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Doações para campanhas eleitorais

Da necessidade de consideração do faturamento bruto do grupo econômico para fins de análise do atendimento ao limite legal estabelecido no art.81 da lei 9.504/97

André Campos Valadão

No que diz respeito às doações de contribuições de pessoas jurídicas para campanhas, há a necessidade de considerar o faturamento bruto do grupo econômico.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Atualizado em 16 de outubro de 2012 15:07

A legislação eleitoral, assim como qualquer outra, sempre caminha na sombra da evolução das relações sociais e da mudança de pensamento da sociedade como um todo.

Consequência disto é que, ao interprete e aplicador da norma, cabe à tarefa de sempre adequá-la e contextualizá-la à realidade social atual.

Além disto, é de fundamental importância que haja sincronismo entre as diversas áreas do direito, em especial quando há a utilização por uma determinada área de institutos e definições originalmente pertencentes à outra.

Neste diapasão, a Lei nº 9.504/97 que estabelece normas para as eleições se utiliza de diversos institutos e definições originalmente pertencentes a outras áreas do direito, e até de outras ciências.

Como exemplo, destaca-se o disposto no § 1º do Art. 81 da referida Lei que, ao estabelecer um limite legal para as doações e contribuições de pessoas jurídicas, se vale de conceitos de natureza tributária, contábil e empresarial.

Dito isto, a utilização dos conceitos e institutos estranhos ao Direito Eleitoral deve ser feita de madeira ponderada e coerente, de forma a evitar excessos por ocasião da aplicação da norma.

Dentro deste contexto de interpretação e utilização de conceitos e institutos estranhos ao Direito Eleitoral, tem sido objeto de discussão perante os Tribunais Regionais Eleitorais e o Tribunal Superior Eleitoral - TSE a exata interpretação do disposto no já indicado § 1º do Art. 81 Lei nº 9.504/97.

Em especial, se tem discutido se o valor a ser considerado para efeitos de doação deve ser aquele doado pela empresa, considerada de forma isolada, ou no contexto do grupo econômico a qual pertence.

De fato, existem julgados que entendem tanto de pela consideração de forma isolada da empresa, como que se deve considerar o contexto do seu grupo econômico.

Outro ponto debatido refere-se ao conceito de faturamento bruto a ser considerado para fins de aplicação da norma do § 1º do Art. 81 Lei nº 9.504/97.

Ocorre que, de uma interpretação sistêmica da legislação que disciplina as doações eleitorais, percebe-se que o espírito da lei tem por objetivo evitar o abuso de poder econômico, tornando democrático, transparente e legítimo o financiamento de campanha proveniente da iniciativa privada, assumindo relevância, nesse contexto, a capacidade econômico-financeira da pessoa jurídica doadora de recursos.

Logo, o que se busca na interpretação da Legislação Eleitoral que regula a matéria ora debatida é a análise quanto a real capacidade financeira da pessoa jurídica ou física, de forma a se apurar se esta ou aquela possuem plenas condições de efetuar a doação.

Tanto que, no que toca ao conceito de rendimentos brutos, tem decidido os Tribunais pátrios de forma reiterada que referido conceito, de natureza tributária, possui para o direito eleitoral função meramente instrumental, sendo vedado ao intérprete transportar para o regime jurídico eleitoral conceitos e conclusões tributárias, tendo em consideração a inexistência de expressa autorização legal.

Logo, para fins de determinação da base de cálculo das doações de campanha deve ser incluído no conceito de rendimentos brutos o valor de toda a renda decorrente da exploração da atividade econômica, e não apenas os rendimentos tributáveis de tal empreendimento.

Este é o entendimento do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Minas Gerais que, ao julgar o RP nº 150, decidiu que "o conceito de rendimentos brutos, de natureza tributária, possui para o direito eleitoral função meramente instrumental, de simples base de cálculo para doações de campanha. Ao intérprete é vedado transportar para o regime jurídico eleitoral conceitos e conclusões tributárias, haja vista a inexistência de expressa autorização legal" (Ac. TRE-MG na RP nº 150, de 01/12/2009, publicado no DJEMG de 18/12/2009, Rel. designado Juiz Ricardo Machado Rabelo).

Assim, o que pretende a Lei Eleitoral é evitar o abuso de poder econômico, bem como que sejam feitas doações em valores incompatíveis com o porte econômico da doadora, de forma a tornar questionável os motivos de tal doação.

Por certo, através do disposto em seu artigo 81, é o de evitar o abuso do poder econômico, bem como o favorecimento de um determinado candidato, partido ou coligação em detrimento dos demais.

Sucede, todavia, que, para uma correta aplicação do referido dispositivo normativo, o aplicador do direito deve sopesar a atual conjuntura do cenário econômico-financeiro do País.

De fato, a reunião de empresas sob as mais diversas estruturas societárias dentro de um mesmo conglomerado ou grupo econômico configura-se prática cada vez mais corriqueira.

Isto por que, em razão do desenvolvimento das relações comerciais, bem como da crescente aumento da concorrência em todos os mercados, as empresas tem achado na formação de grupos econômicos uma saída para manutenção de seus negócios de forma competitiva.

O atual cenário econômico-financeiro brasileiro registra a reunião de empresas sob as mais diversas estruturas societárias dentro de um mesmo conglomerado ou grupo econômico.

E este cenário que aumenta a cada dia traz repercussões para o mundo jurídico, fazendo com que os mais diversos ramos do Direito passem a considerar este "novo" fato social quando da formulação de seus conceitos.

É o que ocorre, por exemplo, no Direito do Trabalho e no Direito Tributário, onde esta "nova" relação faz com que haja a responsabilização solidária ou subsidiária entre as empresas que forma ou que fazem parte de um mesmo grupo econômico.

Consequência disto é que, apesar de serem pessoas jurídicas distintas, a íntima relação existente entre empresas de um mesmo grupo econômico faz com que em vários aspectos estas acabem por serem consideradas, para determinados fins, como uma só, repartindo, por conseguintes, as responsabilidades de umas com as outras.

É neste contexto que no Direito Eleitoral o limite legal de 2% do faturamento bruto da pessoa jurídica passível de doação é interpretado de forma abrangente, para abarcar o montante faturado por todas as empresas pertencentes a determinado grupo.

De fato, a jurisprudência dos Tribunais pátrios já entende que se deve considerar o faturamento do grupo empresarial como um todo, mitigando a interpretação daqueles que consideram apenas o faturamento isolado da empresa ou da filial.

Neste sentido, destaca-se que em decisão publicada em 19/12/2011, entendeu o Douto Juízo da 34ª Zona Eleitoral do Estado de Minas Gerais, por ocasião do julgamento da Representação nº 306-17.2011.6.13.0034, que:

Compulsando os autos, verifico que a representada pertence a um grupo empresarial, cujas sociedades possuem os mesmos sócios e cuja soma dos rendimentos brutos em 2009 ultrapassou R$5.000.000,00 (cinco milhões de reais).

Ademais, verificou-se também que não houve mais qualquer doação por parte do grupo empresarial nas eleições de 2010.

Assim, entende-se que não foi ultrapassado o montante de 2% do faturamento bruto declarado no ano anterior, uma vez que se deve levar em conta o faturamento do grupo empresarial.

Conforme exposto por PÉRICLES D' AVILA MENDES NETO, em artigo "Financiamento de Campanha e o Direito Empresarial", publicado em 31 de julho de 2009, Ao aplicador da Lei das Eleições, principalmente nesse contexto de complexidade das relações empresarias, espera-se muito cuidado na identificação das relações entre matriz e filial e subsidiárias controladas direta ou indiretamente, para que não se inviabilize as doações.

Portanto, a consideração do faturamento do grupo empresarial como um todo, no contexto atual, apresenta-se como a interpretação mais razoável e sistêmica da norma. Por certo, aceitar entendimento contrário, fundamentado em interpretação restrita e limitada da Lei, não parece atender ao seu verdadeiro espírito e objetivo.

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* André Campos Valadão é advogado do escritório Siqueira Castro Advogados

Siqueira Castro Advogados

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