em HC que discute o uso de RIFs do Coaf e a ocorrência de "fishing expedition".

O que é fishing expedition?
No processo penal, a chamada fishing expedition refere-se à prática de realizar diligências investigativas amplas e genéricas, sem lastro em indícios concretos previamente delimitados, com o objetivo de "pescar" possíveis ilícitos ou envolvidos.

Ficou vencido o relator, ministro Edson Fachin, que votou por negar provimento ao recurso.

Prevaleceu a divergência inaugurada pelo ministro André Mendonça, acompanhada pelos ministros Nunes Marques, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, formando maioria de 4 votos a 1.

Veja o placar:

Entenda o caso

O HC foi impetrado contra acórdão do STJ que recebeu denúncia e rejeitou preliminares apresentadas pela defesa no âmbito da Operação Ptolomeu, que apura, em tese, crimes de peculato, corrupção passiva, fraude à licitação, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

A defesa sustentou a usurpação da competência do STJ, em razão da prerrogativa de foro do governador, e alegou que a investigação foi marcada por "fishing expedition".

Segundo os advogados, após interceptações telefônicas que apenas mencionavam o cargo de governador, a autoridade policial aprofundou as diligências e requisitou RIFs ao Coaf envolvendo o chefe do Executivo estadual, seus familiares e empresas a ele ligadas, sem prévia supervisão do tribunal competente.

Para a defesa, essas circunstâncias contaminariam as provas produzidas, tornando-as nulas.

A PGR se manifestou pelo desprovimento do agravo.

Voto do relator

Ministro Edson Fachin votou por negar provimento ao agravo regimental, mantendo a decisão que havia denegado o HC.

O relator afastou a alegação de usurpação de competência, destacando que a simples menção ao nome ou ao cargo de autoridade com prerrogativa de foro em diálogos interceptados não desloca automaticamente a competência para tribunal superior.

Segundo o ministro, o deslocamento exige indícios concretos e plausíveis de participação ativa em ilícitos.

Quanto à alegada "fishing expedition", Fachin ressaltou que o tema já havia sido analisado e rejeitado pelo STJ, inclusive pela Corte Especial, e que as diligências se basearam em elementos concretos.

O ministro também reafirmou o entendimento do STF no Tema 990, segundo o qual é constitucional o compartilhamento de RIFs do Coaf com órgãos de persecução penal, sem prévia autorização judicial, desde que haja controle jurisdicional posterior.

Por fim, afirmou que o pedido exigiria revolvimento do conjunto fático-probatório, providência incompatível com a via do HC.

Divergência

Ministro André Mendonça abriu divergência ao votar pelo provimento parcial do agravo.

Para S. Exa., embora a mera menção ao cargo de governador não justificasse, inicialmente, o deslocamento da competência, o cenário se alterou quando a autoridade policial requisitou RIFs ao Coaf envolvendo diretamente empresas do governador, sua esposa e até seu filho menor de idade, antes de provocar o STJ.

Segundo Mendonça, nesse momento, a polícia já tinha ciência de que investigava pessoa com prerrogativa de foro, o que tornaria indevida a continuidade das diligências sob a supervisão de juízo incompetente.

Para o ministro, houve violação às regras constitucionais de competência, o que comprometeria a validade das provas.

Mendonça destacou que a prerrogativa de foro possui natureza de garantia institucional, voltada à preservação da regularidade das instituições, e votou para reconhecer a usurpação da competência do STJ no período compreendido entre 25/5/20 e 12/1/21, declarando a nulidade das provas produzidas nesse intervalo e das que delas derivaram.

Com a divergência

Ministro Nunes Marques acompanhou a divergência.

Segundo o ministro, embora o STF tenha firmado, no Tema 990 da repercussão geral, a constitucionalidade do compartilhamento de relatórios de inteligência financeira com órgãos de persecução penal, esse entendimento não autoriza que o MP ou a autoridade policial requisitem diretamente ao Coaf dados bancários ou fiscais para fins de investigação criminal, fora dos parâmetros legais e sem controle jurisdicional prévio.

Para Nunes Marques, no caso concreto, a atuação do Coaf não decorreu de atividade fiscalizatória espontânea, mas foi induzida por provocação da autoridade investigativa, o que desvirtua a finalidade legal dos RIFs e compromete sua higidez jurídica como elemento de prova.

Nessas circunstâncias, afirmou, as diligências violaram o direito à intimidade e ao sigilo bancário, constitucionalmente assegurados.

O ministro destacou ainda que, no momento em que houve a requisição de RIFs envolvendo diretamente o governador, seus familiares e empresas a ele vinculadas, a investigação já incidia sobre pessoa com prerrogativa de foro, o que exigiria a supervisão do STJ.

Assim, votou pelo reconhecimento da ilicitude das provas produzidas nesse contexto e pelo seu desentranhamento dos autos, bem como das provas delas derivadas.

Veja o voto.

Situação no STJ

Paralelamente ao julgamento no STF, tramita no STJ a AP 1.076, na qual o governador responde por crimes de fraude à licitação, peculato, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, no contexto da Operação Ptolomeu.

O julgamento foi iniciado na Corte Especial, sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, que rejeitou todas as preliminares e questões de ordem suscitadas pela defesa, julgou procedente a denúncia e condenou o governador a 25 anos e 9 meses de reclusão, em regime inicial fechado, além de 600 dias-multa.

A relatora também decretou a perda do cargo, fixou indenização de R$ 11,785 milhões por danos materiais ao erário e afastou o pedido de indenização por dano moral coletivo.

Durante a sessão, a defesa invocou o HC em trâmite no STF, sustentando que a investigação teria sido marcada por fishing expedition e usurpação da competência do STJ desde a origem.

Nancy, contudo, afastou o pedido de suspensão do julgamento em razão do HC no STF, ao argumento de que a condenação se apoia em provas autônomas e independentes, produzidas sob a supervisão do STJ, e não nos relatórios de inteligência financeira questionados na Suprema Corte.

Após o voto da relatora, ministro João Otávio de Noronha pediu vista dos autos, suspendendo o julgamento.

Por que o caso tramita no STF e no STJ?

O caso é analisado simultaneamente pelo STF e pelo STJ porque as Cortes examinam objetos distintos.

No STF, discute-se exclusivamente a legalidade de atos investigativos praticados antes da remessa do caso ao tribunal competente, especialmente a requisição de Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs ao Coaf) e a alegada ocorrência de fishing expedition, no âmbito de habeas corpus.

Já no STJ, a Corte Especial julga o mérito da ação penal, apreciando a existência ou não dos crimes imputados ao governador, com base no conjunto probatório produzido sob sua supervisão.

Assim, embora os processos dialoguem, as decisões não se confundem: o STF analisa a validade de provas e a observância das regras de competência, enquanto o STJ decide sobre responsabilidade penal e eventual condenação.

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