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A licitude de holdings patrimoniais

Não é incomum, muito menos ilícita, a constituição de sociedade não operacional para gestão de patrimônio familiar, desde que devidamente declarada e nos moldes da legislação em vigor. Trata-se da chamada holding patrimonial, cuja principal função é a administração de bens próprios.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Atualizado em 17 de outubro de 2017 08:59

O início da última semana foi marcado pela ampliação do bloqueio de bens da família Batista, por decisão da Justiça Federal de Brasília, a fim de afetar empresas "não operacionais" pertencentes ao grupo, utilizadas exclusivamente para gerir o patrimônio da família. Segundo o Ministério Público Federal, tais empresas concentram patrimônio milionário, incluindo uma aeronave particular, dezenas de carros de luxo e imóveis em áreas nobres de Brasília, tendo sido organizadas com "inegável caráter fraudulento".

Entretanto, a mera existência de referidas sociedades não justifica o alegado caráter fraudulento da estrutura societária.

Não é incomum, muito menos ilícita, a constituição de sociedade não operacional para gestão de patrimônio familiar, desde que devidamente declarada e nos moldes da legislação em vigor. Trata-se da chamada holding patrimonial, cuja principal função é a administração de bens próprios.

Constituída no Brasil geralmente sob a forma de sociedade limitada ou sociedade anônima fechada, pode ser estruturada também no exterior, sob diversos tipos legais, de forma a gozar de atrativos próprios de cada jurisdição.

A concentração do patrimônio familiar em holdings, seja ela nacional ou estrangeira, facilita sua gestão, e, ainda, se comparada à manutenção de bens em nome de pessoas físicas, oferece consideráveis vantagens tributárias e sucessórias.

Aqui, as holdings patrimoniais são tributadas como quaisquer outras empresas, com a consequente aplicação de alíquotas inferiores àquelas previstas para pessoas físicas. A carga tributária incidente sobre a locação de imóveis, por exemplo, é consideravelmente inferior quando realizados por intermédio de uma pessoa jurídica - cerca de 11,33% no caso de empresas que optem pelo regime do lucro presumido, enquanto que, às pessoas naturais, aplica-se a tabela progressiva do imposto de renda, podendo chegar à alíquota de 27,5%. Já a distribuição de lucros, quando da transferência dos rendimentos aos sócios, não é tributada.

Referida estrutura societária é também utilizada para fins de planejamento sucessório, sendo uma ótima alternativa ao longo e moroso processo de inventário. Uma vez que única pessoa jurídica seja detentora de todos os bens familiares, a simples transferência de suas quotas ou ações é suficiente para que se opere a sucessão, simplificando consideravelmente o processo de inventário. Alternativamente, tal transferência pode ser realizada em vida, por meio de doação da participação societária aos herdeiros de direito, de forma a evitar eventual processo de inventário no futuro. Quando da transferência das quotas ou ações de holdings patrimoniais brasileiras, tanto na transmissão inter vivos quanto causa mortis, incidirá ITCMD, com alíquota de 4%, sobre o patrimônio da sociedade.

A fim de auxiliar no combate à corrupção e lavagem de dinheiro, a Instrução Normativa 1634, publicada em maio de 2016, instituiu a necessidade de identificação dos beneficiários finais de todas as sociedades inscritas no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ. Deve-se, portanto, revelar toda a cadeia de participação societária, até que seja possível identificar a pessoa natural que, em última instância, direta ou indiretamente, exerça efetivo controle sobre a estrutura.

Referida norma coibiu a utilização de holdings patrimoniais sem a identificação de seus beneficiários, prática antes utilizada, dentre outros fins, para fraudar credores ou elidir tributos.

Ademais, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, previsto no artigo 50 do Código Civil, pode contornar a autonomia patrimonial de sociedades constituídas em casos de comprovado abuso da personalidade jurídica.

Nota-se, portanto, que a mera interposição de sociedades passivas para administração de patrimônio familiar não pode ser considerada fraude ou ato ilícito, mas, sim, a sua utilização para fins escusos.
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*Thiago Barrizzelli Murino é advogado do escritório Amaral Gurgel Advogados.

*Gabriella Tuna Garamvölgyi e Silva Mamede é advogada do escritório Amaral Gurgel Advogados.

*Renato Maluf é advogado do escritório Amaral Gurgel Advogados.

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