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Solução de conflitos contratuais - A possível convivência entre negócios jurídicos processuais e convenções de arbitragem

A convivência entre estes institutos como forma de resolução de conflitos, na seara contratual, trazem diversos benefícios às partes, tanto na questão de eficiência e celeridade, quanto nas questões atinentes a diferentes jurisdições e diferentes pontos socioculturais que circundam os contratos transnacionais.

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Atualizado em 13 de julho de 2017 14:56

O novo CPC introduziu importantes mudanças na sistemática processual prestigiando a solução amigável de conflitos e promovendo a cooperação entre as partes litigantes para que estas possam solucionar suas questões de maneira mais efetiva e em certos casos até mesmo mais célere. Esta linha trazida pelo CPC, muito embora inove a sistemática processual, seguiu a tendência já trazida pelas leis de mediação e arbitragem como formas alternativas de solução de conflitos.

Dentre suas disposições, prevê o código que a convenção de arbitragem é, hoje em dia, norma fundamental do processo civil e, inclusive, possui natureza jurisdicional conforme parte relevante da doutrina e, também conforme o posicionamento do STJ no julgamento do Conflito de Competência 111.230/DF. Sendo de natureza jurisdicional, as decisões proferidas por câmaras arbitrais possuem força definitiva e afastará a apreciação da questão pelo poder judiciário, salvo flagrante ilegalidade no procedimento adotado. É um procedimento que prestigia a autonomia privada das partes e, salvo nos casos estabelecidos com a administração pública, poderá inclusive optar por ter conflitos decididos com base na equidade e outros fatores extrajurídicos.

Nesta mesma esteira de prestigiar a autonomia da vontade para a solução de conflitos, o novo código também passa a prever os chamados "negócios jurídicos processuais" em seus artigos 190 e seguintes estabelecendo que as partes possam convencionar mudanças no procedimento a ser aplicados em juízo para que melhor possam solucionar seus conflitos. Esta possibilidade é resultante do chamado princípio da cooperação e assemelhado com o procedimento arbitral, recai somente sobre direitos disponíveis das partes.

A convivência entre estes institutos como forma de resolução de conflitos, na seara contratual, trazem diversos benefícios às partes, tanto na questão de eficiência e celeridade, quanto nas questões atinentes a diferentes jurisdições e diferentes pontos socioculturais que circundam os contratos transnacionais.

O que se pretende demonstrar é que a existência de uma convenção de arbitragem não importa na impossibilidade de estabelecer um negócio jurídico processual. Os institutos não são excludentes entre si, ao contrário, se complementam e podem ser um excelente instrumento em termos custo benefício na solução de conflitos.

É possível, por exemplo, estabelecer uma convenção de arbitragem específica, que submeta à apreciação de uma câmara arbitral os conflitos resultantes do objeto do contrato, sua qualidade de entrega, questões que dependam de dados mercadológicos, conclusões técnicas ou questões outras que dependam de visão de negócios. Nestes casos, certamente a arbitragem trará uma decisão muito mais próxima do ideal de justiça, com velocidade adequada para as partes e o sigilo esperado neste tipo de celeuma. Há de lembrar-se também a possibilidade de transitar estas discussões para uma arbitragem internacional, trazendo o conforto necessário para partes em diferentes jurisdições.

Por outro lado, questões que envolvam questões de fácil apreciação pelo poder judiciário, tais como falta de pagamento, falta de entrega, execuções específicas, aplicação de multas ou até mesmo a declaração de existência ou inexistência de determinadas obrigações, podem ser objeto de negócios jurídicos processuais na medida em que as partes já podem estabelecer o procedimento, renunciar de recursos e fazer com que tudo tenha a celeridade e efetividade almejadas. Além disto, para tais situações é possível valer-se das medidas de urgência e evidência além de não se submeter à validação prévia do STJ para efeitos de exequibilidade.

Note que os custos relativos à arbitragem são relativamente altos para discutir estas questões menores e/ou que não dependam de expertise específica. Nestes casos o judiciário se mostra como ótima alternativa e o negócio jurídico processual acomodará os anseios das partes. Por outro lado, um processo judicial pode encarecer consideravelmente se sua fase instrutória demandar intensa produção de prova pericial, além de postergar no tempo de maneira pouco interessante para as partes. Por este lado, a arbitragem se mostra como a melhor alternativa.

A legislação que regulamenta estas duas possibilidades a que as partes têm a disposição para solução de seus conflitos não proíbe a sua coexistência e nem tampouco indica que uma medida implica em renúncia da outra, salvo se incidentes sobre o mesmo objeto.

Desta forma, a lei de arbitragem em seu artigo 10, inciso III indica que o compromisso arbitral deve especificar a matéria que será objeto da arbitragem, o que não significa que deva ser o contrato em sua totalidade. Por sua vez, o CPC diz em seu artigo 190, §1º que o juiz controlará o negócio jurídico processual recusando a sua aplicabilidade somente se presente nulidade. O ciclo interpretativo se completa quando analisamos o artigo 337, inciso X do CPC que prevê alegação de convenção de arbitragem como preliminar de mérito da contestação.

Conclui-se então que, atingida uma das matérias constantes do compromisso arbitral, ou seja, aquelas matérias em que a arbitragem se mostra mais vantajosa, o réu poderá rechaçar o procedimento judicial alegando a existência de convenção de arbitragem. Da mesma forma, não atingida as matérias do compromisso arbitral, deverá o juízo seguir o procedimento ajustado pelas partes em negócio jurídico processual dando regular processamento ao feito, inclusive reconhecendo títulos executivos formados pelas partes em negócio jurídico processual.

Esta mescla de mecanismos de soluções de conflito, em última análise, cria um ambiente de compliance contratual na medida em que as partes poderão ter um maior poder de controle e mitigação de riscos. Saber de antemão o que é esperado em termos de procedimentos, prazos e profundidade das análises de potenciais controvérsias, para além de custo benefício, permite aumentar o grau de segurança nos negócios.

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*Paulo Henrique Gomiero é advogado e Membro do Departamento Jurídico e Compliance da Mitsubishi Corporation do Brasil S.A.

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