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A manutenção da qualidade de segurado e alta programada judicial após a lei 13.457/17

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Atualizado em 21 de julho de 2017 10:55

O modelo previdenciário brasileiro, originário dos antigos sistemas de seguro social, demanda, para fins de concessão de prestações previdenciárias, um requisito prévio que é a qualidade de segurado. Ou seja, não basta a ocorrência do sinistro para o pagamento do benefício. A pessoa deve possuir cobertura, ou melhor, deve ser segurada. Além deste quesito, alguns benefícios exigem, também, um período prévio de contribuições mensais mínimas, a chamada carência.

Tais atributos do sistema, com muita clareza, retratam a ausência de universalidade de nosso modelo protetivo, o qual, mesmo após o advento da Constituição de 1988, ainda peca pela limitada cobertura. Tal aspecto já foi objeto de questionamento em textos anteriores. Aqui, o objetivo é tão somente explicitar as mudanças relevantes da lei 13.457/17.

Em um seguro privado típico, o fato de o interessado participar e pagar o prêmio do seguro durante anos, sem qualquer sinistro, não assegura a cobertura gratuita no futuro, tendo em vista a lógica do negócio, que é a divisão do risco dentro do grupo coberto. Sendo assim, se uma pessoa paga o seguro de seu veículo por dez anos e nada ocorre, caso não haja renovação do mesmo no ano seguinte e subsequente sinistro, não haverá indenização devida pela seguradora, pois a vítima não mais ostenta a qualidade de segurada.

No modelo previdenciário nacional, ainda que construído nos moldes do seguro social, há alguns temperamentos. Afinal, a previdência brasileira atende riscos previstos e imprevistos. Sendo assim, na hipótese de necessidades sociais previsíveis, como idade avançada, não seria razoável admitir que todas as contribuições pretéritas sejam perdidas, pois os recolhimentos não foram unicamente voltados a benefícios de risco.

Por essas e outras razões, a legislação previdenciária admite não só a manutenção temporária da qualidade de segurado, após a cessação da atividade remunerada, mesmo sem recolhimentos - momento conhecido como período de graça - como, também, a possibilidade de recuperação dos recolhimentos pretéritos à perda da qualidade, mediante o reingresso no sistema e pagamento de período mínimo.

A regra geral do modelo, desde 1991, era no sentido de exigir pagamento equivalente a um terço das contribuições necessárias para fins de carência, permitindo, assim, o resgate das contribuições do passado. Mais recentemente, tal regra limitou-se a auxílios-doença, aposentadorias por invalidez e salários maternidade, pois as demais aposentadorias foram excluídas da sistemática pela lei 10.666/03.

Assim, por exemplo, caso um segurado tenha 30 meses de contribuição prévios a perda da qualidade de segurado, quando do seu reingresso, teria de contribuir com no mínimo quatro meses (1/3 de 12) para, então, resgatar as 30 anteriores e, no caso, obter auxílio-doença para incapacidades posteriores. Basicamente, este pagamento funcionaria como uma forma de "pedágio" ao segurado que perdeu a qualidade e voltou ao sistema protetivo.

Com a lei 13.457/17, a situação muda. Em condição menos gravosa frente à pretendida pelo Governo Federal - que deseja impedir tal expediente e exigir o alcance da carência plena - adotou-se solução intermediária, aumentando o gravame do segurado após seu reingresso no sistema, mas em menor escala. Ao invés de um terço da carência, passa a ser necessária a metade. No exemplo citado, ao invés de quatro contribuições, seriam necessárias seis contribuições após o reingresso e prévias à incapacidade.

Mediante análise isolada da lei 13.457/17, seria possível vislumbrar um severo endurecimento nas regras das demais aposentadorias, pois, para estas, tem-se a impressão que não há previsão de adimplemento da metade da carência, mas, em verdade, a exclusão total do tempo anterior à perda da qualidade de segurado (Art. 27-A da lei 8.213/91: "No caso de perda da qualidade de segurado, para efeito de carência para a concessão dos benefícios de que trata esta lei, o segurado deverá contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com metade dos períodos previstos nos incisos I e III do caput do art. 25 desta lei").

No entanto, a impressão é somente aparente. Deve-se ter em mente que o art. 3º da lei 10.666/03 continua válido, prevendo regramento específico sobre as aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial. Sendo assim, para estas, nada muda com a lei 13.457/17. Como se sabe, a principal razão da mudança foi, justamente, a alegada necessidade de maior rigor nos benefícios por incapacidade.

Justamente neste aspecto, relacionado à gestão dos benefícios por incapacidade, há outra mudança relevante na legislação previdenciária, ao inserir o art. 60, § 8º na lei 8.213/91, dispondo que "sempre que possível, o ato de concessão ou de reativação de auxílio-doença, judicial ou administrativo, deverá fixar o prazo estimado para a duração do benefício".

Pelo que se nota, pretende a lei 13.457/17 alargar a técnica conhecida como alta programada, ou seja, a dinâmica de concessão do benefício que, desde já, estipula a duração do mesmo, de acordo com a evolução esperada da patologia e cura do segurado. A motivação de sua extensão aos benefícios decorrentes de decisão judicial é calcada na incapacidade da Administração em controlá-los, o que tem permitido, não raramente, a manutenção de prestações indevidas por anos.

No entanto, como já havia me manifestado sobre a alta programada em si, não é correto transferir aos segurados o ônus da ineficiência do sistema. Como não se consegue superar o gargalo do atendimento previdenciário, especialmente quanto à perícia médica, adota-se premissa normativa que transfere ao segurado o encargo de observar e avaliar sua condição clínica, para, se for o caso, postular prorrogações ou revisões.

Incrivelmente, já se antecipando ao provável descaso das instâncias judiciais a este preceito, a própria lei 13.457/17 discorre que "na ausência de fixação do prazo de que trata o § 8º deste artigo, o benefício cessará após o prazo de cento e vinte dias, contado da data de concessão ou de reativação do auxílio-doença, exceto se o segurado requerer a sua prorrogação perante o INSS, na forma do regulamento, observado o disposto no art. 62 desta lei" (art. 60, § 9º, lei 8.213/91). Ou seja, ainda que a decisão judicial seja omissa, o prazo será aplicado. Caberá aos advogados, em suas demandas, expressamente pleitear o afastamento de tal medida.

Sabe-se que a situação do INSS, atualmente, é dramática. A aposentadoria de parte relevante de seus quadros, o aumento expressivo dos requerimentos administrativos, em conjunto com a retração da economia têm colocado em xeque a capacidade administrativa de atendimento. É natural e mesmo desejável que, em tais situações, a Administração Pública e o Poder Legislativo tentem buscar soluções inovadoras, como forma de produzir melhores resultados com menor custo. Todavia, tal desiderato deve ser alcançado sem transferir à clientela protegida o encargo que é do sistema.