MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. "Profiling" e Direitos

"Profiling" e Direitos

Luiz Costa

"Profiling" é a utilização de algoritmos complexos para criar modelos ou perfis a partir de dados específicos.

domingo, 9 de novembro de 2014

Atualizado em 7 de novembro de 2014 10:41

Considere três situações. Na primeira, você quer comprar passagens de avião pela Internet; faz uma pesquisa e obtém um preço, mas não decide se compra. Algumas horas depois, acessa o mesmo site de venda de passagens e, surpresa, o preço aumentou 20%. Na segunda situação, você está prestes a passar pelo controle de fronteira e é convocado a passar por um controle mais rigoroso; sensores de ambientes captaram que sua frequência cardíaca estava um pouco acima do normal, o que o 'sistema' interpretou negativamente. Na última seu sobrinho adolescente, que não tem histórico financeiro, recebeu uma proposta de crédito pessoal elaborada com base em informações obtidas em sua rede social preferida.

No jargão tecnológico, "profiling" é a utilização de algoritmos complexos para criar modelos ou perfis - que tem caráter geral - a partir de dados específicos. Esses algoritmos processam enormes quantidades de informação e fazem correlações entre dados inicialmente desconexos (por exemplo, dados de conexão, biométricos, demográficos, entre outros), a partir do que um perfil é criado e aplicado, como nos exemplos acima. A mudança de preço de passagem, a convocação para controle mais rigoroso e o oferecimento de proposta de crédito pessoal só foram possíveis porque alguém foi enquadrado nos perfis de, vamos chamar, 'consumidor disposto a pagar mais', 'terrorista potencial' e 'adolescente tomador de empréstimo pessoal'.

A essa altura já é possível estimar que o uso de técnicas de "profiling" na Internet e fora dela pode estar na raiz de justas preocupações, e aqui destaco duas dimensões. A primeira é mais geral e está ligada ao amplo uso que empresas e governos têm feito dessas técnicas com os mais variados fins (os exemplos aqui são uma pequena amostra), bem como ao desequilíbrio entre, de um lado, o conhecimento e benefícios diretos que as organizações tiram do "profiling" e do outro lado uma extrema falta de transparência para o público em geral sobre como essas técnicas são utilizadas. Assumindo que uma das funções da lei é justamente a de promover justiça em relações de poder desequilibradas, a segunda dimensão - jurídica - fica evidente. O uso de técnicas de "profiling" é relevante sob um bom número de aspectos jurídicos e não é preciso ser profissional do direito para intuir que alguma coisa nessa história deve entrar em conflito com a proteção da privacidade, com o direito do consumidor, com a proibição de discriminação ou ainda com os limites impostos à atividade do Estado.

Se essas são boas intuições, não é menos verdade que o direito está longe de atingir a meta de equilíbrio que se propõe. Aqui, me refiro certamente aos 'tradicionais' problemas de falta de leis específicas e falta de preparo do sistema de justiça para dar conta do recado. No entanto, tão ou mais relevante que as respostas a esses problemas são os necessários aprendizado coletivo e debate público em torno do "profiling" e dos direitos a serem protegidos. O V Seminário Internacional de Proteção à Privacidade e aos Dados Pessoais, organizado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), reúne palestrantes nacionais, internacionais e renomados juristas brasileiros para discutir esses e outros temas, em São Paulo, nos dias 26 e 27 de novembro.

______________

* Luiz Costa é Procurador da República e fundador do Grupo de Trabalho Tecnologias da Informação e Comunicação do MPF. É formado em Direito pela PUC/SP e mestre em Direito da Internet pela Universidade de Paris I - Panthéon Sorbonne.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca