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A (nova) responsabilidade civil dos notários e registradores

O objeto do presente artigo é investigar a possível inconstitucionalidade das alterações trazidas pela lei 13.286/16, que dispõe sobre a responsabilidade civil de notários e registradores.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Atualizado em 4 de julho de 2017 08:20

Os serviços notariais e de registro são conceituados pelo artigo 1º da lei 8.935/94 como "os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos".

Tais serviços, conforme determina o art. 236 da CF, são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, caracterizando-se, portanto, como uma das diversas atividades classificáveis como serviço público.

O objeto do presente artigo é investigar a possível inconstitucionalidade das alterações trazidas pela lei 13.286/16, que dispõe sobre a responsabilidade civil de notários e registradores.

Conforme já foi observado, os serviços notariais se incluem na categoria de serviços públicos e, como tal, subordinam-se ao regime da responsabilidade civil objetiva na modalidade risco administrativo, adotada pela Constituição de 1988 e preceituada no §6º de seu artigo 37, que afirma: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

Segundo a posição majoritária da doutrina, a regra estipulada pelo §6° do artigo 37 abarca todas as pessoas jurídicas de direito público, independentemente das atividades que exerçam, bem como todas as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público e, ainda, as pessoas privadas delegatárias de serviço público (concessionárias, permissionárias e detentoras de autorização de serviços públicos.). Só se excluiriam, assim, as empresas públicas e as sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica1.

Diante disso, cabe analisarmos a mudança acarretada pela lei 13.286/16 e sua compatibilidade com o comando constitucional da responsabilidade civil objetiva.

O artigo 22 da 8.935/94, que trata da responsabilidade civil dos notários e oficiais de registro, está em sua terceira redação. De início, dispunha que:

Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.

Tem-se que essa redação coaduna-se perfeitamente com o disposto no §6º, art. 37, CF. A segunda redação, fruto da lei 13.137/15, alterou pouco o artigo, simplesmente explicitando uma nova hipótese de responsabilidade.

Art. 22. Os notários e oficiais de registro, temporários ou permanente, responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, inclusive os relacionados a direitos e encargos trabalhistas, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.

Por fim, cabe tratarmos da atual redação do artigo 22, que assim dispõe:

Art. 22. Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso.

A alteração é explicita e substancial. Em verdade, o que o artigo em comento faz é excluir os serviços notariais do regime da responsabilidade civil objetiva na modalidade risco administrativo.

Tem-se, portanto, que a lei indevidamente criou uma exceção ao regime de responsabilidade constitucionalmente estabelecido.

Diante disso, duas soluções são possíveis.

A primeira é o puro e simples reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo, vez que buscou, claramente, excluir notários e oficiais de registro da responsabilização civil objetiva, constitucionalmente determinada, em caso de danos causados a terceiros.

A segunda, na tentativa de se "preservar" de alguma forma a nova redação, seria a interpretação conforme a constituição, para que a culpa ou dolo sejam elementos a serem aferidos apenas em eventual ação de regresso. Dessa forma, mantém-se intacto o texto, embora amoldando sua interpretação aos ditames constitucionais.

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1. ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 24ª Ed. Forense. 2016, p. 853

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*Otávio Bueno da Fonseca Filho é advogado do escritório De Vivo, Whitaker e Castro Advogados.

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