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A Propriedade Intelectual como veículo de operações empresariais

A utilização de bens e direitos de Propriedade Intelectual em operações empresariais requer exame, caso a caso, dos bens envolvidos, o prazo da sua proteção e a natureza do direito.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Atualizado em 3 de agosto de 2015 14:51

Não é novidade que vivemos na Era da Informação (ou do Conhecimento), período pós-industrial impulsionado pela revolução tecnológica a partir da década de 1970, quando o microprocessador, a fibra ótica, o computador pessoal e a internet mudaram a forma de comunicação e as relações sociais.

Como notou Peter Drucker1, apontado como o criador da expressão "Era da Informação", a busca pelo conhecimento começou logo após a Segunda Guerra Mundial, fato que culminou, atualmente, na predominância do setor de serviços sobre o setor industrial, o que já ocorre nos países desenvolvidos.

A partir de então, gradativamente, o poder econômico e a percepção de valor transferiram-se dos meios de produção para o conhecimento e suas formas de expressão, cujo valor está diretamente ligado à dificuldade de acesso e ao interesse que esse conhecimento gera à sociedade.

E o conhecimento, organizado e aplicável à produção de bens e serviços, apesar de mais barato e acessível em razão dos novos meios de comunicação de massa, ainda é um recurso escasso em relação às necessidades da sociedade. Para que esteja disponível em escala compatível com a demanda, é necessário incentivar a sua produção e organização, o que só é possível mediante o a alocação de tempo e dinheiro, recursos também escassos.

Esse conhecimento, trabalhado, pode se transformar em insumo, tornando-se capital intelectual, um ativo econômico que, atendidos determinados requisitos legais, pode ser protegido de forma exclusiva, como "Propriedade Intelectual".

Na primeira década deste século, a chamada "Economia Criativa"2, que compreende as atividades que envolvem processos de criação, produção e distribuição de produtos e serviços, usando o conhecimento, a criatividade e o capital intelectual como principais recursos produtivos, pela primeira vez, superou a "economia industrial", que até então prevalecia na sociedade.

Como prova desse fenômeno, de acordo com o ranking Best Global Brands, da consultoria Interbrand3, a partir do ano de 2013, o valor das marcas "APPLE" e "GOOGLE", superou o valor da marca "COCA-COLA" que se manteve em primeiro lugar por treze anos consecutivos e ocupou a terceira colocação naquela edição, embora os valores intangíveis dessa companhia, como a sua fórmula secreta e os valores a ela associados não possam ser descartados nessa avaliação. Além disso, das dez marcas mais valiosas naquele ano4, ao menos 7 podem ser classificadas como pertencentes à Economia Criativa, o que parece ser uma tendência irreversível.

Diante desse cenário, é natural que os bens intelectuais (e a exclusividade inerente a vários deles), além de corresponder à maior parte dos bens das sociedades, também passem a ser o maior atrativo na estruturação de operações empresariais.

Assim, são cada vez comuns negócios envolvendo bens e direitos de Propriedade Intelectual, como marcas, patentes, know-how, direitos autorais (incluindo software), e outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.

E esses negócios, atualmente, extrapolam as cessões, licenças ou simples fusões e aquisições entre titulares de direitos de Propriedade Intelectual, envolvendo operações mais sofisticadas como contribuições ao capital social, garantias, outorga de direitos reais (como usufruto e outros gravames), dentre outros, ou, ainda, compondo estruturas de planejamento tributário.

Entretanto, em razão da natureza peculiar desses bens e direitos intelectuais, a sua utilização em operações empresariais deve ser precedida de uma série de precauções e avaliações, na medida em que muitos desses direitos não se enquadram em diversos modelos tradicionalmente estruturados para bens tangíveis.

Em primeiro lugar, cabe destacar a natureza incorpórea desses bens intelectuais, que podem ser explorados ao mesmo tempo por diversas pessoas, incluindo o seu titular, sem qualquer sobreposição de direitos ou perecimento. Tal característica afasta, também, a aplicação de qualquer figura jurídica lastreada no conceito de "posse", inaplicável a esses bens e direitos, cuja proteção também não pode se dar através de interditos possessórios, conforme entendimento jurisprudencial consolidado5.

Outra característica comum à maioria dos bens intelectuais é o seu caráter temporário: patentes de invenção são protegidas por 20 anos e de modelo de utilidade por 15 anos; direitos autorais por 70 anos após a morte do criador; programas de computador por 50 anos, contados do ano seguinte à sua publicação; e os desenhos industriais pelo prazo de 10 anos, prorrogável por três períodos sucessivos de 5 anos cada. Mesmo as marcas, que podem ser renovadas indefinidamente, tem proteção limitada a períodos de 10 anos.

A exceção mais evidente é o segredo industrial, que pode continuar sigiloso e protegido por prazo indeterminado, desde que o titular consiga mantê-lo secreto e os seus concorrentes não consigam desenvolvê-lo licitamente de forma autônoma. Exemplo clássico nesse sentido é a fórmula da COCA-COLA, em sigilo há mais de um século.

Também a natureza jurídica dos direitos de Propriedade Intelectual e os requisitos para a sua proteção varia de acordo com a sua modalidade. Patentes, desenhos industriais e marcas tem natureza de direito de propriedade e são expressamente considerados bens móveis para efeitos legais. Contudo, sua proteção só nasce a partir do registro validamente expedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, autarquia federal responsável pela concessão e garantia de direitos de propriedade industrial. Antes disso, os depósitos relativos a esses direitos constituem mera expectativa de direito.

Por essa razão, sobretudo em razão da notória demora do INPI na concessão desses direitos, muitas vezes tais bens, embora possam ter valor econômico, ainda não possuem valor jurídico, tampouco oferecem a segurança necessária para a estruturação de diversas operações empresariais, não servindo, por exemplo como garantia ou permitindo a remessa de royalties ao exterior pela sua licença.

Os direitos autorais, incluindo os programas de computador, também têm natureza de direito de propriedade e reputam-se bens móveis para efeitos legais, com a vantagem de prescindirem de qualquer registro para serem protegíveis. Ou seja, sua proteção nasce a partir da sua publicação, ainda que possam ser registrados, caso a caso, para conferir maior segurança e garantir sua anterioridade frente a criações desenvolvidas por terceiros.

A exceção, mais uma vez, se dá com relação ao know-how/segredo de negócio, cuja natureza, para a maior parte da doutrina nacional, interpretando os termos da lei 9.279/96 (lei da propriedade industrial)6 se dá pelo princípio da repressão à concorrência desleal, na medida em que a apropriação ou uso indevidos do "know-how" por meio injusto são contrárias às práticas comerciais honestas.

Dessa forma, a proteção a esses bens intelectuais se dá pela via contratual, constituindo um vínculo obrigacional entre as partes advindo deste contrato, mas não um direito real de propriedade oponível a terceiros fora da relação contratual. Daí porque é permitido a qualquer concorrente desenvolver tecnologia idêntica, desde que o faça de forma lícita. Também, em razão da ausência de registro que lhe dê solidez, na maioria dos casos a sua utilização requer a elaboração de um laudo independente atestando a sua existência jurídica e valor econômico.

Por essa razão, ainda que parte da doutrina especializada entenda que tais bens, quando protegidos contratualmente, constituam uma "quase propriedade" é mais difícil utilizá-los como veículos para a estruturação de operações que requeiram a existência de direitos reais.

Da análise desse breve resumo, depreende-se que a utilização de bens e direitos de Propriedade Intelectual em operações empresariais requer um exame, caso a caso, dos bens envolvidos, o prazo da sua proteção e a natureza do direito, à luz da estrutura que se pretende implementar.

Uma vez tomadas as necessárias cautelas e feitas as necessárias adaptações, tais direitos podem se tornar, cada vez mais, instrumento de fomento empresarial, contribuindo para o aumento do seu valor e relevância jurídica e econômica.

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1 DRUCKER, Peter. Desafios Gerenciais para o Século XXI. São Paulo, Thompson Learning, 1999.

2 Expressão difundida pelo autor inglês John Howkins no livro "The Creative Economy", publicado em 2001. Dentre os principais setores da Economia Criativa podem ser mencionados: Software, Música, Arquitetura, Publicidade, Design, Artes, Artesanato, Literatura, Moda, Cinema e Vídeo, Televisão, Editoração e Publicações, Artes Cênicas (Performing Arts), Rádio, Turismo, Gastronomia, enfim, atividades que envolvem conhecimento.

3 Disponível em www.interbrand.com.

4 Em ordem decrescente: "APPLE", "GOOGLE", "COCA-COLA", "IBM", MICROSOFT", "GE", "McDONALDS", "SAMSUNG", "INTEL" e "TOYOTA".

5 O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entendeu que "posse é pode material que alguém de fato tem sobre a coisa. É exercício dos poderes inerentes ao domínio ou propriedade (...). Pressupõe uma relação de direito exteriorizando o poder de fato sobre a 'coisa'. (RTJESP 108/197).

Também a súmula 288 do STJ estabelece: "É inadmissível o interdito proibitório para a proteção do direito autoral."

6 "Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
(...)
XI - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;
XII - divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude;

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*Márcio Junqueira Leite é associado do escritório Pinheiro Neto Advogados e especialista em Propriedade Intelectual.







* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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